Superficial, rica e socialmente bem-sucedida – “As Patricinhas de Beverly Hills”

Os anos de 1990 foram responsáveis por muitos filmes da categoria “besteirol”, alguns deles nem vale a pena voltar, outros ficaram para a história e não são tão rasos e de “besteirol” quanto aparentam, o melhor dos exemplos é “As Patricinhas de Beverly Hills”.

O longa foi lançado em 1995, com roteiro e direção de Amy Heckerling, cuja inspiração principal é, nada mais nada menos, o livro “Emma”, da autora inglesa Jane Austen, lançado em 1815. E, pasmem, apesar da grande diferença temporal, há muito de Emma em Cher.

Cher Horowitz é descrita como superficial, rica e socialmente bem-sucedida, representando a figura de garota popular do ensino médio. Ela tem duas grandes responsabilidades, a escola, sua posição social dentro desta, e ser o porto seguro do pai, Mel, uma vez que são somente eles dois dentro de casa.

Essas suas responsabilidades parecem não combinar, mas mostram que a essência de Cher não é ruim, nem tão fútil assim. Mas até ela mesma demorou a entender que poderia fazer mais com sua inteligência.

Ao lado da sua melhor amiga, Dione, Cher começa a ver o poder de sua influência, que é exercido sobre a novata Tai, uma garota totalmente diferente dela. Na visão de Cher a menina nova gritava por uma transformação e a responsável por salvar essa menina perdida era dela e de Dione.

Tai se transforma na pupila de Cher instantaneamente, tiraram a tinta vermelha de seu cabelo, reformaram suas roupas, ensinaram a fazer maquiagem “básica”. Cher ainda fez questão de ensinar palavras novas, mais sofisticadas, e indicar livros e recomendar ações que as fizessem contribuir para o mundo.

Ah, Tai também teve que selecionar com quem se relacionaria. Em um primeiro momento ela se interessou por Travis, que não era exatamente com quem Cher queria que a amiga se relacionasse, por isso ela se afastou dele e começou a investir em Elton, garoto popular. Para a surpresa de todos, Elton trataria Tai mais ou menos como a fizeram tratar Travis, ele queria mesmo era Cher.

Falando no coração de Cher, Elton não era opção nunca foi. Na verdade, ela era extremamente exigente, nunca havia namorado porque não gostava como os garotos do colégio se portavam, isso até Christian chegar. Ele era totalmente diferente, sabia se vestir e se portar da forma como Cher gostava, isso a fez investir pesado para ter algo com ele, mas tudo terminou em amizade mesmo.

Isso porque Cher se aproximou de Josh, filho da ex-mulher de seu pai, mas que ainda tinha uma relação muito boa com o ex-padrasto. Josh passou a visitar mais a casa dos Horowitz porque fazia faculdade na mesma cidade e sonhava em ser advogado, Mel era advogado e fazia questão em orientar o moço.

Apesar de no começo Josh e Cher tivessem aquelas implicâncias de irmãos, aos poucos mostram sinais de que o carinho que sentiam um pelo outro ia muito além dessa relação de irmandade.

Entre essas passagens tem muitos detalhes que fizeram o filme ficar para história, tornar-se um clássico. Tem a relação caótica, mas carinhosa, entre Dione e o namorado, Murray, a questão de Travis com as drogas (nunca descrita de forma explicita), a hierarquia dentro do ensino médio (colégio), dentre tantos outros.

Duas características de Cher que sempre me chamam atenção (nas centenas de vezes que assisti o filme) é a junção do poder da influência com o talento de negociação e, lógico, o entendimento sobre moda. Por ter sido criada pelo pai advogado, Cher conhece as técnicas de negociação, isso e sua influência conseguem fazer com seus professores mudem suas notas, logo, ela sempre tem notas perfeitas. Ela usa esse talento também nas aulas de debate, mas nunca é bem interpretada.

Uma cena emblemática, cujo figurino é o icônico conjunto xadrez amarelo com preto e branco, é a apresentação dos argumentos dela sobre a questão da imigração no EUA, ela deveria mostrar argumentos a favor do caso. Ela faz uma analogia com uma festa de aniversário que fez para o pai, que apareceram mais convidados do que o planejado e ela teve que reorganizar o serviço de buffet, para que tivesse comida e bebida para todos.

Ninguém leva a sério, nem o professor, mas parem e pensem comigo: essa reorganização que ela mencionou pode representar a logística de recursos, uma das principais preocupações dos governos quando se trata de receber refugiados em seus países. É certo que não é um argumento muito ortodoxo, os mais conservadores podem concordar com o professor de Cher, mas, analisando bem e com boa vontade, tem sua lógica.

A questão da moda é muito forte. Em uma entrevista recente com a atriz que deu vida a Cher, Alicia Silverstone, ela comenta que não entendia o porquê de a figurinista, Mona May, dava tanta importância aos figurinos, depois ela entendeu toda essa atenção, eles eram parte da história, quase como o co-protagonista do filme. E isso se espelha dentro e fora da trama. Ao longo do filme não só vemos produções assinadas por grandes marcas, também ouvíamos seus nomes, como foi o caso do vestido branco e curto que Cher usa para sair para festa com Christian, o diálogo com o pai dela na cena é algo como:

Mel (o pai): “O que diabo é isso?”

Cher: “Um vestido”

Mel: “Quem disse?”

Cher: “Calvin Klein”

Já fora das telas de cinema (e das nossas Tvs), esse figurino se tornou uma referência de moda atemporal, causando uma revolução nos anos de 1990. Naquela época o grunge estava em alta, roupas largas, camiseta branca e xadrez dominava os guarda-roupas dos jovens, o que é mostrado no filme no comecinho, com Murray e os amigos dele.

Depois que o filme foi lançado, adaptando esses elementos em peças mais com melhores modelagens e do jeitinho de Cher, as marcas e as meninas da época passaram a se vestir de forma diferente. Assistindo o filme, quase 30 anos depois, fico surpresa ao ver que muitas peças usadas voltaram a ser tendência nos últimos anos, algumas delas sequer saíram da moda.

Não posso nem falar do elenco antes de mencionar um dos elementos mais desejados do filme, perdendo, talvez, só para o conjuntinho xadrez amarelo, preto e branco, é o guarda-roupa computadorizado/automatizado de Cher. Logo no comecinho ele aparece, com ela escolhendo as peças que iria usar naquele dia, e é o computador que diz se as peças combinam ou não.

E digo mais, já tem aplicativo sendo desenvolvido que tenta concretizar esse sonho de consumo (obrigada tecnologia).

Agora sim, posso falar do elenco.

Cher, como já mencionei antes, foi vivida pela atriz Alicia Silverstone. Ela se tornou a “namoradinha da América” por esse personagem, mas passou por muita pressão nos bastidores por sua aparência, ainda assim nunca parou de trabalhar. Recentemente voltou a ser assunto pela série “O Clube das Babás”. Além disso, Silverstone sempre compartilha lembranças carinhosas de Cher e suas ações como ativista em suas redes sociais. Ela é adepta do veganismo e forte defensora dos direitos dos animais. Dione, a melhor amiga, é vivida por Stacey Dash, ela esteve presente em filmes como “Voando Alto”, “Fashion Victim” e “Sharknado 4”. O namorado de Dione, Murray, foi interpretado por Donald Faison, que ficou conhecido pela série médica cômica “Scrubs” (vence de “Grey’s Anatomy” facilmente para mim).

Tai foi interpretada por Brittany Murphy, ela conseguiu evoluir na carreira, conquistando papeis em filmes mais sérios, como o aclamado “Grande Menina, Pequena Mulher”, ao lado de Dakota Fanning. Infelizmente ela faleceu jovem, aos 32 anos, em 2009. Elton, o que era para ser de Tai, mas queria Cher, foi interpretado por Jeremy Sisto, atualmente conhecido pela série policial “FBI”. Travis, o que mostrou seu valor ao longo do filme, é interpretado por Breckin Meyer, famoso pelos filmes de “Garfield”, mas, principalmente (para mim), pela série jurídica carismática “Franklin & Bash”.

Mel, pai de Cher, é vivido por Dan Hedaya, o trabalho mais recente e conhecido pele é o filme “Animais Fantásticos e Onde Habitam”. Josh, o ex-entendado e futuro genro de Mel, é vivido por Paul Rudd, o queridíssimo Homem Formiga do universo Marvel atual, além de também ter sido o marido de Phoebe Buffay na série “Friends”.

O professor de debate, que foi alvo do “projeto cupido” de Cher, Hall, é interpretado por Wallace Shawn, que, anos depois, estava ao lado de outro ícone da moda, Blair Waldorf, em “Gossip Girl”. Shawn também marcou presença no filme “História de um Casamento” e na série “Young Sheldon” (onde ele vive outro professor).

Aviso para quem for procurar o filme pela Prime Video e achar que não tem, como aconteceu comigo algumas vezes: busquem pelo nome original do filme, “Clueless”!

O nome registrado é esse, não o em português, mas tem o áudio original e o dublado, assim como legendas nos dois idiomas.

Até Mais.

 

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