Crítica – Entre Penas e Bicadas
- Publishedoutubro 15, 2025
Se tem algo que é subestimado, é a atenção aos detalhes. É comum pensarmos nas grandes estruturas já prontas, como se fossem construídas por mágica: um avião, um arranha-céu ou até mesmo um filme. Sob essa ótica, especialmente quando essas estruturas são bem construídas, parece quase fácil erguê-las, como se bastasse vontade e um bom projeto. Entretanto, quando nos deparamos com filmes como Entre Penas e Bicadas, longa de animação dirigido por Dong Long e Nigel W. Tierney, percebemos como grandes construções se sustentam sobre uma infinidade de pequenos detalhes.
O longa chinês, lançado originalmente em 2021 e que estreia amanhã (16/10) nos cinemas brasileiros, conta a história de Bico Dourado, uma águia criada entre galinhas em uma vila do interior. Por ser uma águia, nosso protagonista sonha em voar, mas é desencorajado por sua mãe adotiva, já que ele jamais seria aceito na sociedade galinácea em que vive. Acompanhado da irmã Catraca, Bico Dourado decide seguir sua natureza e buscar suas origens em Bird City, terra natal de seus falecidos pais biológicos. Lá, conhece parentes distantes e desvenda os segredos de sua família.
É sempre empolgante assistir a um filme que foge do circuito mais consumido no Ocidente: Estados Unidos e Europa. Entretanto, essa empolgação, no caso de Entre Penas e Bicadas, não se traduz em qualidade. O roteiro tem uma estrutura que tinha tudo para funcionar: o protagonista possui um arco bem definido, as reviravoltas fazem sentido, o vilão tem uma motivação clara e verossímil, e os personagens coadjuvantes são interessantes (todos, mais do que Bico Dourado, inclusive). É fácil imaginar a linha do tempo do filme, montada num painel na sala dos roteiristas, com post-its, anotações e ilustrações, exibindo um projeto cheio de potencial. O problema começa no momento de escrita do roteiro. Aquela boa ideia inicial precisa ser transformada em diálogos, cenas coesas, desenvolvimento de personagens… e é aí que entram os detalhes (ah, os malditos detalhes!).
O roteiro é apressado. Na tentativa de encaixar todos os momentos-chave da história em uma hora e meia, não sobra tempo para construir tensão, afeição pelos personagens ou senso de humor. Com isso, todos os momentos que deveriam gerar impacto acabam vazios. As piadas não funcionam, as reviravoltas não surpreendem e os momentos de maior carga emocional não provocam nada.
Os obstáculos do protagonista são resolvidos com a rapidez de um voo de águia. É como se os conflitos, que deveriam justificar a existência do filme, fossem apenas incômodos que os roteiristas querem se livrar o quanto antes. Um exemplo claro é a cena em que Bico Dourado aprende a voar: num instante ele lamenta não saber, e cinco segundos depois já está voando pelos céus. Assim, o público não sente recompensa alguma, pois não há esforço na jornada de Bico Dourado.
A animação também enfrenta problemas. Os personagens principais até têm um design funcional, mas basta olhar para o fundo das cenas para perceber a falta de textura, os figurantes estáticos e sem expressão. O filme se perde ainda ao tentar emular movimentos de câmera complexos e épicos em cenas de diálogo onde não há nada de épico acontecendo. A montagem, ao apostar em cortes excessivos para dar dinamismo, acaba produzindo confusão e erros de continuísmo. Há momentos em que o longa corta de um close com um personagem enfurecido para um plano aberto em que ele com uma expressão neutra, ou sequer na mesma posição que no plano anterior.
Ainda assim, o filme é eficiente nas cenas de ação, em que a montagem acelerada funciona bem. O clímax, inclusive, é o único momento em que o longa realmente constrói tensão. Além disso, os coadjuvantes têm carisma e, em muitos momentos, carregam o protagonista nas costas.
Entre Penas e Bicadas tem uma estrutura promissora. Apesar de Bico Dourado ser irritante em sua indecisão e falta de proatividade, ele possui um arco bem delineado, e o roteiro consegue articular minimamente sua mensagem sobre tecnologia versus natureza. Contudo, a falta de esmero na execução de todas as etapas da produção faz com que o filme acabe se perdendo em todos os seus detalhes.