Às vezes é difícil julgar o ser humano por suas falas e atitudes, mas no caso do Lobão, infelizmente, ele paga pela metralhadora verborrágica que se tornou nos últimos anos. Ele consegue a proeza de ser odiado pelos dois lados nesse Brasil dividido a anos, pela torcida política que nos tornamos. E ele sofre por um fenômeno quase acéfalo de misturar o cidadão, suas ideias, suas opiniões com sua arte, fazendo com que se tal artista não torce por tal lado no jogo político, sua arte, por mais grandiosa que seja, é abominada, jogada no lixo ou, usando um termo da moda, cancelada. Lobão e os The Vanishing Volcanos, ele e mais dois músicos, fizeram um show na noite passada de sábado no Araújo Vianna em Porto Alegre, com uma casa praticamente vazia, mas em contrapartida, quem foi prestigiar o velho Lobo fez sua parte e tratou de animar o local, transformando o Araújo Vianna em quase uma festa particular de amigos assistindo um dos maiores nomes do rock brasileiro. E Lobão não decepcionou, com guitarra em punho, inúmeros hits, outros nem tanto, mas de igual qualidade, ele fez sua festa com um som cru, pesado e extremamente competente.
Lobão em um garboso terno entrou no palco para apresentar seu show O Magma do Rock e começou o espetáculo com O Jogo Não Valeu, canção de 1995, com sua energia única, pouco se lixando pro público reduzido e sim respeitando quem foi lá curtir a sua arte. Decadance Avec Elegance, da época dos Ronaldos segue o show fazendo o auditório cantar junto o sucesso de 1984. Vindo em sequência É Tudo Pose, outro petardo que antecede o clássico Canos Silenciosos, obra prima do hedonismo brasileiro, porque afinal é sempre prazeroso deixar a noite rolar, mesmo que a polícia não ajude, às vezes. O Rock Errou, de 1986, completa esse primeiro bloco. E aí Lobão conta uma história com Cazuza e suas aventuras pelo Rio dos anos 1980, e emenda uma parceria deles, a ótima Baby Lonest.
Lobão, diga-se de passagem, anda de bem com a vida, brinda com a plateia, bebe, conta suas histórias com sua voz cavernosa indefectível, diverte e filosofa, um show à parte sua performance, além é claro, de estar tocando muito guitarra, com peso, suingue, melodia, parece que o tempo só fez bem pra sua técnica instrumentista.
Segue canções mais pessoais, mas muito esperadas pelos seus fãs, os poucos que foram realmente conhecem a rica obra dele, e nesse segundo ato ele canta sua ode ao Rio, Samba da Caixa Preta, chama a oitentista Robô/Robôa e as fortes e raivosas O Homem Bomba e A Queda. Com Sozinha Minha, de 1998, ele homenageia a esposa dele, o amor da sua vida, segundo suas palavras, e mostra o lado romântico do polêmico cantor. Os anos 1980 voltam com a divertida Tô a Toa Tokyo, para o delírio de quem nunca saiu daquela incrível década.
Chega a vez de desfilar sucessos do seu primeiro disco independente, onde ele era a primeira voz a brigar com as gravadores, e emenda Mais Uma Vez e A Vida é Doce, dois êxitos daquela empreitada. Vale ressaltar a qualidade dos Vanishing Volcanos, com Guto Passos no contrabaixo e Armando Cardoso na bateria. Um power trio com extrema competência, direto, cru e pesado, com uma sonoridade rock and roll que faz falta em alguns shows tão plastificados de hoje em dia. E depois do bloco do disco de 1999, A Vida é Doce, Lobão faz seu momento romântico pra casalzinho dançar junto e namorar, tocando três clássicos do seu lado sentimental e lírico, Por Tudo que For, Noite e Dia, e é claro, o super clássico Me Chama, com a casa cantando junto essa música tão atemporal e marcante, além de Lobão mais uma vez esmerilhar na guitarra. Belo momento.
Vou Te Levar antecede sua homenagem pessoal ao Clube da Esquina (disco que foi considerado o melhor da historia do Brasil em votação recente) e Lobão faz uma interessante releitura de Trem Azul, de Lô Borges.
Revanche, sucesso da década do Brock, é antecedida de mais um dos causos do cantor, nesse caso homenageando Elza Soares que gravou com ele uma canção em 1986, justamente no dia que perdeu um filho. Histórias da música popular bem brasileira. Depois, mais uma vez ele surpreende, tocando com precisão uma viola caipira, a canção Disparada de Theo de Barros e Geraldo Vandré e imortalizada nos festivais na voz de Jair Rodrigues. Interpretação incrível. Aliás, nota-se um tom quase de homenagem de Lobão aos amigos que partiram, que viveram com ele, todos lembrados em canções, parcerias e histórias, uma ode aos que já foram, mas nunca deixando-se tocar pela melancolia, com o cantor sempre brindando à vida, um Lobão mais leve e humano. Segue então três sonzaços, o primeiro O Tempo Não Para, do seu grande amigo Cazuza, depois uma música própria, que segundo Lobão, Cazuza espiritualmente tomou dele, a linda Vida Louca Vida, e por fim, a homenagem a sua estada em Bangu, presídio do Rio, com a visceral Vida Bandida. E pro gran finale, pré–bis, manda seu maior sucesso radiofônico, Rádio Blá, fazendo todos os seus verdadeiros fãs transformarem o espaçoso Araújo numa pista de dança. Pro bis ele homenageia Renato Russo com Eu Sei, embalando a dançante Essa Noite Não e fechando com chave de ouro com seu outro sucesso pop perfeito, Corações Psicodélicos, onde a festa, se não era no meio da floresta, era dentro do Araújo, no Parque da Redenção. Lobão fez um grande show, de responsabilidade, com uma competência enorme, mostrando que é um dos grandes nomes da música popular brasileira e se sua boca paga por gente que hoje o abomina, sinto dizer que ele ainda está aí firme, verborrágico, visceral, pesado, mas com discurso mais leve e elegante, e ainda mostra o por que tem seu lugar de honra no panteão dos grandes da geração que surgiu em 1982 pro mundo. Porque, afinal, se apenas opinião política fosse o mais importante, teríamos que achar o Detonautas a coisa mais brilhante do mundo, mas arte por arte, prefiro a do Lobão.
Crédito das fotos: Vívian Carravetta