Crítica | Entre Facas e Segredos (2019)
Abro o texto com a frase “Nunca conte tudo que sabe nem mesmo para a pessoa que você mais conhece’’, frase de Agatha Christie de um dos mais de oitenta livros, O Inimigo Secreto, de 1922. Aliás, como é bom falar sobre o fenômeno que ainda é Agatha Christie. Ela foi criadora de dois dos mais importantes detetives da literatura, Hercule Poirot e Miss Marple; escreveu seu primeiro livro em apenas 3 dias; trabalhou como enfermeira, profissão que a fez ter conhecimento de causa sobre remédios, venenos e doses certas para eles, precisão que usou com muita veracidade em suas histórias devido a esse conhecimento. Inclusive ela mesma fez sua vida pessoal se tornar um grande mistério, literalmente sumindo por 10 dias no ano de 1926, mobilizando uma megaoperação investigativa e policial até ser encontrada em um hotel. Agatha jamais revelou por que sumiu, o que foi um dos seus maiores mistérios. Mesmo passados mais de 40 anos de sua morte, suas obras ainda vendem muito e sua mistura de mistérios, suspense e fino humor escritos com leveza e talento inspiram até hoje. Rian Johson que o diga, depois de escrever e dirigir coisas sobre galáxias distantes e escassos jedis, nos apresenta seu Entre Facas e Segredos (Knives Out, 2019), um delicioso suspense inspirado na rainha do crime Agatha Christie.
O filme começa em torno da festa de 85 anos de Harlan Thrombey, romancista de mistérios e crimes, um verdadeiro best-seller, que convida sua família toda, um verdadeiro ajuntamento de irmãos, cunhados e netos extremamente desunidos e interesseiros. Na manhã seguinte o personagem é encontrado morto no seu escritório pela empregada da família, Fran. A polícia logo é acionada e com ajuda do experiente detetive particular Benoit Blanc passa a investigar o caso. O detetive não acredita que ele tenha cometido suicídio (principal suspeita da morte) e passa a desconfiar de todo o clã familiar em busca de um motivo e de quem e por que possivelmente teria cometido o assassinato. Enfim, paro a sinopse por aqui que mais que isso não posso contar para não estragar o prazer do filme.
Rian Johnson produz, escreve e dirige esse grande filme, uma das grandes surpresas do ano. Constrói um excelente roteiro, recheado de humor, muito suspense e inúmeras reviravoltas, uma homenagem com louvor à rainha do crime. Direção impecável conseguindo contar a história de vários pontos de vista, sabendo usar o cenário da casa, seus pequenos detalhes, todos importantes para a trama e usando de flashbacks para contar o que aconteceu realmente no dia do aniversário do anfitrião, antes do crime. Um dos méritos do roteiro é que cedo do filme parece que tudo está inteiramente resolvido, mas na verdade tudo está longe da real revelação. O filme também tem um que de O Fim de Sheila (The Last of Sheilla, 1973), Assassinato em Gosford Park (Gosford Park, 2001) e pitadas do hilário Assassinato por Morte (Murder by the Death, 1976), grandes filmes de referência de murder mistery que o diretor também soube usar como fonte e recriar com criatividade e eficácia.
O time de atores é um caso a parte. Desde Christopher Plummer, como o assassinado Harlan, que aparece durante o filme em flashbacks na noite de sua morte com sua experiência e brilhantismo de sempre; Daniel Craig como o detetive Benoit Blanc que faz uma espécie de Hercule Poirot com pitadas de Holmes, divertidíssimo e atrapalhado no papel; a atriz cubana Ana de Armas como a cuidadora do falecido, Marta Cabreras, também rouba o filme com sua ingenuidade, bom coração, mas muita coragem por enfrentar a família gananciosa dos Thrombey. Aliás, a família Thrombey é uma constelação com Chris Evans (Hugh), neto playboy de Harlan; Jammie Lee Curtis, a filha mais velha Linda; Don Jonhson como marido dela; Tony Collete é Joni, a nora e influencer e Michaeal Shannon é Walter, filho mais novo do clã. Outra sacada do roteiro foi inserir nos dois netos de Harlan características básicas dos jovens de hoje em dia. Enquanto Jaeden Lieberher, o neto, é um extremista hater de direita que fica desfilando seu ódio em redes sociais, a outra neta, Katherine Langford, é uma ativista de redes sociais, que quer mudar o mundo, uma verdadeira justiceira social, virtual é claro. Nada mais tempos atuais que isso. E que tarefa árdua essa de juntar uma constelação e onde cada papel é extremamente importante na trama realizada firmemente por Rian.
Entre Facas e Segredos é um divertido jogo de adivinhação, quase um jogo de tabuleiro de Detetive filmado. Em uma das cenas até um personagem diz que a casa de Harlan parece um grande tabuleiro de Detetive. Mas tudo isso é apresentado muito bem, usando de muito humor e anticlímax, além é claro, de estar tudo pontuado pela excelente trilha sonora de Nathan Johnhson que ajuda a construir e às vezes desconstruir o suspense afinando o mistério com as risadas. Enfim, o filme é um excelente quebra-cabeças que prende a atenção até o fim, uma digna homenagem à Agatha Christie. E desconstruindo a frase que abro a crítica: “Se às vezes é difícil contar a verdade para quem você conhece, jamais conte para quem você não conhece”.
Sinopse: O aclamado escritor e diretor Rian Johnson homenageia a mente misteriosa de Agatha Christie no filme `Entre Facas e Segredos´ (Knives Out); uma história atual e divertida que vai agradar toda a família, sobre crime e mistério onde todos são suspeitos. O renomado romancista Harlan Thrombey (Christopher Plummer) é encontrado morto logo após seu aniversário de 85 anos. O inquisitivo e charmoso detetive Benoit Blanc (Daniel Craig) é recrutado para investigar. Foi um assassinato? Da família disfuncional de Harlan à sua equipe dedicada, Blanc examina uma rede de mentiras para descobrir a verdade por trás da morte prematura de Harlan. Uma teia de reviravoltas manterá você desconfiado até o final.
Elenco: Ana de Armas, Jamie Lee Curtis, Chris Evans, Daniel Craig, Toni Collette, Michael Shannon, Katherine Langford, Lakeith Stanfield
Direção e Roteiro: Rian Johnson