O que poderíamos imaginar de uma parceria de um cara que foi ícone dos anos 1980 e 1990, se reinventou nos anos 2000, passou uma carreira fazendo canções com diversos parceiros e cedeu muitas delas para voz de muita gente, com uma cantora que foi ídolo de uma geração no início do século 21, empoderou as mulheres no rock com seu talento, carisma e atitude? Falo de Nando Reis e Pitty, que resolveram juntar seus talentos e fazer uma tour pelo Brasil, intitulada As Suas, as Minhas e as Nossas. Esse show teve duas noites em Porto Alegre, fim de semana passado, e o NoSet conferiu a segunda, num domingo, no coliseu da música porto-alegrense, Araújo Vianna.
Com um pequeno atraso, PittyNando, como a dupla se chama, começaram o espetáculo para um auditório quase lotado e muito animado. E diga-se de passagem, um refinado espetáculo, usando e abusando de luzes, um telão onipresente do show, com cores, psicodelia e imagens, com direção artística da Pitty e direção musical de Paulo Kishimoto, o percussionista da banda. Os dois, em roupas de tom roxo, abriram o show com a música feita pra turnê, a agitada PittyNando, e desde cedo levantando a plateia, que quase não se sentou mais. Admirável Chip Novo, um dos maiores sucessos da carreira da Pitty, emocionou o público com um arranjo pesado tocado em medley com Do Seu Lado, com um arranjo quase igual, mas mais robusto. Memórias segue o baile, mantendo a pegada rock do show e nela uma pequena inserção de Me Diga, primeiro sucesso do Nando. Três primeiras músicas pra mostrar pro povo que eles não estão de brincadeira. Como nota negativa apenas a altura do som que parecia estar estourando as caixas, e o microfone do Nando, que estava extremamente alto e com sua voz aguda, às vezes incomodava, o mesmo vale para o bumbo pulsante que parecia estar estourado, fazendo um trocadilho infame, nada que ao invés de equalizar você, poderia ter equalizado melhor o som, mas quem sabe era proposital, sabe-se lá.
Sou Dela, mais um sucesso de Nando, segue o show e depois Pitty canta mais uma das suas, Semana Que Vem, num arranjo bem pesado. Um acerto do show é que os dois praticamente dividem os vocais de todas as músicas e os arranjos, apesar de seguirem o padrão dos originais, muitas vezes tem o tempo acelerado, outras vezes com frequência mais calma, numa leve desconstrução e nota-se muita utilização de samplers e bases pré-gravadas pra preencher o som.
Cegos do Castelo tem uma bela interpretação de Pitty no início, mostrando uma versão Pittyana da linda canção do Nando, e como resposta, Nando também dá seu ar em Na Sua Estante, uma das canções mais emblemáticas da baiana, numa amostra da frequência afiada da dupla. Isso vale para All Star, lindamente cantada por Pitty num arranjo belíssimo e Temporal, vindo logo depois cantada por Nando. E sobre a cantora, Pitty está no auge de sua voz, cantando muito, dando show de performance e presença de palco e diria que 80 por cento do show é dela, com Nando gentilmente cedendo o protagonismo para sua parceira.
Por Onde Andei e Equalize, dois megassucessos, são cantados em uníssono para uma plateia animada, que com certeza, mais da metade veio para ver a Pitty, já que Nando é quase um habitué de shows em Porto Alegre. Resposta, com um arranjo um pouco mais vigoroso, fecha uma primeira parte do show que agradou bastante.
Com Déjà Vu, de Pitty, o show descamba pra um momento mais pesado, com nuances mais pesadas e arranjos mais sampleados. Te Conecta e Marvin, tocadas em medley, numa pegada mais reggae com pitadas de dub eletrônicas, o telão começa a dar o seu ar da graça, com luzes fortes e imagens distorcidas, às vezes fazendo até os espectadores perderem o foco do artista e seguir as imagens, tudo isso aliado a um som muito alto. Luz dos Olhos e Teto de Vidro seguem essa mesma toada, com peso, imagem e muita catarse sonora e visual e uma roupagem sonora que lembrava até o rock industrial.
Relicário, a canção que fez Nando procurar Pitty pra fazer a parceria (ele a viu cantá-la num programa), tem mais uma desconstrução de arranjo e confesso que o excesso de exageros visuais e porrada sonora já cansava a plateia, ou ao menos a mim. Ainda bem que Pitty e Nando voltam ao básico fazendo uma sensacional Me Adora, naquele momento que todo mundo dança e canta junto, tamanho o irresistível tempero da canção. Fecham o show com Máscara e Não Vou Me Adaptar, com mais arranjos rearranjados e pouca inspiração.
Para o bis a dupla manda O Segundo Sol, esse sem muitas firulas, para ganhar de novo a plateia, e encerram com um medley de Mantra, do Nando e Serpente, música do álbum Sete Vidas, dela de 2014. Confesso que achei uma escolha infeliz da dupla, poderiam ter fechado com maior estilo, enfim para o fã deve ter agradado. Outra nota negativa foi a não apresentação da super banda que acompanha PittyNando, mas já que eles não apresentaram, eu faço essa menção, tocaram com eles: Martin Mendonça na guitarra, Daniel Weksler na bateria, Paulo Kishimoto na percussão, Felipe Cambraia no baixo e Alex Valley nos teclados, a maioria velhos “infernais” do Nando Reis e exímios músicos.
Simplificando, PittyNando é um ousado projeto, diria até corajoso, onde os dois saem da zona de conforto, principalmente o Nando, já que o show é da Pitty, desde a parte visual até a direção musical, além dela estar esbanjando talento. O projeto tem diversos acertos (no caso desse show especifico, alguns problemas técnicos, quase imperceptíveis, mas que geraram desconforto), algumas invenções um pouco chatas, até porque mexer com músicas tão vibrantes e populares pode gerar críticas, mas não podemos negar que foi um prazer ver esses dois talentos juntos no palco se reinventando, se descontruindo e experimentando com quem realmente importa: o público. E dividindo as suas e já nossas canções com o povo e que, nesse caso, quase não sentou, cantou e se emocionou o espetáculo inteiro.
Crédito das fotos: Vívian Carravetta