O texto de Miguel Falabella no livro “Vivendo em voz alta” é uma transcrição livre da vida do próprio autor. São 30 crônicas com passagens da vida do Miguel, narradas com extremo lirismo e escritas com o máximo de competência possível. Cada página, sem exceção, é fruto das experiências vividas, uma adaptação de situações pelas quais ele passou.
Algumas partes são extremamente emocionantes em função da forma brilhante de escrita do Fallabella. Ele faz fazer o leitor mergulhar na experiência sem que a tenha vivido, e isso é uma característica difícil de se encontrar em boa parte dos escritores de hoje. Recentemente eu li o livro Fim, da Fernanda Torres, e fui surpreendido também pelo alto nível de escrita, a forma suave com que ela também nos transporta até a cena. O Miguel, assim como a Fernanda Torres, também nos dá a nítida impressão de estarmos vivendo as situações apresentadas e, mais do que isso, ele nos leva a acreditar que conhecemos as pessoas envolvidas, tal é sua fluência na narração dos fatos acont”ecidos. Ele inclui emoção, sentimento e familiaridade a cada página da obra.
O que é mais interessante nessa história toda foi a forma singular com que eu adquiri o livro. Eu não esperava em momento algum encontrar um livro do Falabella, até porque eu desconhecia essa faceta do ator. Então, na busca por outro livro, eis que me deparo com o exemplar em uma estante de uma livraria, misturado a outras obras totalmente desconexas. Por curiosidade, acabei adquirindo o livro e em questão de poucas horas eu havia finalizado a leitura.
O bom dessa história é que em questão de tão pouco tempo a sensação de prazer ao final da leitura era inacreditável. E vou dizer o seguinte: eu li analisando o texto em cada um dos capítulos ou crônicas apresentados. Foi um dos mais emocionantes e profundos livros por mim lidos. Dificílimo não se familiarizar e viver o que está descrito na obra. A maestria do Miguel (me perdoe a intimidade, caro amigo) ao produzir suas crônicas é algo, repito, incomum em obras internacionais e nacionais. Eu poderia facilmente resumir capítulo a capítulo para dar uma amplitude ao que escrevo, mas essa seria uma atitude covarde com o leitor que terá o prazer de também viver um pouco das experiências do escritor. Afinal, Falabella teve a coragem de compartilhar isso conosco e, indubitavelmente, devemos ter o privilégio de ler uma obra única.
“Ao cultivar as memórias como quem coleciona objetos raros, Miguel nos oferece, a cada trecho, pequenos espelhos de nós mesmos. E mostra que é muito mais que um talentoso ator, diretor, produtor, dramaturgo e autor de novelas: é autor de si mesmo. E este é o seu melhor papel.” (Trecho da contracapa do livro)
Deixo alguns trechos que realmente me marcaram na obra:
Sobre o impacto da perda da mãe sobre o pai dele: “… eu me lembro, ele veio caminhando pelo corredor do hospital, meio sem norte, meio sem rumo, chorando feito uma criança. Aí, quando me viu, me abraçou e disse com a voz machucada. — Eu perdi o amor da minha vida.”
Sobre o teatro: “O teatro só alça voo quando é plural, quando aquece a alma e nos incita ao sonho.”
Ao receber uma caixa deixada por uma senhora que faleceu, mas era fã incondicional do teatro: “… quando as pressões do trabalho cotidiano tornam-se insuportáveis, dou um rápido mergulho em seu universo. Não me canso de agradecer a essa mulher que, como Pandora, me ofertou uma caixa cheia de emoções e sentimentos. Parte de uma vida que eu não conheci, mas que, espero, aceita esta crônica como uma prece.”
Sobre a memória das pessoas amadas: “É preciso guardar aquele sorriso intacto, porque são os traços daqueles que amamos que nos impulsionam pela vida afora.”
Sobre a morte, as perdas e a morte em papéis interpretados: “É preciso aprender a morrer, senão a vida acaba antes de começar.”
Sobre o bullying: “Aproveite o quilômetro a mais nosso de cada dia para reafirmar seus credos, seus desejos, sua arte e seu encanto. Porque, quando sabemos para onde ir, não há de ser um empurrão que vai nos tirar da rota. Ao contrário, ele nos empurra para a frente.”
Há outras passagens igualmente repletas de sabedoria e emoção, mas, repito, é preciso que descubram por si mesmos. Cada leitor fará uma interpretação diferente, sentirá emoções diferentes e guardará em seu coração um pouco desse livro magnífico.
Não sei os motivos que me impediram de conhecer a obra antes. Creio que as coisas acontecem no devido tempo e, assim, finalmente pude viver uma parcela das memórias e emoções do Miguel, um ator que ganhou meu apreço através de suas interpretações e de outros trabalhos. O livro é um material que pode se deteriorar com o tempo ou pode simplesmente ser perdido. Contudo, cada emoção sentida e cada palavra marcante estão guardadas na alma. E, acredito, isso é tudo que um escritor pode desejar quando põe seu filho, o livro, para que outros o conheçam.
Missão cumprida, Miguel!