Crítica | Luta Por Justiça
É difícil rebater e questionar números. Ao analisarmos o sistema prisional dos Estados Unidos, fica a certeza do alto grau de racismo e desigualdade da sociedade norte-americana. Os afrodescendentes não são nem 13 por cento da população geral do país. Mas três por cento de sua população está presa. Em números gerais do sistema carcerário, os negros representam quase 40 por cento da ocupação nas cadeias, os latinos são 22 por cento. O racismo está presente também nas execuções das penas de morte em estados americanos. 43 por cento dos que esperam no corredor da morte são negros, isso em um país que nem um quarto da população é afrodescendente, é um número assustador. 76 por cento dos negros que matam brancos são condenados à morte nos estados que usam esse método de punição, enquanto apenas 17 por cento dos brancos que matam negros tem esse veredito fatal. Mas o mais dramático é que um em cada 25 condenados são inocentes, o que dá uma ideia que quatro por cento dos mortos por pena de morte jamais cometeram um crime, um elevado número de erro, já que nem um por cento dos condenados que são inocentes conseguem reverter a pena. Um sistema baseado em racismo, leis feitas por poderosos (todos brancos), justiça falha e perseguição em um país em que 90 por cento das execuções são no sul, região que parece ainda viver uma herança escravocrata nas leis e punições. Um homem injustamente condenado, negro e pobre, no corredor da morte, um advogado negro e idealista que sonha em dar assistência aos presos condenados à pena capital é a premissa do filme Luta por Justiça (Just Mercy), dirigido por Destin Daniel Cretton.
O filme conta a história de Bryan Stevenson, advogado recém formado em Harvard, com um futuro brilhante pela frente, mas que decide seguir seu idealismo e se mandar para o sul dos Estados Unidos, para o Alabama, onde pretende prestar ajuda jurídica, através de uma organização para condenados à pena de morte, que por falta de dinheiro, auxílio ou esperança já abdicaram da esperança pela inocência pelos meios jurídicos. Nesse trabalho, Bryan acaba conhecendo Walter D., um negro falsamente acusado de matar uma jovem branca, que se vê inocente e condenado à morte e que por falta de acompanhamento praticamente se resigna ao seu destino. O caso balança o advogado Bryan que pretende fazer de tudo para salvar a vida e inocentar Walter.
Luta por Justiça é um filme forte, que toca numa eterna ferida que jamais deve ser deixada de ser cutucada: o racismo gritante da justiça norte-americana (aliás, nem só norte-americana…). Em um sul ainda com resquícios do século retrasado, brancos e negros, pobres e ricos ainda mantem uma distância social considerável e quem tem dinheiro ou apenas é branco tem privilégios muito maiores. O roteiro não apresenta muitas novidades, conta de maneira didática a história verídica do caso Walter D. e a luta do advogado Bryan em provar sua inocência. Sem grandes inovações é um verdadeiro e típico filme de tribunal. Ironicamente, o caso se passou em Monroeville, Alabama, cidade onde Harper Lee escreveu o clássico O Sol é para Todos onde um advogado branco é perseguido por defender um negro inocente. Livro que ficou imortalizado no cinema com a atuação de Gregory Peck como Atticus Finch, o idealista advogado. Triste constatar que uma história dos anos 30 ainda serve para os anos 80 (época que se passa o filme). Mesmo com um enredo rico e importante, o filme custa a ter dinamismo, sendo lento e perdendo muito tempo em sua primeira hora, só pegando no tranco, literalmente, na metade em diante. Michael D. Jordan está com uma bela atuação como o idealista e sério advogado Bryan Stevenson, que aos poucos vai mudando e cada vez fica mais obcecado e indignado pelo caso. Mas mesmo sua convincente atuação ainda prova que Michael está um pouco engessado e poderia dar um tom mais emocional ao personagem. Faltou algo. Brie Larson faz o papel da companheira jurídica de Bryan, Eva Ansley, papel totalmente dispensável. Nada contra o talento da atriz, mas na história pouco representa Eva Ansley. Já Jamie Foxx mais uma vez dá um belo espetáculo como o calejado e torturado Walter D. Jamie passa toda a raiva, impotência e emoção necessária para o injustiçado preso, que ao mesmo tempo que tenta se resignar com a sua condição de condenado e amigo dos companheiros de cela, sempre passa força mesmo que sua esperança de viver com sua amada família é quase uma utopia distante.
A cena da reação dele no julgamento final é algo arrepiante. Outra cena emblemática é quando Bryan ao querer fazer sua primeira visita a um negro no corredor da morte, é obrigado pelos guardas a se despir e sofrer uma revista intima, algo proibido para advogados, mas que pela cor de sua pele não tem escolha senão fazer. Como diria uma frase do filme: O negro ao nascer negro já nasce condenado aos olhos dos brancos’’ nem um conceituado advogado, intelectual de Harvard, extremamente bem vestido passa incólume a herança e ódio racista. Luta por Justiça não é nenhuma obra prima , mas tem um roteiro redondinho , uma história baseada em fatos reais que ajuda a condução e provoca emoção, atuações apenas corretas, mas é um filme com uma temática sempre atual e extremamente necessário ainda mais em tempos revisionistas e negacionistas que confundem preconceito como choro e bobagem e um filme como esse pode servir como tapa na cara para cegos de espirito e sentimentos. Um belo manifesto contra um sistema judicial arbitrário, racista, seletivo e extremamente cruel. Fundamental.
Direção: Destin Daniel Cretton
Elenco: Michael B. Jordan, Jamie Foxx, Brie Larson
Sinopse: Bryan Stevenson (Michael B. Jordan) é um advogado recém-formado em Harvard que abre mão de uma carreira lucrativa em escritórios renomados da costa leste americana para se mudar para o Alabama e se dedicar a prisioneiros condenados à morte que jamais receberam assistência legal justa. Ao chegar lá, Bryan se depara com o caso de Walter McMillian (Jamie Foxx), um homem negro falsamente acusado de um assassinato, mas que nunca teve uma defesa apropriada por conta do preconceito racial na região.