Nem seus sonhos estão seguros – “A Origem”

Você já teve a sensação de ter acordado, mas ainda está dormindo? Já se deu conta que estava sonhando?

Não, não irei falar de significado dos sonhos, de aspecto psicológico e cognitivo, isso vai muito além dos meus conhecimentos (embora eu até precisasse entender alguns sonhos). Vou falar de uma das obras primas do cinema “A Origem”.

Esse longa de 2010, indicado ao Oscar de Melhor Filme, dirigido por Christopher Nolan e com grandes nomes do elenco mexe com a mente e com aquilo de mais íntimo do ser humano, seus sonhos.

Imaginem que podemos nos infiltrar nos sonhos dos outros, extrair memórias e roubar segredos. Dom Cobb costumava ser um habilidoso ladrão de sonhos e talentoso arquiteto (ele construía os sonhos), procurado por homens de negócio para roubar segredos empresariais.

Só que ele mesmo não pode mais construir os sonhos, em seu subconsciente sua esposa, Mal, ainda vive e o assombra, por assim dizer, atrapalhando todos os planos. Na “vida real” Cobb também é assombrado, ele é acusado pela morte de Mal e não pode voltar para os EUA, viver com seus filhos.

O grande empresário Saito faz uma oferta irrecusável, Cobb tem que implantar uma ideia na mente do filho de seu maior rival nos negócios, Robert Fisher. Ele está para herdar as empresas do pai, mas seus planos podem atrapalhar os planos de Saito, por isso o objetivo é o fazer mudar de ideia.

Em troca, Saito oferece a Cobb a possibilidade de que as acusações sobre ele sejam retiradas e aí ele poderá voltar para os filhos.

A questão é: extrair e roubar ideias é “fácil”, implantar é uma missão quase impossível. Cobb sabe como fazer, mas precisa de uma equipe, começando pelo seu braço direito, Arthur, o armador.

Para arquitetar os sonhos eles encontram a jovem (e tão talentosa quanto Cobb) Adriane (a arquiteta). Para ganhar a confiança do alvo eles precisam de alguém de possa se disfarçar nos sonhos, passando-se por outra pessoa, para isso eles têm Eames (o falsificador).

Para que uma ideia seja implementada eles precisam 03 níveis de sonhos e, para que isso seja possível, é preciso de um sedativo específico, que somente Yusuf (o químico) é capaz de produzir. A equipe estaria completa, mas Saito quis fazer parte de todo o processo, tornando-se o turista (e quase se dando mal por isso).

O plano começa no voo de 16h até Los Angeles, que, sem perceber, eles abordam Robert, drogando-o e fazendo com que todos entram no sonho de Yusuf.

Nesse sonho Robert é sequestrado pela equipe (cobrem os rostos), Eames se passa pelo padrinho dele e o faz pensar que o pai tinha um testamento, nele tinha algo relacionado aos planos para as empresas. Isso fez com que Robert ficasse ainda mais inseguro no relacionamento com o pai.

Eles entram no segundo sonho, de Arthur. Eles estão em um hotel, o objetivo é fazer com que Robert pense que o padrinho é um traidor. Cobb ganha a confiança dele e o faz pensar que estão atrás da senha de um cofre, com isso conseguem que Robert siga para o terceiro sonho com eles.

Dessa vez quem está sonhando é Eames. Eles estão em uma fortaleza na neve, o cofre esconde o leito de morte do pai de Robert e um cofre menor, onde estaria o tal testamento.

Antes de Robert descobrir isso Mal entra em ação, “mata” Robert. A equipe tem que pensar em um plano intermediário, para conseguirem voltar ao principal. Adriane, Robert e Cobb entram no sonho dele (o limbo), fazendo com que Cobb enfrente sua eterna sombra: Mal e as circunstâncias de sua morte.

Cada sonho tinha um “chute” (kick), algo que avisasse que eles teriam que acordar daquele sonho, fazendo o caminho inverso até o avião. Para saírem do limbo Adriane e Robert saltam de um prédio, Cobb é atingido por um tiro, voltando para a fortaleza de neve.

Para saírem da fortaleza de neve Eames tem que a explodir. Para saírem do hotel Arthur precisa colocar todos no elevador e o explodir. Para saíres do sonho de Yusuf ele precisa jogar a van em que todos estavam da ponte.

Eles eram habilidosos para entrar no sonho, para sair nem tanto!

Eles conseguem concretizar o plano inteiro e Cobb conquista sua liberdade … Aparentemente … O filme termina de forma inconclusiva.

Cobb, Arthur, Eames e Adriane carregam consigo símbolos, totens. São objetos que o fazem saber se estão sonhando ou não. O de Cobb foi “herdado” de Mal, um peão. Reza a lenda que se o peão não parasse de rodar é porque eles estavam sonhando, mas nada nesse filme é uma certeza.

Quer mais uma dúvida para a lista: o totem de Cobb era mesmo o peão ou a aliança dele? Quando ele está sonhando, ele sempre está de aliança, diferente da vida real, que ele deixou de usar quando Mal morreu.

Mas, sinceramente, a beleza desse filme não é o final, é toda a história contada, cada detalhe milimetricamente pensado, tudo tendo significado, por menor que seja. Se ele estava sonhando ou não no final do filme não muda esse fato. Chamo de obra de arte justamente por esses detalhes.

Algumas cenas desse filme são bem conhecidas, especialmente a de Adriane criando o primeiro sonho, vendo seus limites. O que é bem interessante, deve encher os olhos de arquitetos e artistas plásticos mundo afora. Me faz ficar tonta, mas vejo beleza nelas.

Mas a sequência que mais me chamou atenção, aliás, que me deixou completamente encantada pelo filme é a que brinca com a gravidade. A van caindo em câmera lenta para eles saírem do segundo sonho tira a gravidade do sonho do hotel.

O que isso quer dizer? Arthur precisa lutar incansavelmente para, sozinho, tirar toda a equipe (ligada pelos fios que injetam o sedativo) inconsciente do quarto e colocar no elevador, tudo isso sem gravidade. É realmente encantador ver as coisas se desenrolando nessa sequência.

Esse filme poderia ter se tornado cansativo, são 2h28 de duração, muitos detalhes, que podem confundir, algumas pessoas podem até desistir de assistir. Mas tem uns elementos que nos fazem prestar atenção e (no meu caso) nem perceber que ele é tão longo.

Vou citar dois, porque eles se conectam: humor bem colocado e elenco bem escolhido.

Ainda incluo a direção, embora eu não seja muito entendedora disso, ainda não sei valorar o trabalho da direção como deve ser nem diferenciar muito um diretor do outro. Até pouco tempo eu só sabia identificar filme de Tarantino, mas agora já falo um pouco a linguagem de Christopher Nolan.

Mas voltando para os dois elementos … Uma história densa precisa de um alívio cômico no ponto certo, que alivie a atmosfera, mas que também não desvie muito o foco. No caso de “A Origem” temos Eames, que implica o filme inteiro com Arthur, presenteando o público com cenas como da metralhadora automática.

E por quê funciona? Entremos no segundo elemento: elenco!

Vou começar por Eames e Arthur, porque esse bromance sem desenvolvimento eu shippo.

Eames é vivido por Tom Hardy. Ninguém melhor para dar esse toque de humor com força bruta, ele já brilhou no cinema em “Rock’n’rolla”, “Sucker Punch”, “Mad Max”, “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressuge”, “O Regresso” dentre outros. Na tv ganha atenção como Alfie em “Peaky Blinders”.

Arthur é vivido por Joseph Gordon-Levitt, ele também tem intimidade com o humor, mas consegue ser o moço certinho e metódico. Já sofremos e nos emocionamos com ele, primeiro no clássico adolescente “10 Coisas que Odeio em Você”, depois em “500 Dias Com Ela”, “50/50” e “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge”.

O cérebro de toda a operação, o ladrão de ideias e sonhos, é ele, aclamadíssimo, Leonardo DiCaprio … um momento para recuperar o fôlego (é a primeira resenha que falo dele, mas amo desde sempre) … Preciso citar os trabalhos dele ainda?

Mais e mais ele se mostra que não é só um rostinho bonito (e põe bonito nisso), seu talento é incomparável, vai desde algo tão dramático e sério como Cobb ou no filme “O Regresso” até uma comédia quase escrachada como “O Lobo de Wall Street”.

A sombra de Cobb, Mal, é interpretada por Marion Cotilllard, que vem provando a sua essência dramática desde que viveu Édith Piaf em “La Vie Em Rose”, mas também aparece em filmes como “Meia Noite em Paris”, “Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas” e até em “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge”.

Um fato curioso (não sei se foi intencional) é que a trilha sonora de “A Origem” é majoritariamente a música “Non, Je Ne Regrette Rien”, de Édith Piaf, tocada em uma melodia bem lenta por Hans Zimmer.

A arquiteta, Adriane, é vivida por Ellen Page, mais uma que poderia ter sido ponto cômico, por também saber fazer isso, mas foi mantida como o ponto de consciência de Cobb, a única que tem coragem de o fazer enfrentar Mal. Ela é conhecida por filmes como “Juno”, “X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido” e “Peacock”.

O turista, Saito, é interpretado por Ken Watanabe, conhecido por “O Último Samurai” e “Godzilla”. Já o químico é Dileep Rao, conhecido por “Avatar”, dentre outros trabalhos na TV.

O alvo, Robert, é vivido por Cillian Murphy. Sim, já falei dele aqui (resenha de “Anna”) e vou continuar falando, porque virei fã desde “Batman Begins” e agora estou conseguindo assistir mais trabalhos com ele, como “A Origem”, os outros filmes da saga de Batman e “Peaky Blinders” (vou fazer resenha da série, falarei mais dele e de Tom Hardy nela).

Para completar esse elenco de peso, eles ainda contam com a participação de Michael Caine, como o sogro de Cobb e professor de Adriane. Entre os trabalhos memoráveis dele estão os da saga de Batman.

Perceberam uma “coincidência”? Tom Hardy, Joseph Gordon-Levitt, Marion Cotillard, Cillian Murphy e Michael Cane estão em um ou em todos filmes do Batman da era de Nolan-Bale … Parece que o diretor gostou de trabalhar com algumas pessoas (e tem outros filmes com parcerias de alguns desses nomes).

É, o jeito que Nolan cobre o rosto de Cillian Murphy e torna Marion Cotillard uma vilã é diferente … é genial às vezes.

Sugiro assistir “A Origem” com calma, se for necessário assista de novo (eu farei isso), é um filme para prestar atenção e pensar, não é para assistir rapidamente.

E aí, que tal um salto de fé em um filme complexo?

Até mais!

A a fonte da imagem em destaque é do IMDb.

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