Crítica: Ghostbusters – Apocalipse de Gelo

Houve um tempo, nos idos de 1984, que se você tivesse algum problema com fantasmas ou similares, bastava uma ligação para tudo se resolver. Ligando para o ́número 555 23 68, um quarteto de “renomados” cientistas, especialistas em paranormalidade e ectoplasmas pegavam seu carro e com suas mochilas de prótons abriam as armadilhas que capturavam as mais diversas criaturas do além. Falo, é claro, dos Caça-Fantasmas ou os Ghostbusters, filme dos anos 1980 que foi um verdadeiro fenômeno popular e completa quatro décadas neste ano. Depois de uma sequência, um remake com mulheres e uma volta à história original, com descendentes dos intrépidos caçadores de almas em um grande sucesso de 2021, Gil Kenan (roteirista do terceiro filme) dirige o quarto episódio Ghostbusters – Apocalipse de Gelo (Ghostbusters – Frozen Empire, 2024), que estreia essa semana nos melhores e piores cinemas brazucas.

Três anos depois dos eventos de Além do Infinito (2021), a família Spengler resolve ativar os Ghostbusters. No mesmo quartel general de Nova York, antigo corpo de bombeiros, Gary, Callie, Phoebe e Trevor, agora num Ecto 1 turbinado com armas e armadilhas mais modernas, enfrentam, nas ruas de Nova York, fantasmas dos mais variados tipos. Algo que faz o prefeito da cidade, Walter Peck (William Atherton, que era o mala que pegava no pé dos velhos caça-fantasmas do primeiro filme), torcer o nariz e questionar o grupo, já que Phoebe é de menor e não pode trabalhar na profissão. Enquanto isso, Dr. Zeddemore, hoje é um milionário que tem um laboratório de ponta onde estuda as mais diversas formas de seres do outro lado, e Dr. Stantz faz programas na internet de ocultismo. Um dia, um atrapalhado cidadão, entrega ao Dr. Stantz uma esfera metálica misteriosa. Ela tem o poder de liberar Garakka, um temível ser que tem o poder de congelar tudo pela frente, e com a força dos fantasmas, pode literalmente colocar o mundo numa gelada. Phoebe, nesse meio tempo, fica amiga de uma fantasma, Melody, com quem pode externar seus problemas de adolescente, mas acaba, num lapso, libertando a entidade malévola, que transforma Nova York em gelo e só a união dos velhos e novos caça-fantasmas podem impedir a destruição total do mundo.

O terceiro filme da série,  Mais Além, teve o mérito de renovar a franquia. O acerto de, com os descendentes de Egon Spengler, levar adiante o legado dos cientistas caçadores de criaturas, com uma trama que misturava muita ação, renovação, nostalgia e grandes emoções, nos dando uma esperança de vida inteligente e renascimento da franquia, causando uma expectativa bárbara para esse quarto filme. Mas o que se viu foi um roteiro preguiçoso, mal amarrado e com excesso de nostalgia e repetições de fórmulas. O filme de Kennan é quase um déjà vu. Parece que já vimos aquilo tudo nos dois primeiros filmes da franquia e desde a transferência da história para Nova York e a utilização de velhos personagens, parece que vemos um pulo direito do segundo para o quarto filme, sem apresentar quase nada de novidade.

Nem a presença dos velhos heróis convence. Ernie Hudson, numa espécie de mea culpa por ser tão coadjuvante nos dois filmes iniciais, ganhou status de grande pesquisador, onde mantém uma espécie de zoológico moderno de fantasmas, o que acrescenta em quase nada ao seu personagem, a não ser que sua silhueta pouco envelheceu. Dan Aykroyd até tenta dar dignidade a seu papel como Dr. Stantz, mas acaba escanteado e servindo como coadjuvante de um personagem patético como o de Logan Kim, o intragável Podcast. Bill Murray está numa preguiça considerável, fazendo pouco caso do filme, sem graça, acrescentando quase nada à trama e com escassas piadas. Até Annie Potts, como a secretária Janine, foi trazida de volta à trama, e mesmo com seu carisma tem um papel quase insignificante.

O filme até começa bem, numa perseguição pelas ruas da Big Apple dos caça-fantasmas apresentando armas mais modernas, drones e engenhocas com a cara de 2024, caçando um fantasma com a silhueta de um dragão, mas depois se perde num marasmo sem fim, relegando a ação para bem ao fim da película. A insistência em tentar aproveitar um personagem patético interpretado por Nadeem Razmaadi, um atrapalhado herdeiro da tal esfera que se descobre dominador de fogo, faz o filme perder muito tempo com tamanha enrolação e péssimo desenvolvimento de papel. O mesmo valendo para o relacionamento de Phoebe com a fantasma Melody, interpretada por Emily Alyn Lind, onde até é plausível que por ser uma adolescente, no caso proibida de fazer o que gosta sendo incompreendida, ter alguém para desabafar, conversar e extravasar. Mas essa tal amizade também perde boa parte do andamento da trama em diálogos previsíveis e modorrentos entre as duas amigas.

Da turma de caça-fantasmas novos, Paul Rudd está bem novamente, dando graça e tendo as melhores piadas como Gary Grooberson. Já Carrie Coon começa bem, mas se perde no meio de tanta gente, como Callie Spengler. Finn Wolfhard, como Trevor, também não decepciona, agora chegando na vida adulta, mas tendo menos destaque que no filme anterior. Mckenna Grace também mostra maturidade como Phoebe, mas tamanha ênfase na adolescência aborrecida dela e excesso de orgulho, a faz perder a aura nerd e detetivesca da sua personalidade do primeiro filme, tornando uma personagem muitas vezes chata demais.

Quanto aos  efeitos visuais, o filme usa o que melhor temos em 2024 para criar grandes momentos, como o já citado início, com a  perseguição ao dragão fantasma por Manhattan, a volta dos pequenos monstros de marshmellow, o clássico Geleia, com um visual mais moderno, mas com muita fome ainda, o próprio monstrengo Garakka também mete medo além, é claro, da transformação de Nova York em um quase iceberg. Tudo num esmero visual encantador…

Mas só de visual um filme não se sustenta e Ghostbusters – Apocalipse de Gelo, carece de um roteiro coeso, que juntasse a penca de personagens de maneira mais homogênea. Pelo contrário, deixa diversas pontas soltas, numa trama que não engrena, desperdiçando o potencial do grande time de atores. E o excesso de nostalgia e referências, no caso aqui, pesa negativamente. No que o terceiro longa acertou, dando um ar fresco à trama, mas não perdendo a essência, essa volta forçada às origens do novo filme se tornou datada e cansativa, onde os novos caça-fantasmas tem que dividir um protagonismo com os velhos, o que acaba prejudicando os dois grupos de caçadores de ectoplasmas. Uma grande decepção, e com o perdão do trocadilho, que acaba literalmente congelando a franquia que foi tão bem reaquecida com o terceiro filme, mas que acabou virando gelo, num filme sem alma, com pouca graça e sem o encanto e charme que nos fez amar a série.

 

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