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CRÍTICAS

Crítica – Bugonia

Crítica – Bugonia
  • Publishednovembro 25, 2025

Quem vai assistir a qualquer obra de Yorgos Lanthimos pode ter certeza que no mínimo terá pela frente algo desconfortável, provocador e nada convencional. Tentando se redimir do seu último filme, o fraco Tipos de Gentileza, a nova empreitada do diretor grego é uma refilmagem de um filme coreano de 2023, Jigureul Jikyeora!, ou Save The Green Planet!, de Jang Joon-hwan, com Ari Aster como um dos produtores. Com o nome de Bugonia (idem, 2025), o filme, que foi apresentado em Cannes em maio, ganha a sua estreia nos cinemas brasileiros, e como todo filme do Yorgos, a expectativa é sempre proporcional ao tamanho das novas esquisitices do diretor.

Teddy Gatz e seu primo Dom têm uma missão. Ele, um apicultor, que tem sua mãe em coma no hospital devido a um tratamento com remédios experimentais, tem certeza que Michelle Fuller, a CEO de uma empresa farmacêutica, é uma alienígena. E mais que isso, é uma Andromedana de extremo perigo que quer dizimar a Terra, começando com o extermínio das abelhas e depois acabando com a população terráquea. Os dois acabam sequestrando Michelle, a mantendo em cativeiro e praticando todo tipo de tortura, inclusive raspando seu cabelo, usando cremes anti histamínicos para evitar a comunicação dela com seus superiores no planeta, praticando choques elétricos ao som de Green Day para testar sua capacidade fisica e fazê-la confessar. Devido à resistência dela, Teddy tem certeza que ela é uma alienígena do alto escalão real do planeta e acaba a respeitando, até que surge em sua casa o xerife local, e amigo de Teddy e Dom, bagunçando mais ainda a caótica situação. 

Yorgos volta com tudo nessa melhorada refilmagem de um filme sul-coreano dos anos 2000. E Bugonia respira 2025. O filme mostra como teorias de conspiração, fake news, certezas absolutas, fanatismo de pensamento e crenças no absurdo podem gerar situações extremas, violência e transformar simples cidadãos em perigo potencial para a sociedade. Teddy, o personagem de Jesse Plemons, é a prova viva que não sabendo compreender seus dramas pessoais, no caso tanto na profissão de apicultor em crise quando na mãe vegetativa, precisa usar um bode expiatório para seus fracassos. Mergulhando em uma obsessiva causa aprofundada por revistas de ufologia sem cunho científico, e logicamente a internet, que mal usada é um paiol de bobagens. Essa crítica presente no roteiro de Will Tracy também respinga no sistema capitalista e das grandes corporações com seus CEOs, que vivem em redomas impenetráveis, com suas vidas perfeitas e suas empresas que acham que podem comprar qualquer coisa. Mas é o embate psicológico entre os primos Teddy e Dom e a sequestrada Michelle que nos faz praticamente sentir toda a pressão e angústia psicológica dos personagens. Se Dom é provavelmente um autista, calado e quase um mero observador do absurdo, Teddy tem todas as técnicas, tanto de torturas fisicas quanto psicológicas, em busca do intuito que tem de provar sua certeza. Michelle é um exemplo de mulher poderosa e preparada, jamais perde a calma e tenta fazer virar de caça rato com Teddy para seu lado, com muita persuasão, lábia e controle, mesmo sofrendo bocados na mão da dupla. Um perfil perfeito dos tais mega empresários pop star de hoje com ares de coach e que apregoam controle total das situações. 

Yorgos sabe usar a câmera como poucos, com enquadramentos estáticos, com a maestria do diretor de fotografia Robbie Ryan, criando aquele ambiente claustrofóbico, realçado pela música de Jerskin Fendrix, asfixiante na medida certa. Mas o interessante em Bugonia é que tudo é de um cinismo difícil de tomarmos partido em quem torcer na história. Por mais que Teddy muitas vezes parece ser uma ingênua vítima de um mundo mentiroso e não saiba lidar com sua vida, ele é um arquiteto perfeito de um plano bem executado e crente em sua convicções. E Michelle, mesmo comendo o pão que o diabo amassou na mão da dupla, sabe se defender bem e jamais perde a crista, sabendo que só agindo de uma forma pode confrontar os seus algozes. Mais uma vez falando em Michelle, Emma Stone faz um papel incrível sob a direção de Yorgos. Um papel extremamente físico e de doação, mas que precisa de muito controle mental e emocional para interpretar a CEO que pode ser uma poderosa alienígena. Emma constrói uma complexa personagem, vítima do absurdo da situação, mas que precisa de autocontrole, ironia e imaginação para se livrar de Teddy, em mais um personagem fantástico de Jesse Plemons. Mais uma figurinha carimbada do grego, ele nos entrega mais um papel de um cara dividido entre salvar o mundo, mas jamais pensa além do seu umbigo, e por mais que tenha boas intenções, mesmo fazendo papel de oprimido, em nenhum momento merece compaixão.

Talvez seja esse o segredo de Bugonia, um retrato irônico em tom de farsa da triste realidade dos tempos atuais. Uma sociedade em que se acredita no que se quer acreditar e fatos só são importantes se eles servem para nossa vida. Uma visão pessimista, amarga e negativa, nos apresentada de uma maneira picaresca e cheia de sarcasmo, como aquele estilo particular de brincar com o absurdo e o esquisito de Yorgos, mas que dessa vez temos que reconhecer que o bizarro é o ser humano dos anos 2020 e por vezes parece que realmente somos um projeto que deu errado no universo. 

Written By
Lauro Roth