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CRÍTICAS

Crítica – Uma Batalha Após a Outra

Crítica – Uma Batalha Após a Outra
  • Publishedsetembro 24, 2025

Paul Thomas Anderson é um dos meus diretores preferidos dos anos 2000. Talvez, ao meu ver, seja o melhor diretor estadunidense do século. Bom, o gosto é todo meu, mas desde seu primeiro filme, o ótimo Jogada de Risco, passando por obras-primas como Boogie Nights( 1997), Magnolia (1999), Sangue Negro (2007), Trama Fanstasma (2017) e Licorice Pizza (2022), sem falar em pequenas pérolas, como Vício Inerente e Embriagada de Amor, o diretor seguramemte nunca fez um filme ruim. Logicamente, com tantos êxitos, a expectativa sobre suas obras cresce consideravelmente. E Anderson não é de queimar cartuchos, faz filmes quando quer e pensa muito antes de colocar nas telonas suas ideias. Sua nova empreitada é uma livre adaptação do livro Vineland, de Thomas Pynchon. Talvez seu filme mais frenético e audacioso, Uma Batalha Após a Outra (One Battle After Another, 2025), é a estreia mais esperada da semana nos cinemas nacionais.

Na distopia criada por Anderson, há 16 anos, um grupo de revolucionários de nome French 75, tocava o terror no autoritário governo militar dos Estados Unidos. Bob Ferguson e sua companheira Perfidia Beverly Hills, integrantes do grupo, lideram espetaculares resgates de imigrantes que iriam ser deportados, explodem órgãos públicos de poder como tribunais, detonam políticos conservadores, batem de frente com a polícia, assaltam e explodem bancos, sitiam cidades, tudo em prol de uma revolução contra esse governo que esmaga minorias à base de repressão. Com ares de Argel, Buenos Aires ou Lima dos anos 1980, os Estados Unidos vive a mercê de violência de ambos os lados. O casal acaba tendo uma filha, Willa. E Perfidia é presa por seu algoz e amante, Coronel Locwjall. Pulamos mais de 15 anos no tempo. O casal está separado e Bob hoje vive chapado e bêbado, tendo que criar a adolescente Willa. O grupo original ou foi preso ou morto pelas autoridades e ele ainda vive sob uma certa proteção de amigos remanescentes, mas longe de ser o jovem revolucionário do passado. Só que o Coronel Lockjaw pretende dar cabo aos seus inimigos do passado e quer se livrar da filha deles, que é sequestrada. Fato que faz Bob pedir ajuda para o velho time de revolucionários (muitas vezes negado porque não se lembra mais dos códigos das estratégias do grupo) para resgatar sua filhota.

Uma das características mais marcantes do cinema do Paul Thomas Anderson é que muitos dos seus filmes recriavam recortes do passado com perfeitas reconstituições de época em tramas magistrais. Dessa vez, Paul, ao invés de tentar emular, como no livro de Pynchon, velhos hippies e suas utopias enfrentando a era Reagan, traz para um suposto tempo presente sua história.

Utilizando de temas da agenda atual, como imigrantes ilegais, racismo, super ricos e autoritarismo governamental, o filme tem tudo para agradar em cheio às novas gerações, ávidas por essas pautas. E tudo isso contado com incríveis imagens recheadas de tiros, explosões, violência e alta velocidade. Mas engana-se quem pensa que Paul Thomas Anderson faz apenas um panfletário libelo político, cheio de clichês vazios e discurso sisudo. O filme jamais perde o tom de sátira, e com muito sarcasmo, preocupa-se, na maioria da vezes, mais em como são as entregas insanas e violentas que alimentam as ilusões utópicas, não nos poupando do choque e violência para mostrar essa realidade, e o quanto é distante a vitória diante de uma máquina de repressão. Também com realismo cru, explicita como se destroem essas ilusões. E como as  doses inevitáveis de  conformismo e a passagem do tempo são os maiores inimigos da busca por mudanças e revoluções. Anderson se diverte ao transferir aquele ambiente bélico de republiquetas da América do Sul, ou colônias africanas nos anos 1960 aos 1980, transferindo para um conturbado Estados Unidos. Em um dos momentos do filme, Bob está no sofá fumando maconha e bebendo, assistindo ao clássico político A Batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo, numa prova que a revolução funciona melhor nas telas da TV. Ou em outro momento impagável, em que ele questiona a escola da filha e pergunta se está ensinando a verdadeira história e não só o lado errado da narrativa oficial. Brincando com esses estereótipos clássicos da esquerda revolucionária, Anderson também atira bem para o outro lado, retratando porcos poderosos definindo futuros em mesas confortáveis com ar condicionado e na figura do Coronel Lockjaw, reflete-se toda a hipocrisia fardada do estadunidenses. Militar típico, cheio de preconceitos como racismo e machismo, usa e abusa de seu poder, mas tem Perfidia como sua paixão proibida, justo ela que representa tudo que ele mais abomina. Os dois fazem um jogo de gato e rato sexual, meio no estilo de O Porteiro da Noite, de Liliana Cavani, onde o torturador muda de lado e sente prazer de ser dominado pela vítima, que também adora a situação. E Paul Thomas também acerta em não situar a época em que está se passando a trama, jamais dando culpa a republicanos ou democratas. Nos apresenta apenas dois lados se engalfinhando, um em prol da sobrevivência e mudança e outro em manter o status quo. Mas o que faz Uma Batalha Após a Outra ser o filmaço que é, são os constantes e impactantes momentos de ação do filme. O diretor não poupa nossos olhos e ouvidos em passagens espetaculares movimentadas, com sequências incríveis das investidas terroristas  do grupo French 75, mas são nas perseguições de carros em estradas de altos e baixos, (somados a uma sala de IMAX), que praticamente somos transferidos pra dentro das carangas dos protagonistas, chegando por vezes até termos vertigem, tamanho realismo estampados nas tomadas pelo ponto de vista dos motoristas dos carros e nos closes tensos dos personagens. Um show de fotografia de Michael Bauman. A trilha sonora de Jonny Greenwood também casa perfeitamente com as sequências do filme, e como sempre, as músicas escolhidas para a película, características de filmes anteriores de Anderson, são um show à parte, misturando Jackson Five, Tom Petty, Los Panchos, Steely Dan, entre outras pérolas.

Leonardo DiCaprio faz Bob Ferguson, o ex-revolucionário que hoje está em casa entupido de desilusões, maconha e cerveja. Se não é uma das suas melhores atuações, é muito bom ver como ele se despe de qualquer vaidade no personagem, mostrando sua maturidade artística. Quem brilha muito é Teyana Taylor, como Perfidia Beverly Hills. A revolucionária na juventude era dinamite pura. Dona de si, metia medo nos seu adversários e sentia um prazer sexual nas suas invetsidas e ações de terrorismo. Dominava sem dó o Coronel Lockjaw, esse interpretado com maestria por Sean Penn. O ator nos apresenta um tarado e desprezível coronel, onde a hipocrisia e o abuso do poder contrastava com seu prazer de ser humilhado e dominado. Mas sua dualidade e orgulho queriam vingança, que era o que movia suas ações. Um dos personagem mais nojentos, mimados e desprezíveis do cinema recente. Benicio del Toro também brilha com muita ironia, calma e bom humor como Sensei Sergio, professor e rede de apoio revolucionário de Bob, e Chase Infiniti como a filha do casal, Willa, tem 40 minutos finais hiper intensos e marcantes no filme, numa grande interpretação.

Apesar do teor político que emula o momento que vivemos impressionar, o que faz Uma Batalha Após a Outra ter o potencial de ser um dos filmes do ano e marcar o espectador é mais uma vez a construção da história, os detalhes, a ironia, o requinte técnico e as cenas de ação, que obrigam quem for assistir no cinema aproveitar melhor cada minuto das quase três horas de duração. Se puder, numa sala de IMAX. Só assim podemos sentir todas as camadas visuais, efeitos sonoros e beleza fotográfica do filme, em que somos literalmente jogados no meio do fogo cruzado e corremos em carros em estradas desertas em busca de muito mais que utopias, revoluções e repressão. Uma busca por dignidade e um bem maior que são os filhos, onde todas nossas esperanças de um mundo melhor estão depositadas, pois só com vigor e juventude podemos enfrentar as batalhas que surgem todos os dias.

Written By
Lauro Roth