Capital Inicial 4.0 em Porto Alegre

Nesses primeiros anos das décadas de 2020, muitas das grandes bandas do Brock estão comemorando 40 anos. Sim, aquele movimento jovem, que oxigenou a música brasileira nos anos 1980, está quarentando. Entre essas bandas que assopram as velinhas está o Capital Inicial. Com uma carreira que foi do sucesso na década de 1980, virou bem para os 1990, sofreu um certo ostracismo depois, mas se reinventou com um acústico MTV no ano 2000, renovando seu público, o Capital Inicial desembarcou em Porto Alegre com a tour 4.0 com duas datas no Auditório Araújo Vianna. A primeira, sexta passada, teve casa lotada, nós do NoSet acompanhamos a segunda noite, no sábado, e o que presenciamos, conto logo abaixo.

Repetindo a noite anterior, o Araújo Vianna estava abarrotado. Somando as duas noites, mais de oito mil pessoas passaram pela casa e nessa segunda, com ingressos já vendidos há meses, a plateia estava na expectativa de mais essa celebração do quarteto (sexteto) de Brasília. Como nota negativa, 45 minutos de atraso incomodaram a ávida multidão, mas por volta das 21h45min, Dinho Ouro Preto, Fê Lemos, Yves Passarel e Flávio Lemos subiram ao palco. Com um palco iluminado por uma hipnótica e oitentista luz azul, lembrado neons, o logo estilizado e iluminado ao fundo do palco, começa com Insônia, canção do disco Gigante, de 2004. Mas é com O Mundo, do disco Atrás dos Olhos, que foi uma espécie de ressurreição da banda, que a galera começa a cantar junto os tchururus com o vocalista Dinho Ouro Preto. Não preciso falar que desde a primeira canção ninguém mais sentou, o que deveria ser uma regra de qualquer show, tem gente que gosta e tem gente que quer apenas tirar selfie em shows, enfim, o baile segue com o sucesso Quatro Vezes Você, do disco Rosas e Vinho Tinto.

Depois da Meia Noite, de 2010, faz a galera cantar junto e Não Olhe Pra Trás, mais uma do álbum Gigante, continua com a vibe anos 2000, quando o Capital entrou de volta às paradas, renovando seus fãs. Com Todas as Noites, excelente canção de 1991, a banda volta àquela época em que foram uma das poucas bandas que souberam virar bem a mágica década de 80 ainda com sucesso. Mas falar de show do Capital sem dar um destaque para falar de Dinho Ouro Preto não vale, né? O vocalista esbanja vitalidade, simpatia, continua, dentro do estilo, cantando bem. Ele se ajoelhou no palco, conversou com a plateia, exaltou Porto Alegre e o passado de shows da banda na capital do Rio Grande do Sul, dançou, e com um sorriso que contagia a massa, é um dos melhores showman da sua geração.

O que segue depois é uma ode à época que fez o Capital se tornar uma banda das mais importantes dos anos 1980. Com Leve Desespero, um dos primeiros sucessos da banda, a geração anterior de fãs se assanha e com Música Urbana, primeiro hit nacional do Capital, diga-se de passagem, tocada extremamente lenta em comparação à enérgica versão da década de 1980, mas não empecilho para o coral da plateia cantar junto. Após essa viagem a 1986, a banda toca uma das suas músicas mais bonitas, Tudo Que Vai, do acústico de 2000, com a sempre bela interpretação de Dinho e jogo de vozes da banda. Momento emocionante do show. Mas é com A Sua Maneira, versão da banda de De Música Ligera, da lendária banda argentina Soda Stereo, que o Araújo quase foi abaixo. Hoje, a música de 2002, talvez seja o sucesso mais festejado da banda e no show não foi diferente. O Passageiro, mais uma versão da banda, dessa vez da música de Iggy Pop, sucesso da banda de 1991, e executada com um arranjo mais intimista e lento. E sobre a banda não podemos deixar de falar de Yves Passarel, lendário guitarrista do Viper, que com seu indefectível chapéu, talento e técnica na guitarra e esbanjando alegria e sincronia com Dinho, também é um show à parte, além dos discretos, mas eficientes, irmãos Flávio e Fê Lemos, que há 40 anos com seu feijão com arroz básico, temperam a cozinha do Capital.

Fogo, canção de 1988, hoje é interpretada com um arranjo mais acústico, herança do disco nesse formato que marcou a virada da banda, tem um violão incrível do músico de apoio Fabiano Carelli. Fabiano também é um exímio guitarrista, com aquele visual heavy metal anos 1980, e no momento, fazendo quase mesmo ou até mais solos que Yves, dando um engorde sonoro pra banda. Olhos Vermelhos, outro sucesso de 2002, segue a bailanta de aniversário, e com Independência, uma das grandes canções da primeira fase da banda, o refrão é cantado com muita emoção pela banda, destaque aos teclados de Nei Medeiros, outro músico de apoio essencial nessa fase da banda.

Fátima, do primeiro disco, faz a banda voltar a 1986 novamente, em uma interpretação magistral de Dinho e com Veraneio Vascaína, dos tempos punks do Aborto Elétrico, a banda mostra toda sua raiz pesada, agitando a massa. Nota-se que Dinho, depois de tantas estripulias no palco, parece cansar e diminui um pouco seu ritmo, mas ainda tem muita disposição para puxar Natasha, um dos maiores sucessos da banda após 2000, fazendo a plateia cantar junto. Mas é com Primeiro Erros, cover do Kiko Zambianchi, que Dinho Ouro Preto, literalmente, comanda as quatro mil pessoas presentes no Araújo Vianna. Como se fosse um maestro regendo um coral, em um dos momentos mais bonitos que presenciei nessas dezenas de coberturas para o NoSet, a luz se acende e ele enxerga a plateia à capela cantando o refrão e mexendo os braços numa coreografia extasiante. Gigante momento de um grande show. A banda se despede, agradece, mas obviamente que volta para um bis que começa com o resgate de Noite e Dia, de 1991, e termina com o auditório em êxtase cantando junto a atemporal Que Pais é Esse, lembrando Renato Russo, Aborto Elétrico e que a porra do Brasil, passa anos, décadas e os poderosos só querem ficar rico e garantir os seus milhões. Um final eletrizante e homenageando o início de tudo nos idos de Brasília.

Capital Inicial 4.0 faz juz aos intensos 40 anos da banda. Um show que revisita desde clássicos, até algumas músicas mais engavetadas, tudo isso num competente show, com uma produção impecável, luzes inebriantes, telão que é um personagem do show, e é claro, uma banda que soube se reinventar, mudou o som, teve seus altos e baixos, uma virada na carreira, renovação de público e pode se orgulhar, que com quatro décadas de carreira, ainda consegue levar mais de oito mil pessoas em duas noites de casa lotada no Araújo Vianna, privilégio para poucos. Com todo o mérito de uma banda, que a cada ano que passa melhora mais e apresenta o que o público quer, sucessos, competência, respeito pela plateia, simpatia e simetria perfeita entre banda e plateia. Vida longa ao Capital e que venha o meio século!

 

Crédito das fotos: Vívian Carravetta

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