Crítica: BabyGirl
Houve um tempo em que o cinema dos anos 1980 sentiu que o filão do cinema erótico adulto podia muito bem fazer sucesso no mainstream. Corpos Ardentes, de 1984, um dos pioneiros, abriu o caminho para, em 1986, Nove e Meia Semanas de Amor lotar as salas de cinema pelo mundo para acompanhar a intensa relação entre Kim Basinger e Mickey Rourke. No ano seguinte, nunca um caso extraconjugal foi tão perigoso e misturado a tórridas cenas de amor, falo de Atração Fatal. Nos anos 1990, Michael Douglas continuou no clima picante no thriller sexual policial Instinto Selvagem. Ainda nessa linha, tivemos filmes como Proposta Indecente (1993), O Poder da Sedução (1997) e no início dos 2000, o polêmico Infidelidade. Nos primeiros anos do século tivemos poucas produções do estilo, novos tempos, novas gerações e novas formas de se retratar o amor apagaram um pouco o fogo dessas produções do tipo que parece que em 2024, teve um ressurgimento com a estreia da semana nos cinemas, BabyGirl (idem, 2024), de Halina Reijn.
Romy é uma poderosa CEO de uma empresa que parece ter uma vida, tanto profissional quanto privada, a mil maravilhas. Tem um marido diretor de teatro e filhas e concilia com muita precisão a vida num alto escalão empresarial quanto na sua casa. Mas Romy parece que sente falta de algo. Esse algo surge na imagem do estagiário novo da empresa, o provocador Samuel. Em muito tempo, Romy se sente desafiada e acaba se entregando a uma tórrida relação de amor com o garoto, onde os papeis se invertem e ela se sente dominada pelo audacioso rapaz. Ao mesmo tempo, também vê ameaças na sua firma, na forma de gente nova que questiona a sua liderança com ideias novas e aos poucos Romy também fica na dúvida se aquela relação não pode abalar sua família até então perfeita.
BabyGirl tem como mérito nos transferir de volta para aquelas produções citadas no início do filme. Uma época em que se fazia filmes maduros com teor erótico e ninguém se incomodava muito. A holandesa Halina Reijn consegue construir com seu roteiro uma fábula misturando o poder de certas pessoas em grandes corporações e acaba invertendo os papeis de dominador e dominado desse meio, numa relação entre quatro paredes. Também toca na ferida da perfeição imperfeita das famílias de margarina onde nunca tudo é realmente como se está na fotografia. Ela constroi Romy como uma mulher decidida e aparentemente bem resolvida, mas que sofre num embate geracional, vendo sua carreira ser balançada por uma jovem promissora, quanto a sua vida particular virada de cabeça pra baixo com o estagiário Samuel. A relação dos dois é uma conturbada mas prazerosa troca de posições de poder, em que o rapaz faz de gato e sapato da chefe, com sua permissão, que se entrega num deleitoso e improvável romance.
A diretora dá um show de direção com focos individuais nos personagens, abusa de imagens aéreas dando uma dimensão do espaço e nas cenas de erotismo nunca cai pro banal e mau gosto, tendo como pano de fundo musical tanto pulsantes batidas eletrônicas ou clássicos dos anos 1990 como Never Tear Us Apart, dos australianos do Inxs e Father Figure do George Michael. Além de narrar através de imagens e cores como a vida de Romy saiu da monotonia quase cinza de uma vida que não a satisfazia seus desejos íntimos e vai numa crescente, abusando de cores como vermelho e azul para mostrar a nova vida oculta da personagem, que mesmo sabendo que pode colocar tudo a perder, apenas quer se satisfazer naqueles momentos com Samuel.
Talvez o que mais me deixou decepcionado no filme foi mesmo Samuel. É difícil acreditar que o Harris Dickinson, com aquela cara de chuchu sem graça, pode ter tanto poder de persuasão com uma mulher tão poderosa como Romy, ou Nicole Kidman. Achei difícil engolir a facilidade com que ela se sentiu atraída pelo rapaz, apenas com duas ou três ações do rapaz, mesmo tendo em casa um marido como Antonio Banderas. Enfim, acho que outro ator daria mais verossimilhança a um caso de traição desse tamanho.
Mas em BabyGirl, tanto Dickinson quanto Banderas são apenas coadjuvantes do talento de Nicole Kidman. A atriz se entrega de vez sem pudor à personagem de Romy. Uma mulher com uma casca de poder fortíssima, mas que bastou um escorregão para se fragilizar e se liberar geral para o risco de uma tórrida relação. Kidman literalmente se despe, se rende ao prazer, se expõe, se ajoelha e come na mão do rapaz, mas nunca perde a pose e elegância. Um papel difícil, mas que graças ao talento da atriz vale 80 por cento do filme. Indicação quase certa ao Oscar de 2025.