A Gigantesca Barba do Mal: um basta à rotina. Via Social Comics.

A Social Comics tem um ponto extremamente positivo que é o de dar acesso às publicações mais diversas e interessantes dos quadrinhos. A Gigantesca Barba do Mal é uma das mais interessantes que encontrei até o momento. Na verdade, recebi muito tempo atrás a recomendação da leitura da HQ e, finalmente, tive a oportunidade de lê-la.

A história básica fala sobre o comodismo e a massificação de ideias. Há um homem, igual a tantos outros, cuja rotina é simples e igual a de todos. Ele trabalha, mora em uma casa idêntica às demais da vizinhança. Para se igualar mais, o protagonista, Dave, segue as mesmas diretrizes de seus vizinhos e colegas de trabalho. Algumas das cenas incomodam por causa da impressão de que estamos vendo uma “linha de produção”, onde todos agem quase de forma robótica.

As cenas refletem muito do cotidiano atual. Homens e mulheres com as faces voltadas às telas dos smartphones, apressados para chegar ao trabalho e, via de regra, indiferentes ao que acontece ao seu redor.

Há um isolamento que todos usam como escudo. Nesse isolamento, as pessoas tentam se manter alheias ao mal que os cerca. Assim, Dave usa o trabalho como forma de escape ao medo que sempre volta quando está Lá (assim ele denomina seu lar). Então, ao chegar em Aqui (o trabalho) ele tem a clara sensação de que está seguro, distante de seus temores. Essa utilização das palavras Lá e Aqui é também muito interessante no início da trama, uma vez que o Lá é citado como a extremidade após o término do Mar e o Aqui é a casa dele. Enfim, o Aqui é para Dave o lugar no qual ele, no momento, sente-se seguro.

O autor trabalha esse isolamento com imagens bem comuns aos tempos atuais. Desde o fone de ouvido até o já citado smartphone, todas as ferramentas para evitar o contato com o próximo são destacadas.

Entretanto, Dave tem algo que o diferencia dos demais, a curiosidade e a observação. Ele desenha aquilo que acha ‘organizado’ em sua rua. Horas se passam enquanto ele observa o fluxo de pessoas, animais e objetos que surjam. Através de sua contemplação, ele foge por alguns momentos de sua fobia do Mar, um lugar que ele acredita esconder coisas terríveis.

É visível a influência do clássico Mito (ou Alegoria) da Caverna, de Platão. As pessoas são felizes ao se manterem em seu mundinho, presas à segurança que a rotina traz. Sem desafios, polêmicas ou questionamentos, apenas fixas no cotidiano que é tão característico das grandes metrópoles.

Uma curiosidade está na citação à música Eternal Flame, do The Bangles, cujo conteúdo fala de alguém que tem a solidão quebrada com a consolidação de um grande amor. Dave tem a mania de por esta música e ouvi-la incessantemente.

A música o acompanha em seus momentos de lazer ou descanso. Quando vai almoçar, ele pede sua comida e põe os fones de ouvido para ouvir novamente Eternal Flame. É uma forma de fugir dos pensamentos sobre o Lá… que nem sempre dá certo.

E havia um pequeno detalhe em Dave que o incomodava. Ele tinha um pequeno pelo na região labial. Esse pelo era persistente e, mesmo diante de pinças, lâminas ou depilação, sempre crescia de novo. É a partir desse pequeno pelo que tudo na vida de nosso protagonista mudará.

O homem que era “mais um na multidão” se torna o alvo (literalmente) das atenções e do escárnio de todos. Dave ganha uma grande barba que não para de crescer. Ela o transforma em alguém diferente do Status Quo. Essa diferença o põe à margem da sociedade, transformando-o em um pária.

Com seu visual modificado, Dave passa a ser motivo de estudo. Alguns o temem, outros o odeiam, outros apenas contemplam. O que importa, no final, é que ele é posto em uma evidência negativa, contra sua própria vontade. Sua barba é um atrativo por ter um poder destrutivo inigualável. E o que seria o alvo de tanta destruição? Pessoas, ideais, ideias ou a rotina? Quem seria o motivo para o surgimento da Gigantesca Barba do Mal? Mais do que isso, ela era realmente má?

O que vocês verão é uma mudança radical no comportamento dos cidadãos e da própria cidade. Tudo se alterou em função da barba de Dave e dos “traumas” que ela trouxe consigo. Na verdade, a barba veio para, assim como um profeta, anunciar que há uma verdade à frente dos olhos das pessoas, basta que elas os mantenham abertos para enxergar. E outra lição permanece: algumas mudanças são para sempre.

Essa não é uma típica leitura de quadrinhos onde tudo está explicado ou quase. A leitura é envolta em parábolas e reflexões sobre temas delicados como a fé, a rotina, o domínio da tecnologia, o isolamento, status quo, fobias e muitos outros. Eu aguardava uma leitura boa, porém me deparei com uma fábula feita com amestria, cujo conteúdo leva o leitor a pensar, algo pouco em prática nos dias de hoje.

A Gigantesca Barba do Mal foi publicada fisicamente pela Editora Nemo, também responsável pela obra Pílulas Azuis, cuja resenha vocês acessarão através do link. A Graphic Novel foi indicada ao troféu HQ Mix na categoria Edição Especial Estrangeira.

 

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