Crítica – A Longa Marcha – Caminhe ou Morra
Caminhar para não morrer, essa é a única solução. Com essa premissa, Stephen King, um dos maiores escritores da história, deu o pontapé inicial para sua profícua carreira, ainda na faculdade, no fim dos anos 1960. Só que esse livro não saiu do papel tão cedo e ficou engavetado até 1979, quando King já era um cara famoso por Carrie, A Hora do Vampiro e O Iluminado. Mas o autor tinha um certo receio de colocar seu nome à tapa, já que a expectativa de novos trabalhos dele era grande. Isso fez com que ele publicasse alguns livros, entre o fim dos anos 1970 até meados dos 1980, com o pseudônimo de Richard Bachman. Entre esses livros, um deles era A Grande Marcha, de jovens desesperados por dinheiro que participavam de uma competição sem volta, em que caminhar sem parar era a única opção para se manterem vivos. O diretor Francis Lawrence, com roteiro adaptado por JT Mollner, colocou essa desesperada competição nas telonas, na esperada estreia da semana, A Longa Marcha – Caminhe ou Morra (The Long Walk, 2025).

Num Estados Unidos arrasado mentalmente e economicamente por uma guerra alguns anos atrás e hoje vivendo sob a tutela de um governo militar, jovens empobrecidos se candidatam a participar de uma competição que consiste em caminhar sem parar e o vencedor será aquele que aguentar essa longa marcha. Só que quem for desistindo acaba sendo eliminado sem dó, por militares que acompanham a marcha, liderados por um sádico Major. Nessa desesperada disputa, 50 jovens tem que ter uma saúde física e psicológica incrível pra enfrentar essa corrida insana, ainda mais que o companheirismo adquirido nesse ambiente hostil, marcado na amizade entre dois competidores, Ray Garraty e Peter McVries, fica mais tenso, sabendo que no melhor dos cenários, só um irá sobreviver.

Francis Lawrence, com A Grande Marcha – Caminhe ou Morra, nos apresenta um dos filmes mais tensos e pesados de 2025. O filme, que se passa num distópico Estados Unidos, onde a crise económica e a falta de perspectivas para os jovens os obriga a participarem desse insano espetáculo. Sim, porque a tal caminhada era um programa para ser transmitido para o país inteiro, e segundo os organizadores, essa disputa e sacrifício iria servir como inspiração para se criar uma América nova, em que os vencedores teriam a glória e os perdedores seriam eliminados. Qualquer semelhança com alguns governantes atuais talvez não seja mera coincidência. A maneira como Lawrence consegue transpor esse clima de extrema angústia, em um filme que por quase duas horas é apenas uma caminhada sem fim por alguns atores, ajuda pois em nenhum momento o filme perde, literalmente, o passo. Ele não se permite ter escapes cômicos, descarta pieguices e apenas mostra que em situações de guerra e risco de morte constante, o companheirismo e o senso de equipe são motes para o ser humano ter gana por sobrevivência e para manter um pingo de humanidade. A amizade entre os participantes, pontuada em um roteiro recheado de diálogos para amenizar o absurdo, é que nos faz conectar com o drama dos jovens, de que a cada três advertências sua vida irá acabar com uma bala na cabeça, dada por milicos paus mandados e sem coração.

Aliás, a violência e a crueza das imagens serve e muito para chocar. Cada morte nos surpreende e são feitas para provocar repulsa, com os miolos estourados dos jovens, que vão desistindo pouco a pouco da prova. Cenas que não poupam sangue e violência repugnantes. A destruição da condição psicológica de cada participante também é trabalhada a cada quilômetro percorrido por eles. O diretor nos transmite esse desgaste físico e mental gradualmente, em que ficamos por vezes cansados junto com eles, sentindo as dores e o sofrimento dos jovens. Algumas decisões, antes impensadas, dos participantes, que pouco a pouco vão se entregando e doando a vida, são compreensíveis, pela obrigação de percorrer a distância de Porto Alegre até Camboriú a pé sem parar, o que é de enlouquecer qualquer pessoa.
O filme trabalha muito bem os coadjuvantes, no mínimo uns dez participantes, têm papel crucial na condução da trama, com personalidades como o religioso, o que quer contar em livro a história da marcha, o atlético, o arrogante, o provocador, o especialista na prova, mas o filme se concentra mais na relação entre Ray Garraty (o número 47, os participantes eram chamados por números), jovem que ainda tem o carinho da mãe como consolo, mas tem sede de vingança por um trauma familiar que motiva sua participação, é interpretado por Cooper Hoffman e Peter McVries (número 23), jovem sem rumo e com nada a perder, tendo David Jonsson dando vida ao personagem. Mark Hamill interpreta o caricato e estereotipado Major, o odiado comandante da disputa da morte.

A Longa Marcha – Caminhe ou Morra é um retrato da espetacularização da vida. Por dinheiro qualquer negócio pode ser feito, ou melhor, o que o despero e a luta para a conquista financeira faz o ser humano banalizar a morte, ainda mais num país onde armas são uma extensão do corpo para algumas pessoas. Afinal vivemos numa sociedade onde a competição é que nos move e a meritocracia só premia quem é bom e merece, o resto que simplesmente se exploda, o que no filme é que o acaba acontecendo…
