Crítica: Festival do Amor

Costumo dizer que um filme do Woody Allen, por menor (leia-se pior) que seja, é muito melhor que a grande maioria dos abacaxis lançados atualmente no cinema ou nos canais de streaming da vida. Infelizmente, a cultura do cancelamento esvaziou os filmes do genial cineasta, que cada vez mais tem dificuldade em achar um elenco disposto a se “queimar” e filmar com ele, além da negativa de certas produtoras para fazer a distribuição dos seus filmes, fazendo as portas cada vez mais se fecharem para o octogenário realizador. Mas ainda bem que sua paixão tocante pelo cinema e sua vontade de produzir são maiores que seus percalços e Allen, com quase dois anos de atraso desde sua realização, conseguiu recentemente estrear sua nova obra, mais precisamente seu quadragésimo nono filme, intitulado Festival do Amor (Rifkin’s Festival).

A película conta a aventura existencial de Mort Rifkin, um pedante, neurótico e extremamente hipocondríaco professor de cinema, que sai de Nova York para San Sebastian na Espanha, no intuito de acompanhar sua esposa Sue, que agencia um jovem e promissor diretor francês, Phillp, no charmoso festival de cinema da cidade. Em terras espanholas, Mort começa a refletir sobre sua vida e começa a ver que seu relacionamento está por um fio, com sua mulher cada vez mais fascinada pelo francês, mas ao mesmo tempo, em uma rotineira consulta em suas inúmeras crises fantasiosas de saúde, conhece a doutora Joanna Rojas, que dá um sopro de encantamento na sua medíocre vida.

Amor e homenagem ao cinema podem definir esse último filme do genial Woody Allen. Aliás, homenagear o cinema sempre foi pauta dos seus filmes e com Festival do Amor o diretor mais uma vez demonstra toda sua paixão pela arte. A vida do seu alter ego Mort (Wallace Shawn) é dissecada e analisada com citações a clássicos do cinema de arte. Temos referências a Fellini (8 e ½), Buñuel (Anjo Exterminador), Truffaut (Jules e Jim), Godard (Acossado), Orson Welles (Cidadão Kane) e Bergman com Persona e Sétimo Selo. Recriando cenas clássicas do cinema até a vida pacata do chatonildo (mas engraçadíssimo) Mort fica literalmente cinematográfica. Wallace Shawn, a sua maneira, consegue nos dar um espelho de Allen, de uma atuação muito segura, claro que está ali o hipocondríaco, o desconfiado, o ácido, o apaixonado, todas características do diretor, tão conhecidas nos seus filmes, mas o veterano ator consegue cativar por seu peculiar humor, dando seu toque pessoal no eterno tipo dos filmes de Allen e acaba nos passando uma  verossimilidade ao personagem, tendo uma destacada atuação. De resto de elenco, Elena Anaya está bem como a doutora Rojas, musa espanhola de Mort, Sue, sua esposa, é interpretada por Gina Gershon em uma boa atuação e o diretor francês ganha vida com Louis Garrel, discreto no papel. Destaque para as atuações de Christopher Waltz, como a morte que desafia Rafkin para um jogo de xadrez e uma participação do eterno Mahoney do Loucademia de Polícia, Steve Guttenberg, como o irmão do critico.

As deslumbrantes paisagens de San Sebastian tem o tratamento caliente do diretor de fotografia Vittorio Storaro, que abusando da luz do dia dá um clima quente às imagens, fugindo um pouco do padrão mais sombrio dos filmes de Allen, sendo talvez o filme que mais soube explorar as belíssimas locações, quase em tom de cartão postal. Falando do filme, é claro que um cara que fez quase meia centena de filmes, na comparação com outras obras do artista, Festival do Amor não entraria na casa dos melhores filmes dele. O roteiro é bom, mas as piadas vão enfraquecendo com o decorrer do filme e parece que em sua meia hora final, se arrasta e apenas cumpre tabela. Mesmo as emocionantes citações às vezes se perdem um pouco, tornando o filme um pouco do mais do mesmo e uma sensação de déjà vu, que já vimos isso tudo em algum lugar das obras passadas do diretor.

Mas enfim, Festival do Amor é um filme de nostalgia e lembranças, uma ode ao cinema, que se peca por pouco brilhantismo e originalidade, ainda consegue emocionar aos cinéfilos e principalmente aos fãs de Woddy Allen, que ainda tem (como eu, é claro) o prazer de por mais de uma hora e meia se divertir e se encantar com o cinema único dele, e por mais repetitivo que seja, mantém seu charme e nos prende com seus questionamentos existenciais. Em uma cena Mort questiona filmes de guerra que buscam a paz e dá uma tirada ótima: mesmo que acabassem todas as guerras e conflitos, ainda teríamos as dúvidas do tipo para onde vamos e por que estamos aqui, o amor, com a busca ou a perda dele, ou seja, questões tão humanas e aparentemente banais, mas que só Allen, com seu jeito único, consegue passar tão bem em imagens para as telonas. Enfim, Festival do Amor é ruim? Longe disso, mas também fica distante de ser uma obra prima, sendo “apenas” mais um filme de Woody Allen, porém esse apenas, além de ser muito melhor que a média dos filmes atuais, pode ser considerado obrigatório conferir.

Mais do NoSet