Crítica | Kursk: A Última Missão

Quando o ano 2000 chegou ficamos aliviados: passamos incólumes ao temido bug do milênio, aviões não caíram, computadores não pifaram e colapsos tecnológicos passaram longe das previsões apocalípticas. Aliás o ano 2000 trouxe avanços científicos de primeira grandeza. A medicina conseguiu mapear DNA humano; avanços na busca por criminosos de cofres públicos também ocorreram, o juiz Lalau se entregou antes do Natal… a televisão brasileira abria a era dos anônimos que viravam famosos com o reality show No Limite mostrando que olhos de cabra faziam bem para a digestão; no dia dos namorados um sequestro que terminou em tragédia parou o pais: o ônibus da linha 174 no Rio de Janeiro foi invadido por um bandido (sobrevivente do massacre da Candelária) e parou o Rio, tendo como desfecho a morte do sequestrador e de uma refém; foi o ano que o Concorde o avião dito mais seguro do mundo caiu na França provocando a morte de 113 passageiros sepultando sua era. No esporte nosso Guga brilhou e foi primeiro do ranking de tênis, em 2000 também tivemos as Olimpíadas de Atenas onde o russo Alexei Nomov brilhou no solo na ginástica e faturou 6 medalhas; na água um holandês Pieter Van Den Hoogenband faturou quatro ouros na natação, atropelando o australiano Ian Thorpe e o mito russo Alexander Popov. E em 2000 a Rússia ficou famosa de maneira negativamente em águas, mais precisamente nos mares do norte onde uma tragédia envolvendo um submarino nuclear russo acabou com a vida de 118 militares em um dos episódios que chocou o mundo e provocou questionamentos: teriam sobreviventes no Kursk? Eles poderiam ter sido salvos? O drama dos marinheiros presos e os nebulosos bastidores desse caso são transformados em filme pelo dinamarquês Thomas Vinterberg em Kursk – A Última Missão (Kursk).

 O filme conta a história baseada em fatos reais do acidente ocorrido no ano 2000 com o submarino Kursk. Um treinamento de rotina com o Kursk em agosto daquele ano é abalado com diversas explosões internas que acarretaram em muitas mortes imediatas e tendo como consequência os escombros do poderoso submarino ficar preso no fundo do mar. Alguns tripulantes sobrevivem e ficam confinados em um compartimento do Kursk enfrentando falta de comida, oxigênio e comida a espera de um suposto resgate. A Marinha russa inapta para esse tipo de ação, tenta várias vezes em vão o resgate, mas devido ao sucateamento de seus equipamentos não tem sucesso. Em terra firme as mulheres e mães dos tripulantes buscam incessantemente notícias dos tripulantes em vão por causa da burocracia russa que evita dar informações precisas e que por orgulho e estratégia militar se nega a pedir ajuda externa de outros países voluntários para realizar o salvamento dos sobreviventes.

Grata surpresa esse drama com ares de filme tragédia que mexe com uma ferida recente. Dirigido pelo dinamarquês Thomas Vinterberg, um dos cânones do Dogma 95 (que há 20 anos teria ojeriza a esse tipo de filme estilo cinemão dramático) aqui em parceria com o roteirista Robert Rodat (O Resgate do Soldado Ryan e O Patriota) nos trazem uma interessante reconstituição da tragédia do submarino russo Kursk. O que tinha tudo para ser um filme apenas concentrado no drama, peripécias e luta pela sobrevivência dos 23 tripulantes que em dois dias driblaram a morte com apenas ação e heroísmo ele surpreende por mostrar um outro lado de uma tragédia: o drama dos que ficam em terra firme.

A luta das mulheres e familiares em busca de verdades e informações sobre o paradeiro dos tripulantes, sempre combatidas pela arrogância e falta de informações das autoridades russas é um dos pontos altos do filme. Convivendo com o medo, mas com esperança mostra o lado de quem fica numa tragédia desse porte dando um ar mais dramático que propriamente de ação do filme. Não que o filme não provoque cenas espetaculares como as explosões, suspense submarino e tomadas geniais como a que mostra o que foi um dia o poderoso Kursk destruído e cravado no fundo do oceano. As tentativas de resgate também são muito bem mostradas causando um suspense mesmo sabendo que nada daria certo.As bolhas não selando o tubo de resgate para a escotilha do submarino de resgate são de arrepiar, chegando a causar uma torcida pelo impossível.

Kursk é um filme Franco, belga e Luxemburguês, dirigido por um dinamarquês e roteirizado por um norte-americano. Alias todos os russos no filme falam inglês… devido a crítica do descaso e arrogância que as  autoridades russas tiveram em não querer ajuda externa pra resgatar os sobreviventes e sonegar ao mundo noticias verídicas, a equipe de filmagem não pode fazer o filme em mares russos em represália a exposição que o filme poderia dar ao caso. Mas nem as ‘’Puttinices’’ foram capazes de realizar esse filme que tem todo o ar de mais um no meio de um monte de blockbusters, mas surpreende pelo jeito de contar a história humanizada e crítica de uma ferida recente. Destaques para as atuações de Matthias Schoenaerts como capitão Mikhail que comanda os sobreviventes e faz de tudo para que eles não entrem em pânico e ter paciência na espera do resgate; Colin Firth é o Comodoro David Russel, motivador da ajuda externa, aqui num papel meio que feito no piloto automático. Leá Seydoux é Tanya a esposa gravida de Mikhail que com seu filho pequeno representam toda a luta das esposas e mães pela verdade. O veteraníssimo Max Von Sydow faz o almirante Vitaly a encarnação perfeita da arrogância e cara de uma Rússia que achava que ainda vivia os louros em que comandava meio mundo e o sacrifício em prol da pátria era mais importante que a individualidade e família.

Kursk – A Última Missão funciona bem como cinemão, mas possui características que fogem da curva do comercial com muito humanismo, drama real vivido por gente de verdade, o que talvez atrapalhe quem procure apenas ação e explosões, mas que o faz ser um pouco acima da média geral dos seus similares.

 

Sinopse: Uma explosão naufraga o submarino Kursk no ano de 2000. Os tripulantes precisam sobreviver às águas geladas do Mar de Barents enquanto esperam por um resgate que pode não chegar por causa do descaso das autoridades.

Direção: Thomas Vinterberg
Elenco: Matthias Schoenaerts, Léa Seydoux, Colin Firth
Gêneros: Histórico, Drama

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