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CRÍTICAS

Crítica – Queer

Crítica – Queer
  • Publicado em: dezembro 12, 2024

Feliz aquele ano em que temos o privilégio de ter duas produções de Luca Guadagnino estreando nas telonas. Ele já nos tinha apresentado um dos melhores filmes de 2024, o ótimo Rivais, em que Zendaya faz de gato e sapato dois tenistas. Agora Luca transpõe para as telas um romance de 1985 (que foi escrito em 1952, mas só liberado pelo teor gay nos anos 1980), na América Latina dos anos 1950, num tórrido romance entre um homem mais velho e um jovem ex-militar. Falo do Queer (idem, 2024), no qual Luca, mais uma vez, nos faz entrar na sua viagem particular onde o sexo, os vícios e o prazer são combustível explosivo, numa tórrida trama abusando do surreal.

O filme conta a história de William Lee, um homem de meia idade, tarado, insaciável. Ele vive pelos cantos do México, como um fugitivo estadunidense devido aos seu problemas com as drogas e a lei. No país vizinho, além de saciar seus vícios com drogas e muito álcool, procura prazer em homens mais novos. Sua vida vira de cabeça pra baixo quando conhece Eugene Allerton, garotão, ex-oficial da Marinha, que tem William na mão. Os dois mantêm um tumultuado romance, que desbanca em uma viagem para o Equador, e de lá pretendem adentrar a floresta amazônica atrás da planta yage, mais conhecida como Ayahuasca. Por lá enfrentam desde a abstinência severa de William, que tem dificuldade de encontrar drogas, e os perigos de uma viagem pelos confins da floresta, que culmina numa viagem inesquecível, dessa vez sob os efeitos da tal planta da Amazônia.

Luca Guadagnino, em mais uma parceria com o mesmo roterista de Rivais, Justin Kuritzkes, divide o não tão conhecido romance autobiográfico de William S. Burroughs (livro da vida do diretor) e que era da turma beatnik de Jack Kerouac, em três partes. Na primeira, e melhor delas, conhecemos o boa vida William, sempre atrás de corpos e prazer, tropicando por bares e contando histórias. Na segunda, sua vida dá uma guinada e essa paixão louca por Eugenie dá um nó na cabeça dele, que culmina na viagem final que Luca nos proporciona com a ida dos dois atrás do chá de Ayahuasca. Temos todos os elementos dos seus grandes filmes, muita tensão e desejo, regado a muito sexo e erotismo sem nunca agredir. As cenas das conquistas, algumas de verdade e outras pagas, de William, são sempre pontuadas por muita força e impacto. Poucos sabem filmar tãoo bem o sexo no cinema moderno sem tornar o ato em um banal encontro carnal.

Diria que as cenas do México, com a construção do canalha William em um blasé amante que topa qualquer coisa para satisfazer seu corpo e depois as tentativas de conquista ao quase implorar pelo parceiro, transformam a primeira metade do filme em uma contagiante história. Mas acaba se perdendo muito na tal viagem dos dois aos confins da América, ali William murcha totalmente, perde sua aura e os delírios alucinógenos, telepáticos e a viagem visual de Luca, movido pela experiência com a droga sul-americana não convencem ao espectador. Temos direito até uma alusão capenga ao clássico 2001 de Stanley Kubrick. Enfim, tem que estar com muita vontade para embarcar na viagem que o diretor nos impõe, inclusive com uma Amazônia mais fake que uma nota de três reais, tamanha a preguiça em emular a vastidão da floresta. Se nos convida para entrarmos na imersão da sua trip, confesso que perdi a passagem e tudo se torna tão cansativo e decepcionante.

O que não decepciona é Daniel Craig, em um papel fenomenal, numa entrega de corpo e alma para o personagem William, que de cafajeste se torna refém do coração de quem por vezes pouco lhe entrega. Uma atuação soberba mostrando a versatilidade do ator em suas últimas obras. Quem vai muito bem é Drew Starkey. O ator faz um papel que lembra pouco de Zendaya de Rivais, mas sem o poder quase hipnótico da atriz, pois Eugene tem o companheiro na mão, mas ao contrário da personagem da ex-tenista, ainda tem compaixão.

Mais uma vez a trilha sonora do filme, que não se preocupa com a temporalidade, estamos falando dos anos 1950, mistura Nirvana, Prince, New Order, Radiohead, Harry Nilsson e Sinead O’Connor e conta com a cama sonora das sempre competentes e marcantes trilhas originais de Trent Reznor e Atticus Ross.

Queer deve muito a Daniel Craig, que consegue conduzir a trama, que talvez se tivéssemos um outro ator, o filme naufragaria de vez. Luca nos apresenta suas mirabolantes ideias de um amor gay, recheado de surrealismo e psicodelia, corpos em constante ebulição sexual, culminando em um romance malfadado que se perde demais em questões abstrusas e esferas místicas para tentar explicar o fracasso de uma relação. Um filme com marcas e características do realizador, mas que literalmente viaja demais da conta e se não estamos na vibração do diretor, só resta o erotismo de cenas quentes como deleite visual e um tema Vaster Than Empires, cantado em inglês por Caetano Veloso nos créditos, o que convenhamos, é pouco.

Written By
Lauro Roth