Sexta passada o Araújo Vianna, em Porto Alegre, teve uma noite pra lá de especial. Um dos filhos mais queridos (às vezes odiado) da capital, tão distante das outras capitais, se apresentou no templo sagrado de shows da cidade, Humberto Gessinger e seu novo show, com a retaguarda de excelentes músicos, por quase duas horas desfilou músicas da época dos Engenheiros do Hawaii e de sua carreira, entre hits e outras nem tanto, mas mesmo assim idolatradas pela horda de fãs do cantor, mostrando que o seu carisma, talento (e seu cabelo), por mais que alguns teimem em questionar, seguem intactos. E o NoSet conferiu esse show.
Para abertura do show, mais uma vez tivemos o prazer de ver a competente Colomy, dessa vez em formato acústico, o trio formado por dois gaúchos e um paulista, com belas canções, violões sensíveis e harmonias de voz ensaiadas, fizeram uma bela apresentação de aquece, e fica cada vez mais nítida a influência dos guris pelo rock argentino dos anos 1970, Spinetta, entre outros. Rapaziada bem apadrinhada, mas extremamente competente e talentosa.
Por volta das 22 horas Humberto sobe ao palco, com baixo em punho, uma iluminação discreta, mas com um belo telão atrás, onde desfilava imagens, pra começar ele já levanta a galera com Infinita Highway, com uma placa de trânsito indicando-a no telão. Talvez o sucesso que alavancou a carreira da banda nacionalmente, e uma longa música, que todo mundo que é fã canta junto, além do artista mostrar porque é um dos melhores baixistas do Brasil, com uma linha de baixo antológica. A primeira parte do show teve o formato elétrico, com Rafa Bisogno, com seu moicano e pilcha de gaúcho, espanca a bateria com uma pegada incrível e na guitarra temos Felipe Rotta, com sua técnica maravilhosa, um power trio rock and roll extremamente técnico. Até o Fim é inserida na canção e fazia tempo que não via um artista já começando um show com tudo e com um megassucesso, coisas de Humberto. Segue o show com Partiu, canção de sua carreira solo. Detalhe que no telão, a cada música, ficava uma imagem referente a um disco da carreira dele, uma viagem sonora e visual do eterno engenheiro. A Revolta dos Dândis I, outro sucesso de 1987, também faz o auditório cantar junto. O pulo segue pra 1991 com Ando Só, do Várias Variáveis, Um Dia de Cada Vez retoma o Humberto solo e Terceira do Plural, de 2002, ainda como engenheiro, segue o show elétrico e o telão traz a letra, numa ode à poesia de Humberto, por sinal muito bem humorado na noite, com piadinhas típicas dele e muito à vontade tocando na sua terra. Uma coisa ninguém pode negar, Humberto é um gênio sim, pode até ser genioso em alguns momentos, declarações e atitudes da carreira, mas ele toca qualquer instrumento muito bem, tem uma voz maravilhosa e bem cuidada até hoje, tem um séquito de fãs pelo Brasil afora que o idolatram e é um dos maiores letristas do Brasil. E falando em letra, a próxima do show é a linda Somos Quem Podemos Ser, com um belo arranjo e poesia pura.
Na parte acústica Humberto traz um violão à tiracolo e chama Nando Peters para tocar baixo acústico e Paulinho Goulart para a gaita. Confesso que o show se perde um pouco nesse momento, tocam Sua Graça, a bela Vida Real, 3×4, Estranho Fetiche, todas com grandes arranjos, mas como a banda é tão boa (a plugada) o show dá uma, digamos, murchada. Mas o que vemos depois, já com Rafa e Felipe de volta, Humberto com um baixo e guitarra, um braço para cada instrumento e um teclado no lado, é aquele momento que a casa canta junto. Refrão de Bolero em um medley com Piano Bar. Sutileza pura e êxtase com arranjos pesados lembrando a fase rock progressivo do alemão. Pra Ser Sincero segue com o auditório de pé cantado um dos refrões mais bonitos da música brasileira, sem exageros. Terra de Gigantes segue o ritmo dos hits enfileirados. E no telão (quase um quarto integrante do show) surgem fotos em 3×4 de Humberto desde a sua infância até a juventude, que era uma banda numa propaganda de refrigerantes, hoje é uma dança num vídeo de TikTok, outros tempos. Depois dessa catarse, Humberto ainda toca Dom Quixote, De Fé, Maioral e Pose. Todas com arranjos sensacionais de um power trio absurdamente pesado e afiado. Perfeita Simetria, linda canção, que como diz o nome, é igual ao arranjo de O Papa é Pop, só trocando a letra, levanta a plateia de novo. Eu Que Não Amo Você, de 1999, do Tchau Radar, faz todo mundo cantar e cantar juntos embalada com a ótima Surfando Karmas e DNA, onde o Felipe Rotta mais uma vez mostra toda sua técnica incrível e fecha o show com Armas Químicas e Poemas, de 2004. Pro bis Humberto canta a canção que fez para Roberta Campos, a linda em melodia e letra, Começa Tudo Outra Vez, e emenda Chuva de Containers, de 1992. Para finalizar, chama Nando e Paulinho para o palco e encerram com a canção que começou tudo e é a cara de uma Porto Alegre dos anos 1980, Toda Forma de Poder, que mesmo quase 40 anos depois, ainda se mantém atual com suas frases fortes e poesia. Humberto canta, toca, brinca com a plateia e orquestra os eee e ooo da música, e sai feliz junto com seu público ávido por ver o idolatrado artista.
Humberto Gessinger tem um poder único de desconstruir suas próprias obras, brinca com as letras, seus arranjos, faz um show meio que pessoal, não se deita apenas nos hits fáceis, valoriza sua carreira, é um show para conhecedores da sua trajetória, e ele homenageia esses e sua vasta obra, que o faz ser um dos maiores compositores e músicos desse pais, e que tem tantos fãs como detratores. Como ele mesmo fala no seu primeiro sucesso Toda Forma de Poder, mas contrariando a máxima, todos prestam atenção no que ele diz, porque sempre diz muito nas letras, canções e poemas. E na noite de sexta tivemos o privilégio de ouvi-las e se encantar com elas.
Crédito das fotos: Vívian Carravetta