Paulo Ricardo – Show Rock Popular em Porto Alegre

Uma das frases que eu mais gosto do rock nacional dos anos 1980 vem da canção Rádio Pirata, do RPM, no trecho em que Paulo Ricardo, com sua voz única fala em tom imperativo: “Dinamitar um paiol de bobagens’’, trecho atemporal e talvez única saída para nos livramos da mediocridade (ou seria ingenuidade?) do ser humano, que vive na mentira. Enfim, esse cidadão que foi um dos maiores fenômenos do Brock, flertou com uma carreira romântica e sabe explorar muito bem a potência de suas canções, fez um show único aqui em Porto Alegre. O Auditório Araújo Vianna recebeu sábado passado, em uma quente noite porto-alegrense, o show Rock Popular, onde Paulo Ricardo desfilou seus hits atemporais e o NoSet estava lá acompanhando .

Com um público menor que de costume, talvez motivado pelo feriadão, mas extremamente animadíssimo (aliás, tenho a teoria de que, às vezes, um show com menos gente é mais animado que um lotadaço, porque quem foi, é porque é fã do artista, não apenas um curioso turista endinheirado). Paulo Ricardo, com uma banda compacta com mais três integrantes, um painel no fundo com diversos rostos do cantor, lembrando Andy Warhol, chegou com tudo tocando Rádio Pirata (a do paiol de bobagens). Incrível como uma música de 1985 ainda provoca tanta emoção em quem assiste à vibrante execução da banda. Nota: Paulo Ricardo vestia uma jaqueta de couro, com uma regata por baixo e um kilt escocês, leia-se, saia xadrez, emulando, mesmo no alto dos seus 60 anos, uma época em que era um dos homens mais desejados do país. Louras Geladas segue o script e nesse momento ninguém mais ficava sentado e quem estava atrás foi para a frente do palco, num baile do Paulo. Herói Made in Brazil é um trabalho novo, com uma crítica política forte ao momento nacional, um rock forte e pulsante. Juvenilha, do primeiro disco do RPM, segue o show com arranjo igual ao da época e na próxima canção, ele revisita 2×100 ,canção de seu segundo álbum solo, Psicotrópico, de 1991. Diga-se de passagem, Paulo Ricardo continua cantando muito bem, com sua sexy voz rouca, seus chiados característicos e gritinhos indefectíveis, além de tocar muito seu baixo, com uma vibrante segurança e de estar em ótima forma, com sua simpatia única.

Paulo segue o show fazendo sua versão do clássico de Raul Seixas, Gîtâ, gravada em um álbum de covers dele dos anos 1990, versão descontruída, mas sempre eficiente. Depois segue com Imagine, de John Lennon, um privilégio de poucos, já que Yoko Ono não costuma autorizar  gravações da canção, e Paulo Ricardo foi um dos poucos que  conseguiu a benção da japonesa. Mesmo com aquele arranjo mais moderno e até dançante, não tem como não se emocionar ao ouvir esse hino mundial da paz. E com direito a inserção de One, do U2, no meio da execução. Momento sublime. A belíssima A Cruz e a Espada, uma das letras mais bonitas do artista, levanta o auditório de novo e a instrumental Naja, dos tempos do RPM, encerra a primeira parte do show. Impossível não citar a qualidade da banda, desde Tiago Gomes, nos teclados e afins, que consegue ter uma sonoridade idêntica ao Luís Schiavon, do RPM, ao ótimo guitarrista Ícaro Scagliussi e o seguro baterista Badel Basso.

Paulo Ricardo volta ao show com novo figurino, um terno rosa e, em formato acústico, toca um dos maiores sucessos da sua fase romântica, Tudo ou Nada, com arranjo meio country e depois surpreende tocando London London, sem teclados, em formato com violão. Esse megassucesso do RPM, composto por Caetano Veloso, e não deixando de ser uma homenagem a Gal Costa, que virou saudades esses dias e que foi a primeira a gravar a canção. Lindo momento do show. Segue então seu maior sucesso da carreira solo, a bonita Dois, cantada a plenos pulmões pelos seus fiéis fãs. Ovelha Negra, da rainha Rita Lee, fecha o bloco acústico do show, em uma competente versão com a cara do Paulo Ricardo.

Depois, já com outro figurino, Paulo Ricardo nos dá uma bela homenagem aos Secos e Molhados tocando Flores Astrais e Sangue Latino, num momento performático do cantor, com luzes e expressão corporal belíssima. Ela Chegou, música de 2018, transformou o Araújo numa pista de dança, com arranjo eletrônico e muitas luzes fazendo o povo dançar, e  sem parar emenda Pro Dia Nascer Feliz, do Barão Vermelho, seguindo o mesmo beat dançante. Uma verdadeira festa no coração do Parque da Redenção. Revoluções por Minuto, aquela que abria o antológico disco Rádio Pirata ao Vivo, do RPM, de 1986, que vendeu mais de dois milhões de cópias e nos impressionava que na China bebiam Coca-Cola e na esquina cheiravam cola, volta o clima oitentista ao show. Ela é seguida por Alvorada Voraz, aquela que denunciava escândalos de corrupção e crimes dos anos 1980, e como vemos, basta apenas mudar os nomes para a atualidade e as coisas continuam iguais. Ambas com os arranjos originais e executadas com extrema competência.

Par o bis eles retornam com Vida Real, trilha do amado e odiado Big Brother, música que muita gente da plateia torce o nariz, mas não podemos negar que, devido à proporção do programa, é extremamente famosa. E fechando o baita show, é claro, vem o Olhar 43. Com os slaps de baixo da abertura e o teclado cortante, Paulo Ricardo esbanja sensualidade na interpretação da gigante canção, com direito até a trocar uns “princesa” por “guria”, momento apoteótico, ainda mais para alguém como eu, que cresceu ouvindo esse disco ao vivo e tinha o RPM como os Beatles brasileiros, entre 1986 e 1987.

Nem o público, ao meu ver aquém do esperado, prejudicou o baita show do Paulo Ricardo, ao contrário, parece que ficou até mais vibrante e a simpatia e talento do cantor, compositor, baixista, performer (e por que não sexy symbol?), só colaborou para mais uma noite de muita música de qualidade. E aquele jargão meio batido de quem é rei nunca perde a majestade parece ainda servir pro Paulo Ricardo, que mesmo explorando muito o seu rico passado musical, e trazendo poucas novidades, já é o suficiente para realizar um grande show, e Rock Popular é um deles. Ainda mais num mercado musical infestado por bobagens e pouco a dizer.

 

Crédito das fotos: Vívian Carravetta.

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