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CRÍTICAS

Crítica – Conclave

Crítica – Conclave
  • Publicado em: janeiro 20, 2025

Poucas tradições são tão aguardadas como o anúncio de um novo Papa. Se a fumaça que sai da chaminé do Vaticano é negra, é sinal que ainda não temos papa. Mas já se a fumaça é branca, é o anúncio que depois de um intenso conclave de cardeais, finalmente habemus Papam. E os mistérios dessa tal reunião de bacanas da igreja católica do mundo todo em pró da escolha de um novo papa é o tema do novo filme de Edward Berger, Conclave (idem, 2024), que finalmente chega, com meses de atraso e com pompa de papar prêmios no Oscar, essa semana nos nossos cinemas.

O Papa está morto. E como de praxe isso provoca a realização de um conclave no Vaticano, para termos a eleição de um novo Sumo Pontífice. Para liderar essa enroscada missão, o Papa deixou uma carta incumbindo o cardeal  britânico com ideias progressistas, Thomas Lawrence. Pouco a pouco vão chegando ao Vaticano cardeais aptos ao pleito, do mundo inteiro, para reclusos e sem contato algum com o mundo exterior, terem a espinhosa tarefa de decidir quem será o novo representante maior da igreja católica. Mas o que se vê nesses misteriosos dias é um show de egos, trapaças e interesses, dando um retrato do pior que a igreja católica, na forma de suas principais autoridades, pode representar. Como principais candidatos temos o nigeriano Joshua Adeyemi, o italiano Gofreddo Tedesco, o canadense Joseph Trembley, o estadunidense Aldo Bellini e um misterioso cardeal que mora em Cabul, Vincent Benitez, que surge de surpresa no conclave e embanana mais ainda a cabeça dos cardeais. Cabe a Lawrence, com ajuda de pistas deixadas pelo falecido Papa, domar aquele covil de cobras para encaminhar quem será o novo Papa.

Edward Berger, com uma soberba direção, mostra todo seu talento, adaptando para o cinema o best-seller de Robert Harris, com roteiro adaptado de Peter Straughan, sobre os meandros de um conclave. Berger tem como mérito fazer dessa tediosa e secreta reunião, um thriller de suspense, com várias viradas na trama que conseguem prender a atenção. Desde a morte do antigo Papa, brilhantemente filmada, como a retirada do corpo com detalhes minuciosos, aos planos grandiosos do portentoso Vaticano, as tomadas profundas dos seus suntuosos salões e as bancadas dos cardeais, mexendo com um dos assuntos mais importante da Terra, Berger cria um ambiente claustrofóbico, sombrio e pesado.       

Mas o principal: ele expõe, em pouco mais de duas horas, através de diversos personagens, o pior da igreja católica. Ambição, conservadorismo, corrupção, abuso sexual, racismo, intolerância religiosa. Tudo está sutilmente apresentado nas ações dos canditados ao cargo e na cúpula dos 109 vontantes. Um retrato nu e cru de uma instituição poderosa, que mesmo com diversos tropeços através dos tempos, ainda tem importância e relevância para bilhões de pessoas. Muito legal também a construção de cada cardeal candidato ao cargo, uns mais liberais, outros extremamente conservadores, alguns conservadores mas com viés social e um grande número de moderados. Cada qual com sua torcida e seguidores, e até um humanista e mais parecido com os ideais primitivos da igreja, na imagem de Benitez, que realmente bagunça a cuca do conclave.

Mas o filme, mesmo com essa luta de titãs de atuações, centra mesmo a trama em Ralph Fiennes, como o decano Lawrence. Meio que forçado e indicado pelo falecido, como o homem certo para comandar a bagunça, Fiennes é um ser humano cheio de dúvidas, que a cada dia é obrigado a contornar as surpresinhas que vão mexendo com os votos do pessoal. Além de contar com uma ajuda do ex Papa, que parece ter deixado alguns sinais para que conduzisse com sabedoria e razão quem seria seu sucessor. Soberba atuação do inglês como aquele juiz que tem que ter jogo de cintura para coordenar tantos egos. Stanley Tucci também está ótimo como o Cardeal Aldo Bellini, com seus viés liberal, Sergio Castellitto exagera nos maneirismos como o italiano conservador Tedesco e  John Lithgow está discreto como o canadense Trembley. Ainda temos Isabella Rossellini como a irmã Agnes, que no meio daquele ambiente machista ao extremo dá o toque feminino, dentro das suas possibilidades, no conclave.

O que me deixou decepcionado no filme é que como se deram facilmente as mudanças de votos para o inesperado desfecho; Depois de tanto entrevero parece que tudo se resolveu tão fácil com um simples discursinho humanista. Fica difícil que no meio de tanta raposa velha, tamanha reviravolta de 180 graus aconteceria de maneira tão natural. Os acontecimento externos, como atentados e bombas, inclusive umas chegando ao Vaticano, também achei muito forçado, dando uma importância politica que hoje não se tem mais tanto em um conclave, servindo mais como pano de fundo para discursos xenófobos e intolerantes.

Conclave é um filme impecável, um suspense sacro, onde Berger expõe de maneira clara os grandes problemas da igreja de Roma, tudo de maneira recheada de simbolismo e criando uma tensão absurda para um evento que deveria ser um puro marasmo. Mérito do autor do livro, do roteiro e da direção competente do diretor suíço-alemão. Se irá ganhar o Oscar? Eu não apostaria, é um filme competente, mas com um tema um tanto quanto batido, pode conquistar prêmios como ator, roteiro adaptado, mas a principal estátua em um ano tão sem claros favoritos acho difícil. Essa é uma incógnita que só os conclaves da Academia vão nos revelar. Mas enquanto isso, assista Conclave que a fumaça branca vai revelar um belíssimo e surpreendente desfecho.

Written By
Lauro Roth