A Família Addams 2 – Pé na Estrada

O tema família e sua representatividade sempre foi um combustível muito utilizado para as grandes produções cinematográficas. Como não pensar em família sem citar o clã Skywalker, onde Anakin e seus rebentos, Luke e Leia, viviam em eterno conflito familiar e intergaláctico, ou os Corleone, onde o patriarca Don Vitto tinha que controlar os instintos “super” solidários de família de seus truculentos filhotes. Também vale lembrar o filme Pequena Miss Sunshine, de 2006, onde conhecemos os Hoovers, tradicional e diferentona família norte-americana, que parte em uma viagem para realizar o sonho da pequena Olive Hoover, de participar de um concurso de miss infantil. No Brasil, advindo da televisão, mas com uma boa adaptação para o cinema, temos os Silva, família chefiada por dona Nenê e Lineu e que, apesar dos pesares (e dos trocadilhos idiotas), era uma Grande e unida Família. Na animação, temos Os Simpsons, talvez o conceito mais perfeito de tão imperfeito, exemplo de família, também Os Flintstones, a Família Buscapé, enfim, como diria Millôr Fernandes: qualquer família tradicional é feita da mesma maneira, só que umas são em lençol de linho e outras em lençóis vagabundos. Com tantos exemplos familiares, estreia essa semana nos cinemas a continuação do filme de 2019, estrelando a família mais tétrica, nonsense e ao mesmo tempo, por que não? – uma das mais amorosas da cultura pop. Falo de A Família Addams 2 – Pé na Estrada (The Addams Family 2, 2021), animação com direção de Greg Tiernan e Conrad Vernon.

Em uma amostra de ciências, Wandinha acaba surpreendendo o júri, tentando misturar seu Tio Chico com um polvo. Porém ela se decepciona porque além de sua família deixar sua marca negativamente na escola, não teve premiação, mas o experimento acabou impressionando o cientista Dr. Estranho. Vendo que a família anda meio desunida, Gomez resolve organizar uma viagem pelos Estados Unidos com intuito de rodar o país e tentar unir a família, ainda mais que eles receberam a indesejada visita de um advogado que desconfia que Wandinha não é uma Addams. Ela teria sido trocada na maternidade e seria filha legitima do tal cientista. O que acontece depois são inúmeras confusões com a assustadora família rodando as estradas e pontos turísticos do país e a família tendo que provar que a filha mais inteligente dos Addams realmente é uma deles.

A Família Addams é um caso perfeito de como uma série, digamos bizarra e nonsense, sobrevive há décadas e mantém praticamente a mesma fórmula (apenas se adaptando aos tempos em que se passa a trama) e mesmo assim consegue encantar e não ser datada. Em 1991, o filme dirigido por Barry Sonnenfeld praticamente imortalizou de vez a imagem dos Addams com a estampa de atores como Raul Julia, Angelica Huston, Christopher Lloyd e principalmente, Christina Ricci, como a definitiva Wandinha Addams, servindo como mote para as novas adaptações e para essa nova série de animação que teve início em 2019, com a mesma dupla de diretores, os experientes Tiernan e Vernon.

O sucesso do primeiro filme obviamente abriu caminho para essa continuação. Mais uma vez a dupla realiza uma bela animação, impecável na parte gráfica e deliciosa para se assistir. Todo o tenebroso clima da família, dessa vez contrastando com locais chave da geografia americana, como Miami, Cataratas do Niágara, Texas, Grand Canyon, fazendo a excêntrica família sair um pouco do habitat funéreo para interagir com um mundo mais colorido. Tudo funcionando perfeitamente na impecável animação digital, que com certeza, vai agradar visualmente a garotada e os fãs dos excelentes personagens. Já quanto ao roteiro, aí que vai minha crítica. Apesar de usar boas piadas de humor negro e abusar das incríveis situações absurdamente surreais em que a família se mete, ele não flui de uma maneira divertida. Digamos que mesmo com tiradas inteligentes e preciosas, falta algo que faça rir e se entregar ao filme, coisa que para A Família Addams é primordial, pois se tem algo que a família tem de característica é o peculiar humor, que nessa sequência não funciona tanto. A personagem de Wandinha é praticamente dona do filme, com seu dilema de ser ou não ser uma Addams, ela rouba o filme com sua inteligência sarcástica e seu mau humor cativante. Talvez essa quase exclusividade em dar tanto brilho à menina faça o filme ficar cansativo, já que todos os personagens têm uma aura e humor próprios, um pouco esquecidos pelo protagonismo da Wandinha Addams. Mas claro que o filme tem momentos de muito humor, como as cenas do tio Chico e Feioso, em que o tio tenta ensinar truques de sedução ao garoto e piadas sobre álcool gel (Mãozinha toma banho com ele), distanciamento social e uma ótima sobre Billie Elish, são sacadas modernas e muito divertidas do roteiro. E o que a trama realmente transmite no seu momento reflexão é um filme sobre família, união, diferenças e respeito. Por mais que eles possam ter todos os defeitos, o amor que une os Addams, mesmo contrastando com o terror da sua aura, é o mote principal do filme.

A Família Addams 2 – Pé na Estrada é uma razoável sequência, com um trabalho visual maravilhoso e convincente, um passatempo curto e divertido, mas que poderia ter um capricho melhor nas piadas, e ter uma trama, apesar de universal e fraterna, mais razoavelmente desenvolvida e que não espreme o que temos de melhor do todo rico universo Addams, e que apesar de ser um clássico, hoje já tem uma concorrência à altura com a franquia do Hotel Transilvânia, que com o mesmo clima sinistro, cada vez faz mais sucesso e que pode aos poucos deixar a nossa querida Família Addams com seu humor mais inteligente e sarcástico em segundo plano. Enfim, confiram, se desliguem do universo, se divirtam e tirem suas próprias conclusões.

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