Crítica: Duna – Parte Dois

Confesso que nunca fui fã de Duna. Nem do livro, nem da piadista adaptação de David Lynch nos anos 1980, e também torci muito o nariz para a adaptação de Dennis Villeneuve de 2001. Muito aclamado pelos fãs, era um filme tecnicamente bonito, um espetáculo visual interessante, mas na maior parte, era um amontoado de areia, com pouca ação e mais arrastado que um carrossel de parquinho de diversões. Logicamente que teríamos uma continuação, que foi atrasada devido à greve dos roteiristas de 2023, mas eis que Dennis apresenta para o mundo Duna – Parte Dois (Dune Part Two, 2024), talvez a estreia mais aguardada desse início de ano nos cinemas.

O filme segue os acontecimentos da parte um, onde Paul Atreides, depois de ver sua família ser arrasada pelos Harkonnens, junto com sua mãe, se une aos povos da areia, os Fremen, e aos poucos vai desenvolvendo um senso de liderança e um poder quase messiânico sobre eles. Com sangue nos olhos, luta e organização, Paul e sua nova turma tem como plano defender o planeta de Arakis e combater os perversos Harkonnens, usando táticas de guerrilha, sabotagem e terrorismo, provocando a ira do Barão Vladimir Harkonnen, ainda mais que ousam destruir os estoques de especiarias e veem o surgimento de um novo algoz, o cruel Feyd Rautha, sobrinho mais novo do barão, que pretende ser o sucessor na dominação de Arakis e que também destruir os ratos do deserto dos Fremen.

Precisou três anos para Villeneuve apresentar suas armas em um filme, sem sombra de dúvidas, fantástico. Mais uma vez o trabalho visual é esplendoroso, e o prazer de assistir essa saga em uma sala de IMAX, faz com que a experiência cinematográfica se torne algo incrível. O filme segue a saga do calhamaço literário que é a obra Duna, de Frank Herbert, e se no primeiro filme parecia que apenas nos deu uma insossa apresentação da obra, em Duna – Parte Dois, consegue se redimir da pobreza de roteiro e ritmo do primeiro, nos dando uma (por que não?) obra prima moderna. Imperialismo, poder, política, mitologia, sobrenatural, religião, messianismo, tudo é embalado em um, dessa vez, claro e ativo balé visual, onde fica nítido quem é quem na trama, e mostra como a organização e a fé podem movimentar montanhas, no caso areia, e derrubam impérios. 

Mas o mérito maior do filme é mostrar aquilo que o primeiro não apresentou. Uma verdadeira história de ação, com batalhas de tirar o fôlego, lutas corpo a corpo sanguinárias, explosões, muita destruição, minhocas gigantes sendo encilhadas, romance (enfim  Paul e Chani tem tempo para flertar), muito misticismo, oráculos, e é claro, uma luta do bem contra o mal. Não temos como não comparar os povos da areia com os exércitos árabes, seu senso de sobrevivência sempre massacrados pelos imperialistas. Desde as táticas de combate, sabotagens, bandeiras, busca por uma religiosidade e necessidade de líderes religiosos, seguem a linha de diversos países árabes.

Mais uma vez o elenco brilha, Timothée Chalamet, por mais que ainda não seja perfeito, como Paul Atreides, mostra cada vez mais maturidade como ator e se entrega demais na construção do personagem. Zendaya, como Chani, também cresce muito nessa segunda parte, tanto em atuação quanto na importância da guerreira e cética personagem. Austin Butler também mostra toda a sua versatilidade como o psicopata Feyd Rauta, com todos os requintes de crueldade possíveis, constrói um abominável vilão. E no resto é só fera, Christopher Walken, Josh Brolin, Dave Bautista, Florence Pugh, Rebecca Ferguson, Stellan Skarsgard, Charlotte Rampling, Javier Bardem, uma verdadeira constelação de astros no universo de Duna

Mas a grandiosidade do deserto é que realmente encanta e apavora o espectador. Desde closes, onde os personagens se mostram minúsculos perto do mar de areia, as tomadas aéreas intermináveis, representando a imensidão das dunas, nos dá a sensação que seremos engolidos pelas monumentais paisagens. Se no primeiro filme o diretor usou uma fotografia sombria, quase tétrica, nesse o deserto é protagonista, imponente, marcante, quente e desafiador. Mais uma vez, com uma parte técnica impecável, desde a citada fotografia, a edição de som, a trilha sonora instigante de Hans Zimmer, pontuando cada cena, Duna – Parte Dois, desde já entra como favorito para muitos prêmios técnicos, e isso que estamos em março.

Três anos depois, enfim me rendo a Duna. Villeneuve acertou em quase tudo nesse épico futurista, corrigiu os problemas da sonolenta primeira parte, e se às vezes falta um pouco de profundidade na direção e roteiro das falas e diálogos (talvez o único ponto negativo do filmes), esbanja grandiosidade nas imagens, ação constante e sem os ranços de frenetismo quase insano dos blockbusters atuais, personagens que montam um quebra-cabeça perfeito, sabendo tratar com inteligência temas espinhosos como religião, fé, política, imperialismo, opressores  e oprimidos e o direito da autodefesa. Um filme cinco estrelas, que nem vimos passar as suas duas horas e quarenta cinco minutos, tamanha a magnitude da aula de cinema que presenciamos, uma prova que a sétima arte ainda respira e filmes com verba e orçamento, se quiserem, podem nos presentear com grandes obras, e no caso de Duna – Parte Dois, um forte candidato a um dos melhores filmes do ano (estamos apenas no segundo mês de 2024) e com sobra.

 

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