Ted Bundy – A irresistível face do mal: as aparências enganam… e matam.

Infelizmente ainda somos guiados pelos olhos. É notório que as aparências ainda ditam se há empatia entre pessoas, principalmente quando o assunto é relacionamento amoroso. Foi com base nessa premissa que um dos mais famosos e cruéis serial killers dos Estados Unidos fez dezenas de vítimas.

Theodore Robert Bundy era o estereótipo do homem com um futuro brilhante: estudante de direito e psicologia, bem articulado com as palavras, bonito e carismático, ele seduzia com uma facilidade incomum. Ao unir o visual, as boas palavras e a aproximação furtiva de um predador, Ted Bundy cativou o coração de várias mulheres e, infelizmente, fez 36 vítimas fatais (número que pode chegar a mais de 50 facilmente).

Agora sua capacidade de sedução e mentira está retratada no excelente filme Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal (Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile) que já estreou e conta com um elenco competente, ótima direção e um roteiro que busca distanciar o espectador das atrocidades em si, mas o aproxima da mente e metodologia de um assassino frio, mentiroso e capaz de plantar a semente da dúvida sobre sua culpa nos corações de quem o ouvia.

O mal sorri… e cativa.

Esse novo filme pega o gancho da série de sucesso da Netflix “Conversando com um serial killer: Ted Bundy” e deve ganhar ainda mais espectadores também por causa do livro de sucesso da Darkside Books, Ted Bundy – Um Estranho ao meu lado, de Ann Rule. Entretanto, ao contrário das cenas impactantes da série e da profundidade do livro, o longa-metragem tem a proposta de aproximar o público dos bastidores da vida de Ted Bundy (Zac Efron), com destaque especial para sua relação com a jovem e linda mãe solteira Liz Kendall – nome completo Elizabeth Kendall Kloepfer – interpretada por Lilly Collins. Liz foi uma mãe solteira que encontrou na figura de Ted a segurança que lhe faltava.

Bundy era estudante à época e usou os estudos como desculpa para ficar fora de casa várias vezes, mas isso nunca incomodou Liz e a filha, já que ele sempre voltava para o lar e as cobria com atenção e carinho. A vida dupla de Ted e o nível de suas mentiras sempre foram preponderantes para que ela jamais desconfiasse de suas atrocidades, mesmo quando a divulgação dos crimes ganhou os jornais do país.

Da mesma forma que conquistou o coração da jovem Liz Kendall e cativou até mesmo sua filhinha, Ted se aproximou e seduziu no mínimo 36 mulheres que viram nele um homem bom, porém tiveram suas vidas encerradas por um indivíduo frio, cruel, capaz de torturar e mutilar suas vítimas por horas. Provocar dor e medo eram elementos que davam prazer a Bundy.

Ted Bundy

Assassinatos.

O longa-metragem não foca nas mortes das mulheres em si, apesar de citá-las a todo momento. A intenção do diretor Joe Berlinger não é reconduzir o espectador a um sangrento passeio por fotos e depoimentos sobre as vítimas que, óbvio, existiram e merecem o devido destaque, mas a função primordial desse filme é evidenciar que uma mente doentia unida a um visual bonito podem enganar e matar, uma vez que as pessoas tendem a baixar a guarda diante de alguém sedutor e com aparência boa.

Ted usou todas as ferramentas típicas de um mentiroso capaz de matar e voltar para casa como se nada tivesse ocorrido. Ele possuía a capacidade de implantar a semente da dúvida naqueles que o ouviam, era articulado e sabia conduzir seus ouvintes. Sua aparência e os conhecimentos adquiridos na universidade o enquadravam como alguém culto e um promissor advogado. Diante de tal quadro, muitas mulheres o viam como um cara legal, sedutor e com um futuro brilhante, isto é, o namorado ideal. Essas mulheres erraram na avaliação e pagaram com a vida por tal erro.

A família.

O filme destaca o convívio do serial killer com a mulher que o apoiou e o incluiu em sua família, Liz Kendall. Liz era uma mulher recém-divorciada e não tinha planos de ter outra homem em sua vida tão cedo. Entretanto, ao conhecer Ted, ela viu nele a esperança de ter uma figura masculina capaz de protegê-la e também sua filha. Vale lembrar que o final da década de 60 e os anos iniciais da década de 70 eram tempos onde a liberdade era pregada em muitos lugares, porém a realidade de uma mãe solteira envolvia o desprezo até mesmo da família.

Juntos, Ted e Liz deram um lar (tradicional) e uma família para a pequena filha de Liz. Ao lado de um homem com um futuro brilhante, alguém que amava sua filha e também a cobria de carinho, o que mais ela poderia querer? Aliás, diante de tantos atributos positivos, como associar esse companheiro a crimes tão brutais e infames?

Ted Bundy

Crimes.

Contrariando as expectativas de mais um filme cheio de mortes e cenas brutais explícitas, essa nova obra sobre Ted Bundy não apela para o sangue ou expõe ainda mais as impressionantes fotos e depoimentos sobre os assassinatos praticados por ele. Na verdade nós acompanhamos algo tão assustador quanto os crimes: a frieza e a tranquilidade de um predador que mata por prazer, desprovido de compaixão, porém capaz de amar sua mulher e a filha dela a ponto de enxergarmos esse grupo como uma verdadeira e feliz família.

Fugas.

Um ponto que é pouco abordado sobre o processo de caça e prisão de Bundy envolve suas fugas da prisão de uma delegacia e a outra na qual obteve sucesso ao abandonar um julgamento. Essas fugas comprovam o quanto ele era inteligente, observador e meticuloso.

O pior fato por trás dessas fugas não está na desmoralização da força policial. O pior ponto de ver o assassino fugir por entre os dedos da polícia é que, infelizmente, novas vítimas foram feitas.

Valorização de um assassino?

Vi que algumas pessoas interpretaram de forma equivocada o roteiro de Michael Werwie. Dentro do que compreendi do filme, ficou simples para mim captar a intenção de Werwie de destacar o lado mentiroso

e cruel de Bundy, mas também dar espaço à principal vítima dessas mentiras e crueldades: Liz. Ted se mostra durante todo o longa como um homem incapaz de remorso, dono de uma habilidade incomum para esconder seus reais sentimentos e, ainda, um indivíduo cujo poder de persuasão foi capaz de cegar a mulher com quem morou por tantos anos.

Ao adotar essa postura mais íntima de Ted Bundy, o roteiro que nos colocar diante de um homem que ainda tem gosto de sangue de uma vítima na boca e é capaz de beijar sua verdadeira mulher como se nada tivesse acontecido. Resumidamente, Wervie não dá um único ponto para apoiar Bundy em suas atrocidades e não busca em seu passado as justificativas tão comuns a esse tipo de pessoa.

Ted matou por prazer e usou Liz e seu núcleo familiar como álibis para todos os crimes que cometeu.

Elenco e caracterização.

Boas atuações sempre estarão acima de maquiagens ou efeitos especiais. Esse longa serve para comprovar que um bom elenco ganha ainda mais força com uma caracterização à altura, mas é na interpretação que encontramos o ponto alto de um filme.

O elenco conta com nomes de estrelas de Hollywood que emprestaram seu talento para reconstituir momentos íntimos da vida de Ted Bundy. Entre eles podemos citar: Kaya Scodelario que interpreta a linda e apaixonada Carole Ann, amiga e amante de Bundy; John Malkovich, cujo talento dá vida ao irônico e meticuloso juiz Edward Cowart; Jim Parson (o Sheldon de The Big Bang Theory) é o promotor Larry Simpson; James Hetfield (Metallica) faz uma rápida aparição como um policial; Angela Sarafyan é Joanna; Haley Joel Osment é um amigo que trabalho de Liz que se aproxima mais dela após as acusações sobre Bundy; Grace Vitoria Cox interpreta a sobrevivente Carol Daronch, responsável pela identificação visual do assassino; Terry Kinney  é o detetive Mike Fisher; Morgan Pyle é a filha de Liz, Molly; e, claro, Lily Collins como Liz Kendall e Zac Efron que mostra um talento impressionante ao assumir o sombrio Ted Bundy.

Cenas reais.

O longa-metragem ganha mais força ao mostrar cenas reais da época em que certos fatos ocorreram. Sem apelar para a brutalidade das imagens dos assassinatos em quase toda sua extensão, o diretor se vale apenas de uma reconstituição de assassinato para dar mais ênfase a uma revelação importante que ocorre ao final do filme. Destaco as cenas no tribunal onde as provas apresentadas mostram a ferocidade do serial killer, além de pôr o espectador fora da zona de conforto ao se deparar com um verdadeiro monstro que não perde a oratória e o charme mesmo confrontado com a morte.

Conclusão.

Assistir esse longa é um exercício de reflexão que nos obriga a lembrar do potencial maligno de um ser humano, principalmente quando este se vale do anonimato e do escudo de uma vida normal. Sem apelos que possam chocar o público, com uma linguagem simples e uma narrativa bem amarrada, conhecemos uma parte pouco convencional da vida de um homem que atormentou por anos um país inteiro, matou dezenas de mulheres e, mesmo assim, foi capaz de preservar e amar uma família para usá-la como uma máscara difícil de cair.

Ted Bundy – A irresistível face do mal serve para que vejamos muito além da capa de um livro, pois as aparência enganam… e podem matar.

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