Polêmica e Mistério Secular – “Dom Casmurro”

Nada é mais criativo do que a mente de alguém ciumento, suspeitas e teorias são formadas a partir de pequenos detalhes, coisas que podem ser insignificantes para a maioria. Algumas dessas teorias são absurdas, outras deixam dúvidas para uma vida inteira!

A trama do clássico “Dom Casmurro” ficou famosa exatamente por razão dessas teorias. Alguém se lembra da história do livro de Machado de Assis, datada de 1900? Tenho certeza que, pelo menos, 70% daqueles que estão lendo este artigo foi “obrigado” a ler na época da escola.

Confesso, na época que tinha que ler eu não li. A atrevida aqui disse que não era obrigada, só que era e agora eu sei porquê. Lembro que conhecia a história por causa de uma peça de teatro de uma companhia da cidade, se não me engano. A peça era bem feita, mas não é a mesma coisa do que ler o livro.

Para refrescar a memória de todos, eis um pequeno resumo do clássico:

Bento Santiago era filho de Dona Glória, mulher distinta, religiosa e viúva. Teve uma gravidez difícil e fez uma promessa, que se seu filho nascesse saudável ele se tornaria padre. A promessa da mãe fazia sentido aos olhos de todos que conheciam o menino Bentinho, que sempre gostou de coisas que envolviam o seu “futuro”, brincava de padre, gostava de ir a missa.

A questão é, Bentinho só gostava daquilo, mas nunca pensou em entrar para o seminário. A ficha dele só caiu quando, aos 14 anos, ouviu sua mãe conversar sobre isso com o agregado, Zé Dias, os parentes com quem morava e o padre que o levaria ao seminário, o que foi um susto para ele.

Na época Bentinho descobria um novo sentimento, algo pela vizinha, a menina Capitolina, cuja família precisou de ajuda de Dona Glória, fazendo com que os filhos crescessem juntos. Eles eram amigos inseparáveis, mas o amor foi crescendo de forma inocente, fosse escrevendo seus nomes no muro que unia as casas ou nos olhos de ressaca dela, que o deixava sem reação alguma.

Eles tentaram evitar a ida de Bentinho ao seminário, contando com a ajuda de Zé Dias (que sonhava em acompanhar Bentinho na Europa), afinal fizeram um pacto para o futuro, que iriam sim se casar. Eles não conseguiram, ele ainda passou quase um ano por lá, o que não foi de todo prejuízo.

Enquanto ele tentava sair daquele lugar fazia amizade com Escobar, que também não queria ser padre, sonhava em ser comerciante. O novo amigo cativou a família de Bentinho e até mesmo Capitu. Quando finalmente saíram do seminário eles concretizaram os planos.

Bentinho se formou em Direito e se casou com Capitu, já Escobar conseguiu montar seu negócio e também casou, com Sancha, melhor amiga de Capitu. Os quatro formavam quase que uma família, sempre se visitando, mas nem tudo é perfeito neste paraíso.

Bentinho se tornou um ciumento, com medo de perder Capitu por qualquer coisa, nem a deixava mais ir a bailes com vestidos que mostrassem seus braços. Sentia isso até quando ela olhava mais para o mar do que para ele. Além disso eles ainda não tinham conseguido ter um filho, grande desejo dos dois e uma realização já concreta para o casal de amigos, Escobar e Sancha.

Finalmente Ezequiel nasceu e foram tempos felizes até que veio uma notícia devastadora: Escobar morre afogado no mar (foi tentar provar que sabia encarar a maré). Aí os ciúmes de Bentinho se uniu com sua profunda tristeza, ele passou a ver semelhanças demais entre Ezequiel e Escobar.

Sim, senhoras e senhores, começou aí a maior dúvida polêmica da literatura brasileira: Capitu traiu ou não traiu Bentinho com Escobar?

Sabe como Machado de Assis ajuda neste quesito? Em nada! O livro termina justamente com esse questionamento, no momento em que Bentinho (agora apelidado como Dom Casmurro por um vizinho) lembrou quando o menino faleceu, atingido por febre tifóide no Egito.

Lembram que falei que havia entendido a razão da importância de ler o livro na escola? Então, ao ler a obra, já com meus 26 anos (uns 14 anos depois de quando eu era obrigada), percebi tudo que haviam falado. A trama muito bem construída, tudo que é dito nas entrelinhas, todas as figuras de linguagem usadas, os olhos de ressaca de Capitu, dentre outras coisas.

É incrível perceber esses detalhes e é tão decepcionante realmente terminar na dúvida. Na minha eterna inocência (ou prepotência, neste caso), achava que eu iria solucionar o caso, afinal já li muito muito sobre o livro, estava preparada.

DOCE ILUSÃO!

Continuo imaginando todas as teorias que já li, pescando detalhes lidos. Parabéns para Machado de Assis, além de nos ensinar a usar figuras de linguagem (sério, é a concretização das principais figuras estudadas em sala de aula), fez-nos aprender a pensar de forma investigativa de forma inacreditável. Capitu parecia ser a mais angelical das pessoas e, no exato mesmo tempo, ser a mais dissimulada delas, já Escobar é o próprio mistério, praticamente impossível saber o que de fato ocorreu.

A narração é feita pelo próprio Bentinho, ele relembra todos esses fatos quando um conhecido, também da época do seminário, dar de presente algo como se fosse um anuário, quando ele ver Escobar tudo vem a tona, desde a doce paixão de adolescente até o momento da separação, quando Capitu vai morar na Europa, depois que Bentinho começa com as acusações.

Falando em teorias é impossível não mencionar a última que li antes de começar a ler o livro. Esta afirma que Bentinho não sentia ciúmes de Capitu, mas sim de Escobar, supondo aí que havia um caso de homossexualidade. E o mais incrível, há passagens que passam sim uma ideia de amor que vai além da amizade.

Mas também me questiono por ver essa possibilidade. Essa ideia passada se dá pela afeição que Escobar e Bentinho tinha entre si, eles se abraçavam sim, em público e com emoção. Será que essa ideia só é passada por termos ainda aquela visão machista de que homens não podem ser afetuosos, logo amigos não podem abraçar sem terem outras intenções?

Enfim, me arrependo amargamente de não ter lido esse clássico antes e é bem provável que lerei novamente, para ver consigo desvendar esse mistério secular, muito bem arquitetado por Machado de Assis.

Alguém tem alguma teoria sobre essa polêmica? Concordam com a possibilidade de Bentinho amar mais Escobar do que Capitu?!!

Me contem!!

Beijinhos e até mais.

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