Crítica: A Caminho da Lua
O festival da lua no continente asiático é uma das datas mais celebradas pelos povos orientais. A celebração acontece no décimo quinto dia do oitavo mês lunar do calendário chinês (caindo geralmente pelo meio do mês de setembro do calendário gregoriano). Nesse momento do ano a lua está cheia, de uma maneira magistral, além de marcar o equinócio de outono no hemisfério norte e a festa é uma celebração iluminada com casas decoradas, muitas lâmpadas e cores para comemorar a colheita do verão. Uma tradição milenar que celebra fartura, juntar as famílias, comer bolinhos lunares (um bolo assado arredondando que simboliza a união com um recheio muito adocicado) e soltar para o ar lanternas de papel. Obviamente que numa tradição chinesa e milenar não poderiam faltar lendas, sendo a mais famosa delas do casal Chang’e e seu marido, o arqueiro Hou Yi, ele que salvou a terra dos nove sois que faziam a população morrer de fome queimando as plantações e ganhou como recompensa o elixir que daria vida eterna. Um dia, tentaram roubar o elixir dele e sua esposa Chang’e tomou o elixir para evitar que esse fosse roubado e com isso ela foi levada voando pra lua. Desde então, Hou YI reza a ela olhando pra lua e essa lenda faz parte do imaginário das crianças chinesas que veneram a lua e imaginam Chang’e por lá. Essa belíssima lenda é o pano de fundo para uma emocionante animação musical dirigida por Glen Keane e John Kahrs, produzida pelo setor de animação da Netflix, o dedo da Sony Imageworks, que estreou recentemente no seu canal de streamings, falo do encantador A Caminho da Lua (Over the Moon, 2020).
Fei Fei é uma menina que vive literalmente no mundo da lua. Mora com seus amados pais que vivem de fazer biscoitos e tem com o festival da lua sua maior produção. Fei Fei vive encantada com a lenda da deusa Chang‘e que sua mãe conta com amor à filha e que faz a menina ver a lua com outros olhos. O tempo passa, Fei Fei perde a mãe e seu pai tenta reconstruir uma família casando de novo, mas a garota, lembrando a história contada por sua mãe, promete a si mesmo que construirá um foguete e irá à lua para provar às pessoas na Terra que a lenda da deusa presa à atmosfera lunar é verdade.
Gratíssima e emocionante surpresa essa animação sino-americana, que tem todos os temperos de uma animação clássica da Disney, mas não é. Claro que a direção é de dois veteranos dos estúdios do Mickey Mouse, a dupla Keane e Kahrs muito tempo labutaram por lá e trazem a experiência para essa adorada animação. Temos no roteiro todos os elementos básicos de uma trama de apelo universal, um belo conto (no caso a lenda chinesa de Chang‘e é um ótimo acerto), uma família feliz que sente uma ruptura, uma personagem principal questionadora, coadjuvantes de peso, belíssimas canções, uma aventura corajosa em busca de respostas e saídas, muita diversidade de personagens, cores e cenários deslumbrantes, enfim um pacote completo que bem montado e dirigido com esmero não pode falhar. E A Caminho da Lua não falha.
Fei Fei é uma personagem brilhante, uma menina que vê sua vida perfeita ruir e tem que enfrentar o vazio da perda de quem se ama e dar sentido a sua existência. Poucas vezes o luto infantil é tão bem trabalhado, a menina que tinha sua mãe como sua mentora tem que lidar com sua ausência e principalmente saudades e que só consegue seguir em frente mantendo acesa a chama da história que sua mãe passou com tanto amor e veracidade. O roteiro de Audrey Wells consegue passar tudo isso com uma história de fundo realmente encantadora onde a cultura folclórica chinesa dá o tom. Os personagens que se unem a jornada da menina, o seu meio-irmão meio xaropinho Ching e a criatura Gobi, lutam na tentativa de encontrar e pedir uma prova a Chang‘e de sua existência, funcionam muito bem como escudeiros leais da decidida menina. A parte musical está afiada com belíssimas canções, que vão desde cançonetas típicas, lamentos usuais de filmes infantis, até embalos eletrônicos onde a lua em alguns momentos parece uma multicolorida e dançante rave composta por uma fauna de personagens distintos e animados comandados por uma diva pop lunar chinesa. Talvez um dos pontos negativos do filme, ao menos para os olhos de um adulto, são algumas passagens nessa estilizada lua onde o roteiro fica meio cansativo usando como saída apenas bichinhos fofinhos em cena, mas que fazem a animação perder um pouco do fôlego e contexto, mas nada que abale a construção geral da obra.
A Caminho da Lua com certeza é uma das grandes animações do ano, com um padrão de qualidade intocável e com uma história que consegue ser graciosa e divertida com uma profundidade que toca apesar de em nenhum momento ser piegas ou apelativa, mas que provoca reflexão e o quanto estamos preparados ou como saberemos enfrentar as perdas da vida para seguirmos em frente, não esquecendo o passado e o usando para nortear nosso futuro.
Sinopse: Determinada a comprovar a existência de uma deusa, a jovem Fei Fei decide usar todo seu conhecimento em ciência para embarcar em uma incrível missão: construir um foguete e ir até a Lua! Ao chegar lá, ela se depara com uma terra mágica e suas criaturas fantásticas.
Sobre A CAMINHO DA LUA:
Lançamento: 23 de outubro
Diretor: Vencedor do Oscar® Glen Keane (Dear Basketball)
Produtoras: Gennie Rim (Dear Basketball), Peilin Chou (Abominável)
Escritor por: Audrey Wells (O Ódio que Você Semeia)
Codiretor: Vencedor do Oscar® John Kahrs (O Avião de Papel)
Produtores executivos: Janet Yang (O Clube da Felicidade e Sorte), Glen Keane, Ruigang Li, Frank Zhu, Thomas Hui
Canções originais por: Christopher Curtis (Chaplin), Marjorie Duffield, Helen Park (KPOP)
Trilha Sonora por: Vencedor do Oscar® Steven Price (Gravidade)
Elenco da dublagem em inglês: Cathy Ang (Fei Fei), Phillipa Soo (Chang’e), Robert G. Chiu (Chin), Ken Jeong (Gobi), John Cho (Pai), Ruthie Ann Miles (Mãe), Margaret Cho (Tia Ling), Kimiko Glenn (Tia Mei), Artt Butler (Tio), e Sandra Oh (Sra. Zhong).