Crítica: A Odisseia dos Tontos
Corralito, na tradução para o português, seria pequeno cercado, um cercadinho. Para o povo argentino, pelos fins do ano de 2001 poderia ser a tradução perfeita de um pesadelo. Fernando de la Rúa, presidente eleito em 1999, pegou uma crise de dimensões mundiais, fez um governo desastroso, perdeu o apoio do Congresso, sofreu uma oposição ferrenha dos peronistas e da classe sindical e afundou os hermanos numa crise sem precedentes que culminou em dezembro de 2001 com o tal Corralito. O que constituía o tal plano arquitetado pelo ex “mago” da economia argentina (nos tempos de Menem) Domingos Cavallo, para impedir o colapso do sistema financeiro argentino, impôs um congelamento dos depósitos bancários: cada poupador poderia tirar apenas 250 pesos semanais por 12 meses e findada a crise os depósitos estariam liberados. Resumo de um tango triste: a Argentina entrou num caos social, culminado em protestos, mortes, quebradeiras, saques, fome e a renúncia do ministro Cavallo e posteriormente de la Rúa, numa fuga cinematográfica da Casa Rosada, escapando do país em um helicóptero. Essa crise argentina do início do século 21 é o mote principal do filme A Odisseia dos Tontos (La Odisea de los Giles) do argentino Sebastian Borensztein (Um Conto Chinês e Kóblic).
Fermin Perlassi (Ricardo Darín), ex-ídolo de futebol local de uma pequena cidade da Argentina e sua esposa Lídia (Veronica Llinás), têm uma ideia de reabrir em forma de cooperativa uma abandonada usina a fim de gerar empregos e movimentar a quase falida cidade. Para isso tentam convencer os amigos e habitantes da região, uma fauna de tipos populares, que contribuem financeiramente, do que podem fazer para realizar o sonho da cooperativa. Só que estamos em 2001 e todo o dinheiro arrecadado pelos sócios é depositado em um banco um dia antes do Corralito, e com o congelamento do sistema financeiro, os sonhos da cidade desmoronam junto com um país inteiro. Após brigas internas e tragédias pessoais, o pessoal da cooperativa descobre que alguém na cidade, com informações preciosas, fugiu com todo o dinheiro antes da crise e o grupo quixotesco une forças através de um plano mirabolante para tomar o que é seu de direito.
Chega a ser clichê elogiar as comédias dramáticas argentinas. Elas quase sempre funcionam, umas mais, outras menos, e A Odisseia dos Tontos, funciona e muito bem. A maneira como as relações humanas são tratadas e a personificação dos personagens fazem passar a ideia de gente como a gente, dando um realismo que só os argentinos sabem fazer. Ah, e tem o Darín, né? Ricardo Darín e cinema argentino dos últimos 20 anos são tão saborosos e tipicamente argentinos quanto as papas fritas, o choripán, o doce de leite e o vinho Malbec. Escalou o Ricardo Darin é quase certeza de um belo filme. Nesse, atua pela primeira vez com seu filho, o talentoso Chino Darín (Rodrigo Perlassi). Aliás, todo o grande elenco está bem no filme com destaque para Luis Brandoni (Fontana), Rita Cortese (Carmen Lorgio), Daniel Araoz (Belaúnde) e Andre Parra como o “maquiavélico vilão” Fortunato Manzi.
Terceira parceria de Sebastian com Ricardo Darín, o diretor e o ator se afinam cada vez mais nessa adaptação do conto La Noche de la Usina de Eduardo Sacheri que co-escreve o roteiro com o diretor. Roteiro com uma melancolia na medida certa com o drama de uma cidade inteira que se vê cada vez mais afundada na lama numa crise sem fim, mas que culmina numa cooperação quase de laços familiares para arquitetar o plano, ou digamos, vingança para recuperar o dinheiro que pertencia a eles. E humor garantido nas aventuras vividas pelo quase exército Brancaleone comando por Perlassi em busca do tal objetivo.
O filme também apesar de ser uma espécie de vingança do explorado contra o explorador, não se aprofunda muito em assuntos mais partidários ou políticos e procura apenas levantar a bandeira da justiça e de como fazê-la nem que seja na marra.
Por ironia do destino o objetivo do plano do exército dos tontos perdedores está num cercado, um legítimo corralito rodeado por vacas, barro, árvores e protegidos por alarmes. A Odisseia dos Tontos é uma prova que cooperação, laços de amizade e engajamento, uma crise histórica, uma trilha sonora cativante, uma direção competente e, é claro, um Ricardo Darín é quase certeza de um bom filme.
Elenco: Ricardo Darin, Luis Brandoni, Chino Darin, Verónica Llinás, Daniel Araoz, Carlos Belloso, Rita Cortese e Andrés Parra Diretor: Sebastián Borensztein
Produção: K&S Films, Kenya Films, MOD e eltrece
Distribuído: Warner Bros. Pictures