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CRÍTICAS

Crítica – A Vida de Chuck

Crítica – A Vida de Chuck
  • Publishedagosto 29, 2025

A vida é um sopro. Por mais piegas e conformista que essa expressão possa ser, e por mais intensa e marcante que nossa existência possa ser, para nós e para quem passou pelo nosso caminho, numa comparação com a história do Universo, realmente a nossa participação nesses bilhões de anos é ínfima demais. Nesse macrocosmo, inclusive, a passagem do ser humano na Terra representa muito pouco nessa complexa história do Cosmos. Uma certeza que temos na vida é que o mundo, esse em que vivemos, dificilmente acabará, mas quando a gente parte sim, levamos o mundo a nossa volta com a gente, num complexo apagar de luzes e memórias que só serão lembradas por quem teve o prazer (ou não) de ter feito parte de nossa história. Misturando temas universais como morte, analogias ao apocalipse, gestos que mudam a vida de terceiros, Stephen King, Carl Sagan, tudo isso orquestrado pelo diretor Mike Flanagan, foi posto em tela o excelente A Vida de Chuck (The Life of Chuck, 2024), que estreia nos cinemas brasileiros essa semana, e mesmo sem começar a falar dele, de antemão já digo, é imperdível!

O mundo está à beira do apocalipse, diversas tragédias naturais acontecendo ao mesmo tempo, cidades ficando isoladas, pessoas sumindo, a internet caiu de vez, a energia e os alimentos estão se esvaindo, mas uma mensagem misteriosa aparece em todos os cantos, em outdoors, na TV, em fumaça de aviões, em janelas e luminosos. Um agradecimento a Charles Chuck Krantz e seus 39 anos de existência. Descobrimos que Chuck está com um tumor cerebral sem volta e somos convidados a conhecer o tal Chuck, começando por uma viagem há oito meses antes, em que numa viagem a uma cidade, acaba dançando na rua. Um ato simples que provocou sorrisos e marcou a vida de muita gente. Rebobinando mais a sua vida, descobrimos quem era o Chuck desde menino, órfão de pai e mãe, criado pelo avô contador e pela avó, que passa o amor à dança para a vida dele, influências, juntamente com a casa vitoriana em que mora, que mudará sua vida até seu apocalipse pessoal décadas depois.

Mike Flanagan, conhecido por grandes obras de terror, surpreende mais uma vez adaptando um conto de Stephen King que foge do gênero. Aliás, é muito difícil classificar A Vida de Chuck. O roteiro adaptado pelo próprio Flanagan, desconstrói qualquer narrativa ao conduzir de trás pra frente a grandiosa existência de Chuck. Mas porque aquele contador, pai de família e exímio dançarino, podemos considerar sua existência tão grandiosa? Por que qualquer vida na face da Terra, por mais que não pareça, é uma aventura grandiosa. No conto e no filme é Chuck, mas poderia ser John, Mary, Pedro, Marília ou até mesmo o Zé. O barato do filme é a maneira como nossa passagem na Terra, através de pequenos atos, aprendizados, escolhas e ações podem ser tão importantes para tanta gente. 

Os três atos da vida do personagem são construídos com criatividade e sensibilidade na medida certa. A fase apocalíptica, em que o mundo se despede de Chuck, é quase um filme catástrofe com uma fotografia cinzenta, quase gélida, rumo ao abismo da existência, e um dos mais incríveis começos de filme em muito tempo. Com zero pistas, literalmente boiamos naquele mar de tragédias até se dar conta do que acontece. O segundo ato, com Chuck na sua última dança da vida, onde acaba dando um show de passos, numa coreografia no meio da rua, para alegria da moça que dança com ele, que recém tinha ganhado um fora e da baterista, artista das ruas, que ganha muito com o show dele, a fotografia quente e vibrante. O número de dança do ator Tom Hiddleston é um dos mais contagiantes do cinema recente, musical puro. E o terceiro ato, onde vemos a formação de Chuck, que é obrigado a enfrentar as perdas da vida desde cedo, mas sempre com o acolhedor colo dos avós, tem como cenário aquela antiga casa, cheia de memórias, móveis antigos, escadas, salas sinistras, aquele cenário lúdico e de mistério de nossas reminiscências de infância, em que lembramos com carinho cada detalhe daqueles tempos, muitas vezes a velha casa dos avós.

Chuck é representado por quatro atores, Tom Hiddleston, que rouba o filme no sensacional número de dança na rua, e por três jovens atores, Jacob Tremblay, como ele com 17 anos, Cody Flanagan, como ele com sete e por Benjamin Pajak, o mais marcante deles, como o menino Chuck de 11 anos, com sua paixão pela carinhosa avó Sarah, interpretada por Mia Sara, a nossa eterna namorada de Ferris Bueller, que introduz o amor por musical e passos de dança na sua vida. Também é onde ele sofre a forte influência de seu avô, racional e realista contador, que é responsável por passar seu amor aos números e matemática na vida ao menino, esse interpretado por um ótimo Mark Hammil, nosso Luke Skywalker, numa das melhores interpretações de sua vida. O time de coadjuvantes também brilha, com Chiwetel Ejiofor, como o professor Marty, Annalise Basso, o par do inesquecível número musical e Samantha Sloyan, como a professora de dança Srta. Rohrbacher.

A Vida de Chuck é um filme que provoca uma instigante reflexão sobre temas como existencialismo, motivações na vida, maneiras como enfrentar as perdas que acompanham nossa existência, escolhas que modificam a nossa vida e o ato de como pequenas ações e gestos podem ser gigantes na vida de quem cruza nosso caminho. E tudo isso numa fantasia edificante, sentimental e que não enche o saco aprofundando muito os espinhosos temas. Tudo ali é explícito, e depois dos primeiro ato, didático e com uma narração conduzindo a trama para fazer nos encantamos com a fascinante vida do personagem (toda a vida é fascinante, mesmo às vezes não parecendo). Uma vida embalada por música, afeto e superação, contada de uma maneira original e instigante. E mesmo sabendo que o destino de todos nós será esse apocalipse pessoal e único, ainda fico com aquela máxima, que só morremos no dia que ninguém mais lembrar de nós, mesmo que nossa passagem já tenha acabado faz muito tempo, portanto o ideal é fazermos dessa experiência chamada vida a mais incrível possível, não só para nós mesmos, quanto para quem nos cerca e merece compartilhar esse presente divino.

Written By
Lauro Roth