Alceu Valença e Orquestra Ouro Preto – Valencianas – Araújo Vianna

Aos poucos Porto Alegre começa a sorrir novamente. Pouco mais de 100 dias da enchente histórica que inundou parte da cidade, provocando caos, mortes e prejuízos materiais incalculáveis, a vida parece que está tomando conta novamente. E nada mais importante para a volta da normalidade que nos embriagarmos com arte. E se essa arte mistura uma orquestra mineira com um dos maiores artistas desse país, o pacote está completo. Falo do projeto Valencianas, onde a Orquestra Ouro Preto se junta a Alceu Valença, num misto de erudito e popular, em uma ode à música brasileira. Esse tão esperado show chegou por aqui sábado passado no Araújo Vianna e o NoSet estava presente na cobertura de número setenta de shows no templo da música de Porto Alegre.

Noite agradável, ótimo público e muita energia. Essa era a tônica do local quando por volta das 21h15min a Orquestra Ouro Preto, composta por jovens e virtuosos músicos orquestrados pelo maestro Rodrigo Toffolo, subiu ao palco. Por uns 10 minutos fizeram em arranjos frenéticos e rebuscados um panorama de alguns sucessos do cantor pernambucano, que sobe ao palco com seu inconfundível chapéu sobre a cabeleira. O cantor, conhecido por ser um dínamo de energia, mais contido, sentou num banco e junto à orquestra abriu os trabalhos com Dia Branco, de Geraldo Azevedo. Segue com Eu Vou Fazer Você Voar. Na próxima canção segue com Cavalo de Pau, de 1982, onde faz graça com o nome da música. Confesso que é, digamos, inusitado ver Alceu comportado, sentadinho num banco. Um cara que prima por shows alvoroçados, onde comanda a massa, aqui estava mais comedido, mostrando seu lado intimista ao lado da talentosa orquestra.

O público também, na primeira etapa, estava mais para o modo contemplação, mas aos poucos foi se soltando enquanto Alceu e os mineiros tocavam Coração Bobo e Sino de Ouro. Se anima mais com Pelas Ruas Que Andei, mas é com o super sucesso Morena Tropicana, que Alceu comanda a massa, naquela que é uma das canções mais conhecidas e queridas do cancioneiro nacional, com o Araújo vindo junto, cantando e dançando. Detalhe importante que a orquestra também tinha uma banda com baixo, guitarra e bateria dando aquele punch característico nas músicas de Alceu.

Mas como era um show conjunto, Valença sai à francesa e deixa espaço para o maestro Toffolo comandar em três números a orquestra. Como nomes Suíte 2, Estados da Luz e Papagaio do Futuro, as peças são executadas com um vigor e talento incríveis, no detalhe que os músicos da orquestra são jovens, dando aquela pujança necessária para as  músicas. Um deleite e tanto para os ouvidos ver tanta gente nova e habilidosa, fazendo essa ligação do clássico e do pop com tanta maestria.

Alceu volta com o violão ao colo e sentado, e no momento talvez mais introspectivo e lírico do show, toca a sensível Borboleta, emendada com a lindíssima “P” da Paixão. Incrível como Alceu é um verdadeiro apaixonado, suas canções falam de amor e contemplação, ao seu jeito, que cativa demais. O momento é quebrado com a suingada e popular Como Dois Animais, em que mais uma vez o Araújo se solta e canta junto. Já com bastante gente nas laterais do Auditório, entregues à dança, a Alceu dispor de Valença, ele emenda mais três belíssimas canções, Tesoura do Desejo, Sete Desejos e Solidão.

Mas chegando a hora do final, Alceu puxa os acordes, rebuscados pela orquestra, de La Belle de Jour, quando ninguém mais está sentado e canta em coro com o pernambucano a homenagem singela do artista à musa Catherine Deneuve e ainda emenda Girassol, transformando tudo num grande baile do Valença. Quando canta Táxi Lunar, do amigo Zé Ramalho, mais uma vez mostra o domínio de palco que só o cantor tem, e com um arranjo magistral, brinca com a plateia, comanda as vozes e termina ovacionado o baita espetáculo. Mas como ele mesmo fala, todo o artista é um grande mentiroso, que diz que acabou só pra ouvir o povo pedir o bis. Então Valença caçoa com isso, pega o maestro na mão e sai por 15 segundos, e de pé, como um profeta da poesia, mais uma vez une seus fiéis fãs para seguir Anunciação, um dos seus maiores sucessos que continuam firmes na boca do povo. Chega a ser covardia a beleza e sutileza da música recheada de cordas da orquestra, aí sim, fechando em grande estilo uma noite sensacional.

Essa junção entre clássico e tradição na música, às vezes geram parcerias que não se acertam muito, mas essa ideia da Orquestra Ouro Preto de unir Minas, Pernambuco e Brasil, numa homenagem a um artista que dispensa apresentações, fechou de uma maneira incrível. Mesmo com um Alceu mais contido, mas mesmo sentando na cadeira sempre verborrágico nas palavras e no gestual inquieto, tivemos uma Valencianas inesquecível. Uma homenagem mais que justa a obra desse gigante da música popular do Brasil… mas espero vê-lo em breve de pé com violão no colo com um bandão porreta acompanhando, que é bom demais também!

Crédito das fotos: Vívian Carravetta

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