Crítica: Babenco – Alguém tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou
Entrega dos prêmios do Oscar dos filmes de 1985. Cerimônia realizada em 1986. O cobiçado prêmio de melhor diretor é disputado por Sidney Pollock, talentoso diretor cancheiro com o sucesso Entre Dois Amores, John Huston, lenda de Hollywood com décadas de serviços prestados a obras primas concorre com o divertido A Honra do Poderoso Prizzi, outra lenda, Akira Kurosawa, talvez o maior realizador japonês da história, concorre com o exuberante Ran, Peter Weir, talentoso diretor australiano já com um currículo de bons filmes em solo americano tenta a estatueta com o ótimo A Testemunha.
Sinopse: “Eu já vivi minha morte, agora só falta fazer um filme sobre ela” – disse o cineasta Hector Babenco a Bárbara Paz, ao perceber que não lhe restava muito tempo de vida. Ela aceitou a missão e realizou o último desejo do companheiro: ser protagonista de sua própria morte. Nesta imersão amorosa na vida do cineasta, ele se desnuda, consciente, em situações íntimas e dolorosas. Revela medos e ansiedades, mas também memórias, reflexões e fabulações, num confronto entre vigor intelectual e fragilidade física que marcou sua vida. Do primeiro câncer, aos 38 até a morte, aos 70 anos, Babenco fez do cinema remédio e alimento para continuar vivendo. Tell me when I die é o primeiro filme de Bárbara Paz mas, também, de certa forma, a última obra de Hector – um filme sobre filmar para não morrer jamais.
Sobre a Diretora: Bárbara Paz é atriz, diretora e produtora. Brasileira, se formou pela Escola de Teatro Macunaíma e pelo Centro de Pesquisa Teatral CPT de Antunes filho e atualmente faz parte do grupo ‘TAPA’. No teatro, trabalhou em mais de 25 peças, protagonizando espetáculos de Oscar Wilde a Tennessee Williams. Em 2013, pela sua trajetória como atriz, recebeu do Ministério da Cultura a Medalha Cavaleiro 2013, Honra ao Mérito Cultural do Ministério da Cultura. Bárbara, que também é contratada da TV Globo, onde participou de diversas séries e novelas. Apresenta o programa A Arte do Encontro, no Canal Brasil, onde conversa com grandes nomes do cenário artístico brasileiro.
No cinema, como atriz participou de vários longas e curtas-metragens incluindo Meu amigo Hindu, último filme de Hector Babenco ao lado de Willem Dafoe, Como diretora adentrou o universo dos curtas-metragens, produzindo e dirigindo programas e filmes. O Documentário “Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou” é seu primeiro longa-metragem.
O quinto concorrente é um argentino de nascença, mas brasileiro por opção que surpreendeu o mundo com a adaptação cinematografia de O Beijo da Mulher Aranha, falo é claro, de Hector Babenco. Barbra Streisand anuncia o prêmio, e quem leva a estatueta para casa é Sidney Pollock, mas para Babenco só de estar nesse panteão de gênios e quebrando preconceitos contra diretores latino-americanos no Oscar, já é uma grande vitória. Essa cena está no documentário íntimo e artístico que Bárbara Paz, companheira de Babenco até o fim da sua vida, concluiu no ano de 2019 com o nome Babenco – Alguém tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou que de uma maneira crua, mas extremamente delicada, tenta pontuar a carreira do brilhante diretor e o quanto esse sofreu no fim de sua vida. Filme esse escolhido como candidato brasileiro aos Oscar de 2021.
O filme é um compilado de imagens antigas de trabalhos de Babenco, com gravações íntimas de Bárbara com uma câmera na mão tendo seu companheiro como modelo. Um retrato singelo sobre a vida e morte do grande diretor. Babenco muitas vezes se considerava um apátrida, pois saiu cedo de sua Argentina e veio ao Brasil. Fez fama como realizador de filmes essenciais na cinematografia brasileira como Lúcio Flávio – o Passageiro da Agonia (1977) e o espetacular Pixote – a Lei do Mais Fraco de 1980. Mas Babenco queria mais e com sua entrada em Hollywood conseguiu, de maneira brilhante, sucesso com O Beijo da Mulher Aranha e depois dirigiu os gigantes Meryl Streep e Jack Nicholson em Ironweed e os já clássicos Carandiru e Passado.
Babenco por sua inquietude sempre queria mais. Infelizmente, aqui no Brasil era considerado argentino e na Argentina brasileiro o que feria os nacionalismos latino-americanos, algo que o incomodava, mas que nunca o impediu e que deixava claro que ele estava pela arte, e arte não tem pátria, ela é universal. Paz tenta nos mostrar como era o Babenco fora das câmeras, o que pensava, o que sentia. Fica nítido que ela acima de tudo faz uma ode a Babenco, sua paixão, ela esbanja todo seu carinho ao seu amado num retrato conjugal de amor e união. Se às vezes Babenco é um mandão, com jeito de paizão para ela, ao mesmo tempo demonstra nas palavras e atitudes o total amor que tinha por Bárbara, uma relação verdadeira e tocante. Uma cumplicidade e honestidade filmada realmente emocionante. Seus momentos de sofrimento, fazendo exames, dirigindo já doente vivendo em hospitais e fragilizado o faz confessar que por mais que tenha feito obras seminais do cinema, a sua grande obra ainda não tinha sido feita, ou seja, ainda carregou certa insatisfação no que deixaria de fazer para a arte.
Bárbara tenta captar utilizando obras dele e imagens caóticas, em uma fotografia preto e branco deixando mais pesado o clima, um contraponto a sua finitude da vida, com momentos de calmaria, com Babenco, em sua fragilidade, tendo suas reflexões espontâneas e reflexivas, numa bela mistura de loucura e caos com realismo e esperança, já que ele sabe que a única maneira de superar sua explosão interior é seguir em frente como dá e superar tudo trabalhando, tirando uma a uma as pedras do seu caminho para continuar vivendo.
Como pontos negativos, o filme, por mais boa vontade artística e visual, não emplaca, deixa lacunas, e às vezes se torna monótono demais, ainda mais falando de alguém que foi um dos maiores diretores do cinema nacional de todos os tempos. Pouco fala, ou apenas brevemente do passado do diretor, e a sua vasta filmografia é talhada em pequenos recortes perdidos por uma montagem confusa e extremamente pretensiosa, o que poderia ser mais bem aproveitado para uma ideia tão pessoal e amorosa. E até a importância dele, na tentativa de ser explicada por pessoas que foram especiais para ele, é retratada numa cena deveras forçada. Um problema técnico do filme foi a falta de legendas dos diálogos em inglês e francês, o que dificulta a compreensão para quem não tem afinidade com esses idiomas.
Babenco – Alguém tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou é um filme sensível, honesto e uma homenagem pessoal a quem mais sofreu, chorou e viveu intensamente o lado pessoal do ser humano Babenco no fim de sua vida. Confesso que o filme, pela magnitude e importância que o Hector tem ficou devendo, por mais que ele deixou que avisassem o coração dele que iria parar, quem acompanha e venera a sua carreira ficou com um gosto de quero mais e tentando entender quem era aquele argentino com vivência de brasileiro, mas de talento universal que estava sentado na cerimônia do Oscar de 1986 ao lado de mestres como John Huston e Kurosawa, além do genial Pollock e do furão Peter Weir (que não foi na entrega dos prêmios) – e merece ser celebrado como um dos maiores cineastas brasileiros de todos os tempos.