Show Chitãozinho e Xororó 50 anos em Porto Alegre

Uma coisa não podemos negar: de um tempo para cá, com o sucesso do filme Os Dois Filhos de Francisco, em 2005, a música sertaneja pop dos anos 1980 e 1990 ganhou outro status. Se antes era um gênero menor, com baladas melosas, agudos angustiantes e uma cópia malfeita do country dos Estados Unidos, hoje aquelas duplas do passado ganharam um status de tradição e que, juntamente com a modernidade que sempre tiveram (arranjos pop, guitarras, megaproduções), entraram para o patamar de (por que não?) MPB. Aí entraram nas capitais, nas casas de espetáculo, aquele público que antes renegava passou a frequentar seus shows e o status de cafona ficou para os novos sertanejos, universitários, fazendo suas odes a festas e a sofrência. Enfim, de todas essas duplas do passado, Chitãozinho e Xororó sempre, independente de qualquer rótulo, tinham uma qualidade imensa. Pioneiros da superprodução em shows e de traçar um link entre as baladas românticas, o country e nunca abandonando as antigas modas, completam 50 anos de carreira, esses hoje nem tão meninos de Astorga, e sexta passada, fizeram um show memorável no Araújo Vianna, em Porto Alegre, comemorando com o público esse feito.

A dupla sempre esteve no imaginário popular do brasileiro, principalmente quando quebraram as barreiras das rádios AM e adentraram pro sucesso nacional com Fio de Cabelo, de 1982, abrindo espaço para uma geração de novos artistas que comandaram a década de 1990, e esse show de sexta foi uma celebração desses 50 anos de sucessos com canções que não saem da cabeça do povo. Com uma produção incrível, com telões, iluminação primorosa e uma banda robusta e talentosa, um teatro lotado entra em êxtase quando a dupla munida de seus violões já manda Saudades da Minha Terra, clássico do sertanejo dos idos tempos dos desbravadores Tonico e Tinoco, e logo emendado com 60 Dias Apaixonado, de 1978, o primeiro sucesso da dupla, que mesmo tendo ficado apenas no âmbito do sertanejo abriu as portas para o reconhecimento, e o público, de pé, entrava no clima de baile da dupla. Confidências, sucesso da era pop da dupla segue o show, mas é com Página Virada, com um arranjo mais moderno, que a galera realmente canta junto e se rende para a dupla.

Rancho Fundo, sucesso dos anos 1940, revisitado pela dupla em 1990, é aquele momento sertanejo romântico de emocionar. Ali o cara sente como os dois, com mais de 60 anos, ainda mantem suas vozes impecáveis e emociona a interpretação da linda música. Coração Sertanejo, outro sucesso de novelas, com o indefectível Andei Andei, faz todo mundo cantar junto e se soltar, uma amostra da importância da dupla pra música popular. Majestade, o Sabiá é outro primor de canção, brejeira de qualidade, com um arranjo lindo da banda e essa abre espaço pra Sinônimos, outro megassucesso que faz as luzes dos celulares acompanharem a música.

Em De Coração Pra Coração os dois lembram a primeira participação no especial do Roberto Carlos, no ano de 1986, esse sempre um entusiasta da onda sertaneja e que sempre abriu as portas pra dupla. Aliás, a simpatia de ambos, principalmente de Chitãozinho, que sempre conversa com a plateia, faz uma interação e química vibrante, não que Xororó não seja simpático, mas o Chitão é um animador e tanto de plateia. Eu Menti segue o show, mas é com Brincar de Ser Feliz que faz todo mundo levantar com o atemporal sucesso com uma batida meio flamenco e um refrão pegajoso que está na boca do povo. Simplesmente emocionante. Eles seguem com uma canção que irão gravar com a Sandy, desconhecida do povo, mas com um belo arranjo.

A outra parte do show é o momento modão sertanejo, aquele sertanejo do fim dos anos 60 e início dos anos 1970, com muita influência de música mexicana, naipes agudos, muita viola e violão e vozes impostadas ou agudos altíssimos, Vá Pro Inferno Com Seu Amor, Faz Um Ano, entre outras tocadas em medley abrem para a Galopeira, talvez a mais famosa canção desse gênero, o povo se esgoela tentando cantar a música e Xororó mais uma vez dá um show com sua voz incrivelmente perfeita pro gênero, limpa e potente.

Disfarce, outro sucesso da dupla que fez eles enterram no rol da MPB, ganha um lindíssimo arranjo jazzístico, com sopros bem colocados, bateria de marcação e uma interpretação sofisticada da dupla, um verdadeiro luxo e uma prova da qualidade incrível da banda, principalmente de Maguinho, o lendário baterista deles, dando show de dinâmica. Fio de Cabelo é apresentada como a música que virou o fio da carreira deles, de dois meninos mambembes pelo interior que tocavam em circos, feiras e qualquer lugar que tivesse chance, para um sucesso nacional e vendagens de discos milionárias, outro sucesso da música brasileira inesquecível, pra dançar junto e coladinho. Embalam a belíssima e nova Pássaros, dando aquela amornada no show, que junto com Planeta Azul, é o momento de sentar ou buscar algo pra beber.

Mas com Se Deus Me Ouvisse, canção de Almir Rogério (o homem do Fuscão Preto) é hora de nos embasbacarmos com o alcance vocal do Xororó. É incrível que o cara com 50 anos de estrada ainda chegue a aqueles agudos surreais da canção. Momento de aplaudir de pé o talento. Falando às Paredes e Alô é aquele momento de baladas modernas da dupla, com direitos a solos de guitarra estilo power metal, mostrando a técnica incrível do guitarrista e a modernidade da dupla, que sempre usou bem esses elementos com suas origens raiz e românticas.

A última parte do show é aquela conexão Campinas – Nashville que a dupla faz, country sulista dos Estados Unidos com sertanejo do interior de São Paulo, com músicas como Bailão de Peão, entre outras, trazem aquela atmosfera countryneja pro coração de Porto Alegre, com muita guitarra, viola, banjo, rabeca.

Mas é claro que a dupla não podia se despedir sem tocar aquele que é talvez um dos maiores clássicos da música brasileira. Quando José Augusto e Paulo Sérgio Valle compuseram Evidências, nunca imaginariam a dimensão que ela tomaria no coração do brasileiro, independente de classe social, gosto musical (já vi muito cara do metal cantarolando a plenos pulmões), além de ser um clássico dos karaokês pelo país, a canção na interpretação da dupla emociona. Momento único do show, arranjo incrível, aquele solo de guitarra clássico que o Faísca (ex-guitarrista da banda) criou e os gogós sertanejos mais afiados do Brasil, passam uma emoção incrível. Pena que metade do auditório mais filmava que curtia o momento, mas, com certeza, ter o prazer de ver Chitão e Xororó cantando Evidências não tem preço. Um gran finale inesquecível.

Chitãozinho e Xororó hoje passam as barreiras dos gêneros musicais, tem um show competentíssimo, músicos de qualidade, tem uma sonoridade única, carisma e talento vocal, além de canções que estão e ficarão para sempre no imaginário do brasileiro, uma experiência única ter o privilégio de ver esses caras firmes completando 50 anos de carreira e só melhorando com tempo. Acredito que quem foi ao show saiu feliz dessa viagem musical que a dupla proporcionou numa noite inesquecível… e isso que faltou ainda muita música boa, mas quem sabe ficam para uma próxima turnê.

 

Crédito das fotos: Vívian Carravetta

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