Crítica- Invocação do Mal 4 – O Último Ritual
Como diria a canção, todo carnaval tem seu fim. E transportando para o cinema, a saga de demonólogos, que há 12 anos conseguiram criar um universo do terror com uma legião de fãs, também parece ter chegado ao seu final. Ed e Lorraine Warren, depois de literalmente comeram o pão que o diabo amassou em diversos filmes enfrentando todo tipo de perigos do além, ao que parece, vão se aposentar das telonas. Mas para esse pendurar de chuteiras, ou colocar de crucifixos na parede e a bíblia na estante, essa despedida merecia um capítulo final, e Invocação do Mal 4 – O Último Ritual (The Conjuring – Last Rites, 2025), com direção de Michael Chaves, promete nos apresentar essa aposentadoria com chave de ouro, com o caso mais difícil enfrentado pelo casal, estreia mais aguardada da semana nos cinemas.

Anos depois dos acontecimentos do terceiro filme, mais precisamente em 1986, o casal Warren já não está mais tão combativo. Ed, depois de ter sofrido um infarto no filme anterior, tem que frear o ritmo, mas o casal continua palestrando sobre suas experiências com o além. Estamos nos anos 1980, a juventude que frequenta essas aulas é cada vez mais debochada e cética, não dá mais tanta bola ao casal. Sorte deles que podem aproveitar mais a vida e curtir a filha Judy, que está prestes a casar e admite que herdou a mediunidade da mãe. Na Pennsylvania, na cidade West Pittston, típica família americana, os Smurl, com a chegada de um espelho comprado num antiquário, começa a sofrer com inexplicáveis fenômenos na casa, como lustres que caem, portas que batem do nada, fios que se soltam, quedas em escadas, bonecas que levitam, entre outros, num pesadelo sem fim. Eles sofrem por anos, acionam a mídia, seu caso fica famoso nos Estados Unidos e isso atiça o casal para mais uma vez tentar enfrentar esse mal. Ed e Lorraine, além de terem que enfrentar três diferentes entidades espirituais, que são comandadas por um demônio perigosíssimo, têm enfrentado fantasmas do passado, uma vez que aquele espelho amaldiçoado já passou por suas vidas e quase tirou o seu bem mais precioso, a sua filha Judy.

Em um ano de ouro para o cinema de terror, com no mínimo quatro grandes produções do gênero, a expectativa do quarto filme da série era enorme. E Michael Chaves, depois de ter dirigido o terceiro e mais fraco filme de Invocação do Mal, parece que resolveu se redimir e dar um digno ponto final para nosso herois demonólogos. O roteiro que tem, fora as mãos de Chaves mais quatro, de Ricardo Naing e David Leslie Johnson, faz uma volta às origens. Mais precisamente aos dois primeiros filmes, onde a moradia, templo familiar acaba se tornando um pesadelo para a vida deles. Se peca em originalidade, nessa busca ao que melhor deu certo na série, entrega o que realmente queremos. Sustos, criaturas sinistras e horripilantes e uma história que consegue conectar os Warren, o artefato, no caso, o espelho e a família Smurl de forma verossímil.

Não faltam jump scares, cenas em que o silêncio perturba e anuncia o perigo, sustos repentinos com objetos caindo, sinistras bonecas e aquela atmosfera oitentista de espetáculo, em que a TV e a mídia explora sem dó casos paranormais e a família acaba virando celebridade. Tudo isso pontuado com a fotografia de Eli Born, por vezes desbotada, recheada de travellings, tomadas aéreas, ritmo de documentário e mexidas propositais. Só achei que como estávamos em 1986, faltou cor, lembrando ainda muitos filmes anteriores com aquele ar setentista. A trilha sonora, sempre viva e atmosférica, de Benjamin Wallfisch, ajuda e muito nas cenas de tensão, com pitadas e semelhanças de trilhas de filmes apavorantes dos anos 1970.

Minhas ressalvas são que, depois de um primeiro terço de filme muito bem costurado e um clímax final de meia hora excelente para as expectativas do horror, o recheio do filme, leia-se a segunda parte, perde muito tempo com diálogos frívolos, dá uma ênfase forte ao insosso noivo de Judy, Tony Spera, e com certeza, uma tesourada de meia hora no filme traria mais dinamismo à despedida da série. E as tais entidades, por mais que tenham feições assustadoras, soam um pouco caricatas e a explicação da maldição familiar fica com muita arestas que não são comuns nas tramas quase didáticas dos filmes anteriores. Mas mesmo com poucas novidades e apostando na zona de conforto, destaco a cena que Judy experimenta um vestido de noiva numa loja de vestidos, numa sala espelhada. Ali o diretor filmou, com certeza, sua melhor e original sequência, digna de nota e aplausos.

Mas são Vera Farmiga e Patrick Wilson à vontade e cada vez mais soltos como Lorraine e Ed que valem as mais de duas horas de projeção. A química dos dois é tão forte que já podem ser considerados uma entidade do cinema do horror, dois super herois na luta do bem contra o mal. Mia Tomlinson, como Judy, filha do casal, também tem uma boa atuação, intercalando os momentos de tensão, tanto físicos quanto psicológicos, que sua personagem sofre nas mãos das zombeteiras entidades. Rebecca Calder, como Janet Smurl, e Elliot Cowan, como Jack, o casal dono da casa assombrada, também conduzem muito bem seus tensos e pesados papeis. Uma curiosidade é que esse caso da família Smurl gerou em 1991 um baita telefilme que muito deu na Rede Globo, com o nome de A Casa das Almas Perdidas (The Haunted) e que vale a pena ser revisto, já que ele é achado facilmente no YouTube.
No fim das contas, Invocação do Mal repara os erros do terceiro filme, retoma fórmulas que dão certo, que se já não assustam e impactam tanto, deixam aquele clima tenso no ar, entregando o que o povo quer, sustos, uma história de espíritos perturbados, demônios, uma família arrasada com a situação e uma casa que é um personagem à parte na condução da história. Lorraine e Ed se despedem (ao menos acreditamos nisso) deixando um legado marcante para o cinema do século 21, apresentando o melhor do terror dos anos 1970 e 1980 para as novas gerações e espero que o casal descanse em paz, e descanse mesmo, ao menos que uma bolada de dinheiro de um produtor não invente de tirá-los da aposentadoria, ou passar o crucifixo e as preces para a herdeira Judy…
