Crítica – Bom Menino
- Publishedoutubro 23, 2025
Imagine um filme de terror com todos os seus clichês: trilha sonora composta por instrumentos de cordas sendo arranhados, o protagonista se escondendo debaixo da cama para escapar do monstro, vultos assustadores nas sombras e sons de vozes (ou latidos) de seres já falecidos. Agora imagine tudo isso vivido do ponto de vista de um cachorro. Essa boa ideia é a premissa de Bom Menino (Good Boy, 2025), longa de estreia do diretor Ben Leonberg. O problema é que essa boa ideia não foi bem desenvolvida para além da premissa.
Indy (interpretado pelo adorável cachorro de mesmo nome) é o pet de Todd (Shane Jensen), um homem jovem que luta contra um câncer de pulmão. Na tentativa de se afastar do mundo e das dificuldades dessa batalha, Todd decide se mudar, junto de Indy, para a antiga casa que pertencera a seu avô falecido (Larry Fessenden). Na casa (localizada no meio do mato e com uma atmosfera naturalmente sinistra), Indy começa a presenciar aparições sobrenaturais cada vez mais frequentes, enquanto a doença de seu tutor avança.
Bom Menino aposta na subversão do terror ao trazer situações familiares aos fãs do gênero, mas vividas por um cachorro. O filme acerta ao transmitir a sensação de alienamento de Indy, mais atento a estímulos que toquem seus instintos primais do que a conversas e problemas humanos. Todos os diálogos entre Todd e sua irmã Vera (Arielle Friedman), ou seu vizinho Richard (Stuart Rudin), acontecem como pano de fundo, enquanto Indy persegue algum vulto ou barulho que não deveria existir no plano terreno.
Leonberg faz uma escolha muito acertada de não mostrar claramente o rosto de nenhum humano (que esteja vivo). Isso ajuda na construção dessa sensação de alienação de Indy ao mundo terreno e reforça que o protagonista daquela história é o cachorro. O filme brinca com essa noção de Indy ser o personagem mais importante ao sempre deixar a câmera na altura do animal. Estamos sempre juntos à ele, vendo o mundo à sua maneira.
Essa brincadeira de ponto de vista também se reflete na construção do terror. Closes em animais empalhados ou em bordados que mostram cães ensanguentados após uma luta lembram constantemente quem é o protagonista daquela história. Se para nós, humanos, uma raposa empalhada já causa desconforto, para um cachorro, a taxidermia seria algo genuinamente macabro, se ele compreendesse o que aquilo significa. No caso de Indy, ele compreende, e o filme trabalha bem essa tensão de haver algo errado naquela casa, algo que apenas o público e o cachorro percebem.
O problema é que o filme parece estar sempre em construção, sem nunca alcançar um clímax satisfatório. O primeiro terço estabelece um clima macabro com fotografia azulada, sombras densas, tempo chuvoso e trilha inquietante. Somado a pequenos eventos sobrenaturais, como portas que se abrem sozinhas, sons quase inaudíveis de animais chorando, vultos nas sombras, Bom Menino começa gerando desconforto e tensão de forma eficaz. No entanto, conforme o longa avança, essa tensão nunca se resolve, apenas se dilui em escolhas genéricas de jumpscares e imagens de terror pouco inspiradas. Os fantasmas, quando finalmente aparecem de forma mais nítida, têm design pouco criativo, o que intensifica a frustração.
No fim das contas, o longa não tem coragem de mergulhar de fato em um terror violento e, por isso, pouca coisa se constrói a partir de sua boa premissa. Falta um senso real de que Indy está em perigo e falta conexão entre os elementos secundários, seja a mitologia da casa, seja os personagens humanos. A única relação que funciona é entre Indy e Todd, mas convenhamos: é relativamente fácil gerar empatia e lealdade entre um pet e seu tutor, ainda mais quando o pet é um cachorro tão adorável quanto Indy.
Ben Leonberg apostou que sua premissa inicial, muito bem bolada, bastaria, mas ela não é suficiente para sustentar um longa-metragem. E olha que o filme é relativamente curto, com apenas uma hora e treze minutos de duração. No final, Bom Menino é uma boa curiosidade, mas em momento algum consegue evoluir para um bom filme.