Era uma vez em… Hollywood. Tarantino usa humor e bom cinema para recontar a História.

Quentin Tarantino é um diretor talentoso. Algumas de suas obras são referência quando o assunto é cinema. Várias cenas de seus trabalhos estão gravadas na mente e na história do cinema. Isso, contudo, não é certeza de amor incondicional por parte de todos. Afinal, agradar a todos é uma tarefa quase impossível.

E não foi diferente com Era uma vez em… Hollywood, seu mais recente trabalho que conta com um elenco estelar e atuações marcantes.

Adianto para os mais apressados que o filme é – para mim – uma aula de cinema onde podemos ver vários traços de suas obras anteriores e uma clara demonstração de que dirigir um filme é simples para quem tem o conhecimento e a experiência para empregá-lo.

Antes de prosseguirmos, vamos assistir ao trailer para que compreendam melhor as análises que farei a seguir. Isso, óbvio, sem o uso de spoilers.

O roteiro.

Escrito pelo próprio Tarantino, o longa conta com uma trama que engloba os bastidores de produções “Hollywoodianas” e também uma visão mais realista da vida dos astros e estrelas do cinema e seriados de TV no final da década de 60(mais precisamente o ano de 1969). Essa visão mais crua é um prato cheio para a inclusão de um humor pesado (e muito bem aplicado), assim como se torna uma ferramenta para reescrever certos trechos da História que – para muitos – deveriam nunca ter ocorrido.

O foco do roteiro está na amizade entre o ator Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e seu dublê Cliff Booth (Brad Pitt). Em segundo plano, mas não menos importante, o espectador acompanhará um pouco da vida da atriz Sharon Tate (Margot Robbie), seu relacionamento com Roman Polanski (Rafal Zawierucha) e a aproximação do sorrateiro Charles Manson (Damon Herriman). Atenção ao elenco estelar que traz nomes como Al Pacino, Kurt Russell, Luke Perry, Bruce Dern, Dakota Fanning, Nicholas Hammond, Michael Madsen, Emile Hirsch, Timothy Olyphant, Austin Butler, Margaret Qualley, Mike Moh e outros.

Polêmica.

Um filme de Tarantino não é para qualquer um. Suas tramas sempre envolvem um nível pesado de violência gráfica, diálogos ácidos e personagens que nem sempre estão muito preocupados com o politicamente correto.

Em Era uma Vez em… Hollywood, a polêmica ficou por conta da cena onde Bruce Lee enfrenta o dublê (e ex-combatente) Cliff Booth. A polêmica ficou por conta do desfecho da luta, porém é preciso lembrar que estamos falando de uma obra fictícia, cujo teor é apenas o de entreter e mostrar – como disse no início do post – uma versão diferente da História.

Apesar disso, Tarantino não se mostrou arrependido de ter incluído a cena que, garanto, é uma das mais divertidas de todo o filme. Impagável!

A vida como ela é.

O filme se destaca pela ausência de pudor ao retratar as vidas de personalidades do cinema mundial. As personagens de DiCaprio e Pitt são de uma crueza que impacta, mas isso é perfeitamente plausível, já que estamos falando de seres humanos… e todas as falhas que estão inclusas em qualquer pessoa.

Não há pudor em mostrar astros arrogantes, drogas, sedução e o cotidiano de pessoas que são consideradas “deuses” pelo público, contudo são apenas homens e mulheres que têm os mesmos problemas, vícios e medos que outras pessoas “normais” têm.

Esse realismo está destacado no cotidiano de Sharon Tate, Rick e Cliff, personagens que não escondem seus problemas pessoais, os temores, alegrias e até mesmo a ausência de glamour quando não estão diante das câmeras. Tarantino fez questão de destacar que pessoas – ricas, pobres, famosas ou anônimas – são comuns em seus momentos de solidão ou nas horas de folga. Ninguém deixa de ter problemas apenas por ser famoso.

Em alguns pontos, a impressão que temos é a de que Rick (DiCaprio) irá morrer de tanto fumar…

E já que o tema é o ano de 1969, não tem como fugir dos movimentos da época, principalmente os Hippies. Estes estão presentes em toda a trama e ganham destaque através das caroneiras e do rancho de Charles Manson. Claro que maconha, sexo e liberdade eram conceitos intrinsecamente ligados e presentes nessa cultura alternativa. Aliás, as caronas só caíram em desuso após o advento do surgimento dos serial killers, em especial Ted Bundy (leia a crítica do filme através do link para compreender melhor esse contexto).

Retratando uma época.

Tarantino foi muito correto na ambientação e no vestuário da época. Automóveis, casas e até mesmo aviões são mostrados como eram em 1969. A cultura daquele tempo também é vista de forma bastante convincente por meio de propagandas, cinemas e, sobretudo, a trilha sonora. As músicas movem o longa-metragem e dão alma a algumas cenas. O uso de cenas em Preto e Branco dá destaque especial a algumas tomadas.

A inspiração do western, principalmente do western spaghetti, está misturada nos trejeitos dos protagonistas Rick e Cliff, já que ambos oscilam e se alternam entre o astro decadente e o brucutu. O nível de amizade e fidelidade entre eles é uma característica de amigos oriundos de tempos difíceis.

No filme há a presença de linda garotas (que mal saíram da adolescência) que não se preocupam muito com quem se relacionam, o que usam (drogas) e como isso pode afetá-las no futuro. Valendo-se do conceito desvirtuado de liberdade, elas se mostram inconsequentes, manipuláveis e sedutoras. Algumas das mais belas fazem parte do rancho de Charles Manson que, aliás, não tem sua vida destrinchada no filme. Esse não é um filme sobre o monstro que influencia e estimula seus seguidores a matarem, mas o final do filme mostra – como vocês jamais irão imaginar – a invasão dos assassinos sob outra perspectiva. Impagável!

Um dos pontos altos da história está na inclusão de pôsteres de filmes onde Rick Dalton atuou. O apuro dessas obras mostra o quanto o diretor se esforçou para entregar uma obra cinematográfica única.

Crise.

Em meio a festas, encontro com agentes e uma conturbada carreira, Rick Dalton se mostra um cara frágil, cujos vícios por cigarro e bebidas apenas acalmam seus problemas. Ele tem muito medo da perda da fama e é um homem muito diferente daqueles que interpreta. Essa personagem serve para ilustrar o quanto a fama e o dinheiro podem ser voláteis. O sofrimento de Rick e sua vontade em prosseguir na carreira me trouxeram à memória um pouco da trajetória de Robin Williams, mas há certamente outros atores que decaíram em função da saída gradual dos holofotes e do sucesso que eles trazem.

Em contrapartida podemos ver a linda Sharon Tate no auge de sua carreira. Ela é a imagem do sucesso e objeto de desejo de incontáveis homens. Tate tem uma cena de destaque nesse novo filme do Tarantino que a mostra como uma atriz que precisa descobrir a reação do público diante de um filme dela. Apesar de não ter sido muito exigida no papel, Margot Robbie é a Sharon Tate definitiva.

Pés.

Sim, meus amigos. Tarantino já mostrou que gosta de pés femininos e provou isso em filmes como à Prova de Morte, Jackie Brown, Kill Bill e Um Drink no Inferno. Entretanto, em Era uma vez em… Hollywood, o menino levou sua paixão/fetiche ao extremo. Margot Robbie é uma das que presenteiam a plateia com seus pés lindos e sujos em uma sessão de cinema. Cena marcante.


E ele disse: haja luz!

Tarantino surpreendeu o público ao criar uma cena onde alemães nazistas, incluindo Hitler, eram incinerados no filme Bastardos Inglórios. Ele novamente se vale dessa “liberdade poética” para criar um novo desfecho para o caso Tate. O crime que chocou a sociedade americana no ano de 1969 teve sua trajetória alterada para algo que vocês dificilmente imaginarão.

Podem acreditar em uma coisa: só essa passagem do filme na Cielo Drive já vale o ingresso.

Atriz mirim.

Outra atuação de destaque ficou por conta de talentosa e carismática atriz Julia Butters. A pequenina deu vida à personagem que contracena com Rick (DiCaprio) e estabelece um diálogo interessante e maduro. Ela mostra grande força interpretativa e marcou presença no filme, além de surpreender pela maturidade diante das câmeras.

Cena pós-créditos.

Depois de curtirem os altos e baixos de Rick, um pouco da intimidade de Sharon Tate, os bastidores da seita satânica de Charles Manson, os ensinamentos de Bruce Lee a Sharon, a forma bruta e sincera de Cliff, nada mais justo que uma cena pós-créditos para fechar a obra com chave de ouro. Sendo assim, o diretor inseriu uma interessante propaganda dos cigarros Red Apple (outras aparições em filmes do diretor já ocorreram) que termina da forma mais hilária possível, protagonizada pelo próprio Rick Dalton (Leonardo DiCaprio).

Bem, após tudo que expus, creio que só lhe resta uma opção: ir ao cinema e se divertir com essa novíssima obra de Tarantino que mostra mais maturidade na direção, sem que isso implique em dizer que ele abandonou seu estilo “Tarantinesco”.








 

 

 

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