Crítica – Drácula – Uma História de Amor Eterno
De todas as criaturas malignas das trevas, tanto na literatura quanto no cinema, com certeza os vampiros são as mais românticas. Na maioria das histórias, os possuidores de caninos afiados usam e abusam do charme para conquistar suas vítimas, e muitas vezes, tem paixões seculares interrompidas por tragédias do passado. No caso do vampiro mais famoso do cinema, Drácula, ele era um eterno apaixonado por Mina Harker, sua paixão que atravessara séculos. E com uma premissa de um filme que extrapole o terror e mostre o quanto um homem pode fazer qualquer coisa por sua amada, o diretor Luc Besson faz a sua adaptação para o clássico de Bram Stoker, no filme que tem estreia marcada para essa semana, Drácula – Uma História de Amor Eterno (Drácula – A Love Tale, 2025).

O príncipe da Valáquia, Vlad Tepes, antes de começar o combate contra os otomanos, pede proteção a um padre local, não para ele, mas que se algo acontecesse, poupasse sua amada Elisabeta. Mas a sua amada é vítima de uma emboscada e acaba sendo morta pelo exército inimigo. O príncipe fica embriagado de raiva e culpa Deus pela morte de sua mulher, assassinando o padre e adentrando no mundo das trevas, condenado como um vampiro errante por séculos, sempre à procura da reencarnação de sua amada. No fim do século 18, mais precisamente em Paris, que está comemorando 100 anos da Revolução Francesa, um padre é convidado para investigar uma italiana que está num sanatório e tem todas as características de histeria, mas que mais parece uma vampira. Na mesma época, Drácula através de um corretor, Jonathan Harker, que quer vender um imóvel para ele, acaba descobrindo semelhanças entre a noiva do rapaz, Mina, com sua amada Elisabeta, fazendo crer que ela é a sua amada. Começa aí uma luta do padre para evitar que o apaixonado e amaldiçoado vampiro conquiste sua amada.

Luc Besson já teve seus momentos. O diretor de obras como Subway, O Quinto Elemento, Lucy e Nikita anda perdendo o fôlego com filmes que dirigiu, como o dispensável June and John. Na mesma pegada romântica de um amor inusitado do seu último filme, Luc Besson resolveu apresentar sua visão do romance do Conde mais famoso da ficção. A pergunta que fica, será que ainda precisamos de adaptações de Drácula para o cinema? Confesso que eu não perderia tempo e dinheiro, mas Besson, dentro do possível, não decepciona. Usa todos os elementos básicos das mais cultuadas adaptações, inclusive não tem como ignorarmos a semelhança na obra-prima do Coppola, Drácula de Bram Stoker. Desde a trilha sonora do Danny Elfman, muito similar à Wojciech Kilar, as ambientações na Valáquia (Romênia), também guardam semelhanças e algumas passagens são bem parecidas. Mas o grande diferencial do filme, e que me agradou bastante, é que ele nos entregou muito mais que um filme de vampiros.

Construir uma história de amor impossível, onde o lado vampiresco é apenas um fardo para um homem, que brigado com Deus, segue pela eternidade atrás do amor de sua vida. E o melhor, todo esse romantismo que beira à obsessão é bem mesclado com cenas de ação muito bem feitas, com destaque à parte inicial, que apresenta a guerra do príncipe Vlad contras os otomanos de uma maneira crua e realista. E também o ataque final ao castelo na Transilvânia, de uma beleza visual, não poupando violência banhada em sangue. Toda a reconstituição da Paris do século 18, capricho na direção de arte e riquíssimos e elegantes figurinos fazem o filme esteticamente esbanjar elegância. Mesmo não apresentando grandes novidades na condução da história, alguns acréscimos como mini gárgulas de guardiões do castelo (que podem parecer caricatos mas estão presentes na obra de Stoker), ambientações em Paris, um padre como algoz do vampirão ao invés de um Dr. Helsing e uma vampira italiana sedutora e violenta no lugar de um Renfield acabado.

Drácula do Besson é um filme sobre fé, ou melhor, sob o questionamento da fé ou da crença que apenas ela seja suficiente para a proteção. No filme o vampiro sofre com sua negação e condenação eterna por esse confronto com a igreja. E essa bagunça mental que o Conde Drácula sofre entre amor, ódio e o confronto ao divino é um fardo cruel para sua vida, no caso, eterna. Um carma sem fim, numa obsessiva paixão que atravessou séculos. Isso Besson soube muito explorar na sua interessante visão em que o vampiro não é apenas um vilão e sim uma vítima de sua própria negação e paixão descontrolada.
O time de atores é composto por Caleb Landry Jones, como o Conde Drácula, que com uma atuação comedida não decepciona na média da interpretação, mas fica longe de imortalizar o personagem. Inclusive muitas vezes com sua cartola lembra mais um Willy Wonka biruta que um feroz vampiro que com sua fragrância e perfume seduz e hipnotiza suas vítimas. Christoph Waltz, como o padre caçador de vampiros, sempre com atuações divertidas em papeis sérios, é responsável pelos momentos mais cômicos do filme, mas jamais deixando cair para o caricato, dando corpo ao Dr. Van Helsing da vez. Zoe Bleu, como Mina/Elisabetha, tem um papel duplo discreto, melhor como Elisabetha do que como Mina. Matilda De Ângelis, como a vampira serva do Drácula, Maria, tem a melhor atuação do filme, responsável pelas cenas mais condizentes com filmes de vampiros.

Longe de ser uma obra-prima, Drácula – Uma História de Amor Eterno é uma digna visão de um grande diretor para a tão adaptada história do Conde da Transilvânia. Um filme onde o amor impossível, o desafio do poder da igreja e viver uma vida amargurada se sobressaem ao terror. O título pode enganar e quem espera um filme de gênero, com terror e um Drácula sedutor e violento, vai se deparar com um homem apaixonado, já maduro, mas disposto a tudo para ter sua amada. Uma história de amor acrescida de elementos como ação na medida certa, combates medievais, uma Belle Époque bem reconstituída, e é claro, o personagem literário mais filmado e adaptado da história do cinema, nosso Conde Drácula.