O último final de semana – “A Despedida”

No dilema entre sobreviver e viver plenamente há muitos meandros, cada um tem seu ponto de vista, cada tem o seu conceito sobre a vida, sobre a saúde, sobre comportamento, sobre liberdade e sobre amor.

No filme “A Despedida” uma reunião de família é planejada e executada na intenção de dizerem adeus à matriarca, Lily, mas o final de semana envolve todos esses conceitos e muita coisa acontece, muito além do esperado.

O filme é de 2019, com direção assinada por Roger Michell. A história abordada não é inédita, ela foi adaptada do filme suíço “Silent Heart”, de 2016, de autoria de Christian Torpe, ele mesmo dez adaptação para a versão estadunidense.

Lily tem perdido os movimentos de parte do corpo, os médicos a avisaram que em poucos meses ela poderia precisar de ajuda mecânica para respirar e se alimentar, ou seja, quase um estado vegetativo. O diagnóstico, infelizmente, não é um exagero, o marido dela, Paul, que é médico, também chegou a mesma conclusão.

Essa notícia foi muito chocante para alguém como Lily, que sempre foi independente e ativa, por isso ela surge com uma ideia radical, mas que a confortaria: um suicídio assistido. Tudo planejado, para que ela não chegasse ao ponto de ficar dependente de máquinas e apenas sobreviver, não viver plenamente. A data se aproxima e ela decide reunir a família para um último final de semana, assim poderia se despedir de todos que realmente importam para ela: marido, filhas, “maridos”, o único neto e a melhor amiga da vida toda.

Em uma situação estressante como essa os conflitos entram em cena, problemas antigos e novos. Jennifer, a filha mais velha, é a certinha e controladora, seu marido, Michael, não é má pessoa, mas seu comportamento às vezes irrita o resto da família. O filho deles, Jonathan, tem 17 anos e está passando por aquela fase de escolher uma faculdade, o que é difícil com país como o dele. Embora seja o mais novo da família, é Jonathan quem consegue confortar o clima pesado da reunião, conversando com os avós. Ele sente também o acolhimento deles, sentindo-se a vontade para revelar algumas coisas que os pais não sabia dele, como sua escolha de profissão, que não era o que o pai tinha em mente.

Anna, a filha mais nova, é o completo oposto. Ela enfrenta problemas pessoais, nunca se encontrou em nenhuma profissão e nunca se deu muito bem com a irmã. Ela é abertamente lésbica e mantem um relacionamento de idas e vindas com Chris, que a acompanha no final de semana. Chris não só dá atenção a Lily e a Paul, como também se torna uma boa amiga para Jonathan. A fragilidade de Anna é sempre apontada por Jennifer, sem saber que isso poderia a afetar de forma séria, provocando a irmã até que o clima pese mais ainda. Liz, a melhor amiga da vida toda, parece ser uma estranha nesse cenário, mas ela é considerada como parte da família, tanto por Lily quanto por Paul, ela os conhece desde antes um conhecer o outro. Embora ela sempre esteja ali para ajudar, sua presença causa alguns conflitos, como a possibilidade de ela ser a amante de Paul.

A questão é que nenhuma das filhas querem ver a mãe cometer o suicídio, mesmo com todas as razões amplamente apresentados e explicados. Jennifer tenta se convencer que aquilo é a vontade da mãe, mas vez por outra levanta a possibilidade de adiar a data desse “compromisso”, já Anna alega que quer a mãe conheça melhor, ela sente que nunca forma próximas o suficiente. Paul é o porto seguro de Lily, ele se mantém firme na frente da família, tenta ser o mais racional possível, mas tem seus momentos de fragilidade. Uma das cenas mais bonitas é entre ele e Jonathan, ele explicando ao neto as razões de Lily ter feito essa escolha e como isso ocorrerá.

É uma história muito delicada, com muitas questões sérias envolvidas, mas que é passada com leveza, seja pela segurança e determinação de Lily em todos os seus argumentos, pelas explicações de enciclopédia de Michael, pela sinceridade de Chris, seja pelas cenas ensolaradas, em um cenário lindo (tanto a casa quanto a praia em que ela está localizada).

A questão moral é, possivelmente, o ponto mais sensível nessa adaptação, uma vez que não é procedimento permitido em todos os estados dos EUA, mas é na Suíça (de onde vem a história original), mas que abriu um leque para as dúvidas. A ameaça de que alguém ligasse para a emergência e isso interrompesse o procedimento sempre esteve no ar, virando quase uma moeda de troca em certo momento. O formato do filme se encaixou perfeitamente na história. O cenário principal é a casa de Lily e Paul, especialmente a sala de estar e a cozinha, com algumas cenas na horta, e o elenco é resumido aos 08 personagens, escolhido estrategicamente.

Lily é vivida por Susan Sarandon, famosa por clássicos como “Thelma e Louise”, “Adoráveis Mulheres” e o “Óleo de Lorenzo”, além de filmes mais leves, como “Encantada” e “O Casamento do Ano”.

Jennifer, a filha mais velha, é interpretada por Kate Winslet, conhecida por filmes como “Beleza Oculta”, “Steve Jobs”, a saga “Divergente” e, lógico, como a eterna Rose, de “Titanic”, e Marianne Dashwood, de “Razão e Sensibilidade”. Anna, a filha mais nova, é vivida por Mia Wasikowska, conhecida por “O Diabo de Todo Dia”, “Madame Bovary” e, claro, pelos filmes “Alice no País das Maravilhas” e “Alice Através do Espelho”. Paul, o marido, é interpretado por Sam Neil, famoso pelos clássicos filmes da série “Jurassic Park” e pelas participações em séries como “The Tudors”, “Alcatraz” e “Peaky Blinders”.

Liz, a amiga de toda vida, é vivida por Linday Duncan, conhecida por filme como “Sob o Sol da Toscana”, “Questão de Tempo” e “Birdman”, atualmente integra o elenco da série “A Descoberta das Bruxas”. Michael, marido de Jennifer, é interpretado por Rainn Wilson, conhecido pela causa da série “The Office” e outros trabalhos pontuais no cinema, além dos memes que estrela por causa da série. Jonathan, filho de Jennifer e Michael, é vivido por Anson Boon, um jovem ator conhecido por filmes como “Predadores Assassinos” e “1917”. Chris, a companheira de Anna, é vivida por Bez Taulor-Klaus, conhecida pelas séries “Arrow”, “13 Reasons Why” e “Deputy”.

Entenderam a estratégia? Foram selecionadas 03 grandes atrizes para liderarem o drama (Susan Sarandon, Kate Winslet e Mia Wasikowaska), um ator (Sam Neil) e uma atriz (Lindsay Duncan) coadjuvantes e peso semelhantes às protagonistas, intermediando os núcleos, um ator (Rainn Wilson) com timer cômico e potencial dramático, e uma atriz (Bez Taulor-Klaus) e um ator (Anson Boon) secundários com carreiras em ascensão.

A união desse elenco, montado assim, com a história bem escrita resultou um filme delicado e emocionante.

Até mais!

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