Djavan apresenta o show D em Porto Alegre, no Araújo Vianna

O que seria a fiel interpretação de Djavanear? Quando Djavan, na canção Sina, mostrou toda a sua admiração a Caetano Veloso, criando o termo Caetanear, que na minha singela definição é apenas curtir e muito o som do baiano ou se entregar à obra dele, a gentileza artística foi devolvida com a canção Eclipse Oculto, onde Caetano pede pra não desperdiçamos os blues do Djavan. Essa troca de figurinhas de exaltação dos cânones da MPB transferiram para o público o Djavanear, que seria o mesmo que Caetanear, em suma, uma curtição total da música do alagoano. E Porto Alegre, quinta passada, Djavaneou muito na primeira noite das duas que Djavan faria no Auditório Araújo Vianna. Devido ao esgotamento dos ingressos da noite de sexta, foi aberta uma segunda sessão na quinta, o NoSet esteve presente nesta apresentação e contou como foi a volta do cantor aos palcos gaúchos depois de alguns anos.

Com uma casa praticamente cheia, ausência de grades de proteção, o que indicava que o cantor em certo momento iria querer a galera de pé na frente do palco, por volta das 21h15min, subia ao palco Djavan, apresentando seu show da turnê D, alusão ao nome do seu último disco, de 2022. Com um cenário lembrando pinturas indigenas e sob a responsabilidade de Gringo Cardia, o artista, de capuz, com uma luz azul ao fundo, começa o show com Curumin, canção de 1989, que fez parte do disco que vendeu muito graças a Oceano. Uma canção de diálogo entre dois meninos indígenas. Boa Noite, de 1992, outro sucesso, faz a galera levantar, com a banda, que será apresentada mais tarde, mostrando todo seu groove e pegada jazzística. Sevilhando, do último disco, segue o set, mas é com Eu te Devoro, que a plateia entra em êxtase. A canção de 1997, que renovou o público do cantor, é cantada a plenos pulmões pela ávida plateia. O show esfria um pouco com Outono (e não é trocadilho infame), canção recente de 2021, mas com Cigano, outra do disco de 1989, a plateia logo se anima. Revisitando mais uma de 1989, Avião, que é completada com o super sucesso Flor de Lis, onde o baterista Felipe Alves dá um show de bateria de samba. Num Mundo de Paz, do disco D, segue o baile mostrando que Djavan não se agarra apenas aos velhos sucessos, ainda produz muita música boa e quer apresentar a sua plateia suas novidades.

Djavan é um show à parte, cantando com uma voz límpida e característica, dança, se movimenta pelo palco todo, agradece a Porto Alegre, toca guitarra, violão, ou apenas canta, com uma vitalidade incrível, de um cara que conhece o palco como poucos e sabe conduzir a massa.

Chega aquele momento característico do show do artista. Senta, cruza as pernas, a luz preenche sua imagem e apenas com seu violão e voz manda Meu Bem Querer, para delírio da plateia e os celulares que registram o momento, em seguida ataca de Oceano, um dos seus maiores sucessos, onde mostra toda sua técnica única de tocar violão, que inspirou muita gente e faz sua plateia delirar. Iluminado, canção de 2022, composição coletiva e familiar de Djavan, sob ordens do cantor, faz o Araújo Vianna ser iluminado com celulares, isqueiros e calor humano, combinando com a positividade da letra da canção, um Djavan otimista e confiante num  futuro mais brilhante.

Com Azul, do álbum de 2005, segue o script do show, mais uma mais recente revisitada pelo artista. Com  Tenha Calma/ Sem Você, canta o sucesso do álbum Malásia, de 1996, mas é com Tanta Saudade, de 1983, que se conecta de novo com seu público, tanto que chega aquela momento que sem proteção ao palco, o povo sai das cadeiras e vai pra frente para ficar mais perto do artista. Djavan, mais solto, já sem seu casaco de capuz, de camiseta leve, domina a platéia naquele que é um  dos hinos populares da sua carreira, a fantástica canção Se, de 1992, que faz todo mundo cantar junto, alto, transformando o Araújo num grande salão de festas orquestrado pelo maestro alagoano. Não posso deixar de falar sobre o incrível time de músicos que acompanha o artista. Desde o já citado Felipe Alves, mostrando que é um dos maiores bateristas do Brasil, ao baixista Marcelo Mariano (sim, filho do César Camargo Mariano), com uma técnica incrível, formando uma excepcional cozinha; Jessé Sadoc e Marcelo Martins nos sopros, dando aquele tempero jazz aos arranjos acentuado pelos teclados de Renato Fonseca e piano e teclados de Paulo Calazans; completando a banda, o genial João Castilho, intercalando guitarra, violão, ukulele, enfim qualquer coisa com cordas. Destaque que todos cantam muito bem e fazem um gigante trabalho de backing vocals. Pop, funk, jazz, fusion, groove, samba, tudo em alto nível.

Com toda essa miscelânea sonora vem o sucesso Samurai, mostrando toda a competência da banda e o alcance vocal do cantor, que com a plateia a frente de pé, comanda a massa. Encerra o show com Sina (aquela do Caetanear), com aquele arranjo repaginado do ao vivo de 2000, em mais um show de técnica da banda e explodindo a galera em êxtase de alegria. Como bis, ele vai de Pétala, uma da letras mais bonitas do cantor, do disco de 1982, em mais um deleite sonoro para os espectadores, mas é o Lilás, seu grande sucesso pop dos anos 1980, que fez mais uma vez o Auditório Araújo Vianna cantar e dançar junto a pulsante canção, fechando o show com chave de ouro, perto da massa e como deve ser um show, público e artista no mesmo pedestal.

Depois de anos de ausência (muito por causa da pandemia), Djavan nos apresentou um grande show, um pouco irregular na sua escolha de repertório, é sabido que o artista gosta de colocar coisas novas, mas para quem estava com tanta saudades do cantor, poderia ter escolhido alguns hits e dispensado algumas músicas mais lado B que funcionaram mal no show, e a própria duração do show um pouco curta, mas para quem é fã, isso é apenas um detalhe. O cantor esbanja vitalidade e simpatia, tem seu público nas mãos, uma das mais competentes bandas do Brasil, um jeito único e riquíssimo nas suas composições de acordes no violão e o melhor: com toda essa sofisticação consegue ser um artista popular, sem empáfia, aliando qualidade e popularidade. Como falei no início, com todos esses ingredientes é impossível não Djavanear e se entregar para o genial artista, e Porto Alegre agradece o privilégio desse “Djavaneio”irresistível, naquela noite de quinta-feira de setembro.

 

Crédito das fotos: Vívian Carravetta

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