Crítica: Duna

Em 1984, o mundo sci-fi cult ficou em polvorosa com uma esperada e badalada adaptação da obra Duna, de Frank Herbert, para as telonas. A monumental obra do autor foi um divisor de águas para a literatura de ficção cientifica. Sendo o best seller histórico do gênero, as expectativas ficaram ainda maiores, já que para a boleia da direção foi escalado David Lynch. Mas o que se viu foi um confuso filme, que tentava explicar tudo, mas acabava confundindo muito mais, com todo aquele ar pop oitentista, bons atores, um diretor de fotografia da era Hammer, esquisitices típicas de Lynch, Sting no auge como um andrógino vilão, trilha sonora do Toto e Brian Eno e efeitos da época. O filme teve críticas negativas quando foi lançado, ganhou uma espécie de ar cult às avessas, e sendo visto hoje envelheceu mal, mas confesso que mesmo com  tudo isso, ao menos para mim, ainda tem seu charme. Para os fãs, logicamente ainda faltava uma versão definitiva. Tivemos séries, outras adaptações, mas coube ao diretor Denis Villeneuve, no ano de 2021, fazer a tal adaptação definitiva, ou a primeira parte dela. E enfim estreia nos cinemas, a mais nova versão, Duna (Dune, 2021).

O filme conta aquela confusa história de sempre: o Duque Leto Atreides é convocado a administrar o perigoso planeta Arrakis, terrinha deserta e tomada por dunas, vermes gigantes subterrâneos e um povo arredio, mas que possui Melange em abundância, substância cobiçada que prologada a vida e sabedoria humana. Leto, mesmo desconfiando que pode ser uma arapuca, resolve levar toda sua família pra misteriosa terra. Mas aos poucos os Harkonnen, inimigos da família, resolvem acabar com a festa e com ajuda de mercenários da galáxia e um traidor, querem eliminar a família e o soldados de Atreides do pedaço, porém Paul, seu filho com pinta de messias e a mãe, Lady Jessica, conseguem escapar da ameaça e se juntam ao tal povo das areias os Fremen e juram vingança aos canalhas dos Harkonnen.

Uma coisa posso afirmar: essa versão da adorada obra de Herbert me fez entender muito melhor a trama do que a fantasia pop com sintetizadores do Brian Eno de Lynch dos anos 80. Villeneuve, Eric Roth e Jon Spaiths, com sua trama lenta e amarrada, tentam explicar o intrincado universo de Duna. E tem certo êxito. O roteiro é quase um secundário e meia dúzia de palavras conseguem explicam a trama. Duna de Villeneuve é um filme visual. A fantástica fotografia de Greig Fraser é praticamente metade do filme. Com tomadas sombrias, explorando a escuridão e a imensidão do deserto de Arrakis, que é pura areia e somadas as construções, que lembram muito da arquitetura árabe, Fraser já pode ser considerado um candidato forte a levar o Oscar do ano que vem. A trilha sonora do experiente Hans Zimmer também é responsável pelo clima tribal e soturno do filme, muito bem pontuada nas grandes tomadas do filme e nas cenas (vamos lá) escassas de ação. E que convenhamos, isso realmente é um problema do filme. Certo que Herbert dizia que fazia uma ficção pensando no futuro do homem e que a tecnologia seria apenas um acessório para a idealização de um, quem sabe, pacífico cidadão do futuro, mas no quesito movimento, batalha (estamos falando de exércitos inimigos, né?) o pau come pouco mesmo. As duas horas e meia de filme são um exercício visual e tanto, mas que em certas partes cansam demais e a escassez de grandes cenas e um roteiro mais robusto me fizeram desprender um pouco da história. No quesito atuações, todas são muito seguras. Timotheé Chalament, como Paul Atreides, é um bom ator e se esforça bem como o misterioso filho de Atreides.

Rebecca Fergunson, que cada vez cresce mais em grandes papeis, faz uma ótima Lady Jessica, mãe telepática de Paul. Stellan Skarsgard, como o Barão Harkonnen, tem um papel reduzido, mas consegue meter medo com sua cara de poucos amigos. O grande elenco é fora de série, reunir Javier Bardem, Josh Brolin,Sharon, Duncan Brewster (que tem uma ótima atuação, mas mal explorada), Jason Momoa (que  nos proporciona uma cena ótima e divertida, em que sozinho quase acaba com uns 50 inimigos, literalmente caindo e levantando) e até a veterana Charlote Rampling, não poderia dar errado. Mas como falei anteriormente, o elenco é apenas um acessório da grandeza técnica e visual do filme, que mesmo com esse cast maravilhoso, não consegue emplacar um personagem de se dizer: esse vai ser imortalizado! Enfim, muita gente boa pra pouco papel relevante. O que é uma pena, porque a saga das casas nobres do livro e seu catatau de páginas poderia ser muito mais explorado, com um roteiro melhor desenvolvido. Pode-se falar que é uma história de fuga, autoafirmação, descobrimento, uma analogia aos perseguidos Fremen com os refugiados árabes (que explica as vestes semelhantes e a arquitetura dos cenários) que sofrem em eternas guerras, a escassez de recursos naturais como água e petróleo, tudo realmente pode ser subentendido no filme, mas nada realmente explorado, e o principal, bem desenvolvido.

Fica meio óbvio que o filme terá uma continuação (ou quem sabe duas) e que talvez o melhor ainda esteja por vir, quem sabe Denis fez um meio de campo, explicou didaticamente a história e nos mostrou o cenário e, no que vier, vai dar vida aos personagens e caprichar na ação, mas infelizmente, o primeiro filme da provável série não me agradou. É longe de uma obra prima, é um filme extremamente técnico que veio para faturar todos os prêmios que concorrer nos festivais e pode até agradar aos inúmeros fãs do gênero, ávidos por produções caprichadas como essa, mas que pelo ritmo lento, a escassez de um argumento mais conciso, personagens, digamos, sem sal (diria até que o Sting ao menos tinha charme no primeiro filme, diria só charme, porque atuar… enfim…). Mas pra não dizer que não falei de flores, confiram o filme e se deslumbrem numa tela IMax, em um filme grandiosamente perfeito, mas um conselho: tomem um belo café antes para ficarem ligados e não pescarem em alguns momentos modorrentos do espetáculo técnico, mas sendo honesto, sem graça, de Denis Villeneuve, que para ser o Senhor dos Anéis do década de 2020, as possíveis sequências tem que, literalmente, quebrar a banca para nos surpreender. Ou ao menos para mim.

Vídeo especial sobre o figurino:

Sobre o filme: O cineasta indicado ao Oscar, Denis Villeneuve (“A Chegada”, “Blade Runner 2049”), dirige Duna, adaptação para o cinema do best-seller seminal de Frank Herbert, uma produção da Warner Bros. Pictures e Legendary Pictures.

Uma jornada do herói mítica e emocional, Duna conta a história de Paul Atreides, jovem talentoso e brilhante que nasceu com um destino grandioso, para além até da sua própria compreensão, e precisa viajar ao planeta mais perigoso do universo para garantir o futuro de sua família e de seu povo. Enquanto forças malévolas levam à acirrada disputa pelo controle exclusivo do fornecimento do recurso mais precioso existente no planeta – capaz de liberar o maior potencial da humanidade, apenas aqueles que conseguem vencer seu medo vão sobreviver.

Duna é estrelado pelo ator indicado ao Oscar Timothée Chalamet (“Me Chame Pelo Seu Nome”, “Adoráveis Mulheres”), por Rebecca Ferguson (“Doutor Sono”, “Missão: Impossível – Efeito Fallout”), Oscar Isaac (franquia “Star Wars”), pelo ator indicado ao Oscar Josh Brolin (“Milk: A Voz da Igualdade”, “Vingadores: Guerra Infinita”), por Stellan Skarsgård (série da HBO “Chernobyl”, “Vingadores: Era de Ultron”), Dave Bautista (“Guardiões da Galáxia”, “Vingadores: Ultimato”), Stephen McKinley Henderson (“Um Limite Entre Nós”, “Lady Bird: A Hora de Voar”), Zendaya (“Homem-Aranha: Longe de Casa”, série da HBO “Euphoria”), Chen Chang (“O Tigre e o Dragão”), David Dastmalchian (“Blade Runner 2049”, “Batman: O Cavaleiro das Trevas”), Sharon Duncan-Brewster (“Rogue One: Uma História Star Wars”, série da Netflix “Sex Education”), pela atriz indicada ao Oscar Charlotte Rampling (“45 Anos, “Assassin’s Creed”), por Jason Momoa (“Aquaman”, série da HBO “Game of Thrones”) e pelo vencedor do Oscar Javier Bardem (“Onde os Fracos Não Têm Vez”, “007 – Operação Skyfall”).

Dennis Villeneuve dirigiu Duna a partir do roteiro coescrito com Jon Spaihts e Eric Roth, baseado no romance homônimo escrito por Frank Herbert. O filme é produzido por Mary Parent, Cale Boyter, Joe Caracciolo Jr. e Villeneuve. Os produtores executivos são Tanya Lapointe, Joshua Grode, Herbert W. Gains, Jon Spaihts, Thomas Tull, Brian Herbert, Byron Merritt e Kim Herbert.

Na equipe de produção, o diretor voltou a trabalhar com o desenhista de produção Patrice Vermette (“A Chegada”, “Sicario: Terra de Ninguém”, “A Jovem Rainha Vitória”) e o editor Joe Walker (“Blade Runner 2049”, “A Chegada”, “12 Anos de Escravidão”), ambos com duas indicações ao Oscar; o supervisor de efeitos especiais Paul Lambert (“O Primeiro Homem”, “Blade Runner 2049”), vencedor de dois prêmios Oscar; e o supervisor de efeitos especiais vencedor do Oscar, Gerd Nefzer (“Blade Runner 2049”). Em Duna, Dennis Villeneuve colabora pela primeira vez com o diretor de fotografia indicado ao Oscar Greig Fraser (“Lion: Uma Jornada para Casa”, “A Hora Mais Escura”, “Rogue One: Uma História Star Wars”); a figurinista Jacqueline West (“O Regresso”, “O Curioso Caso de Benjamin Button”, “Contos Proibidos do Marquês de Sade”), indicada três vezes ao Oscar; o cofigurinista Bob Morgan; e o coordenador de dublês Tom Struthers (trilogia “Batman: O Cavaleiro das Trevas”, “A Origem”). O compositor Hans Zimmer (“Blade Runner 2049”, “A Origem”, “Gladiador”, “O Rei Leão”), vencedor do Oscar e com diversas indicações ao prêmio, é o responsável pela trilha sonora.

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