Vivendo pela venda – “Malorie”

O que aconteceria se, de uma hora para outra, todos precisassem viver de olhos fechados, na escuridão, para não enlouquecer?

Essa foi a premissa do livro “Caixa de Pássaros”, inspirando o filme “Bird Box”, escrito por Josh Malerman e publicado no Brasil pela Intrínseca. Malorie passou quatro anos presa dentro de uma casa, local onde deu à luz ao seu filho, Tom, e que adotou Olympia, quando a mãe dela enlouqueceu.

Depois que foge desse lugar, Malorie leva os dois filhos para a Escola para Cegos, onde todos diziam estarem seguros, mas não foi bem assim. É aí que começa a trama desse segundo livro, “Malorie”.

Depois de dois anos, esse quase lar, aparentemente seguro, conheceu a loucura. Pessoas, que chamavam Malorie que paranoica, têm contato visual com as tais criaturas e enlouquecem, dando início a uma verdadeira tragédia. Malorie, com todos seus cuidados, consegue tirar Tom e Olympia dali, chegando a um acampamento militar abandonado, o Acampamento Yadin.

Eles três passam 10 anos nesse acampamento, seguindo regras restritas de Malorie, longe de tudo e de todos, sobrevivendo com os enlatados e demais suprimentos que ali tinha, além de alguns improvisos. Só que as crianças agora são adolescentes e as coisas não seriam as mesmas dali por diante.

Para completar, um homem estranho passa pelo acampamento, alegando ser do censo, que tinha muitas informações sobre o novo mundo e que queria recolher dados deles três. Malorie não o deixa entrar, mas Tom pede que ele deixe a papelada com todas aquelas informações.

Tom sempre foi curioso e criativo, sendo capaz de inventar dispositivos, quase nunca aprovados pela mãe. Ele também tem uma personalidade rebelde, sonha em romper com o estilo de vida imposto pela mãe. Olympia é mais cuidadosa, protege Malorie do mundo do jeito dela, mas também sonha com um mundo diferente, o mundo que é descrito nos livros que conseguiu ler, tanto na escola quanto na biblioteca do acampamento.

A papelada do homem do censo perturba a aparente paz daquele suposto lar. Lá dizia que havia uma cidade, Indian River, onde os rumores diziam que haviam capturado uma criatura e que se convivia com elas, sem medo. Dizia também que agora havia um trem em funcionamento, conhecido como Trem Cego, que passava por Indian River. Mas a notícia mais perturbadora estava na sessão de nomes de sobreviventes, alegando que os pais de Malorie, Mary e Sam Walsh, estavam vivos.

Malorie achava que os pais haviam morrido dezessete anos antes, quando as criaturas surgiram e o mundo enlouqueceu. Isso a faz tomar a decisão mais difícil da última década, abandonar aquele quase lar e ir em busca de seus pais, por meio do tal Trem Cego. Ela sabia dos riscos, começando pela sede de liberdade de Tom, mas sabia que deveria fazer isso.

Mais uma vez eles três atravessaram uma longa distância ao desconhecido, de olhos vendados e com todos os cuidados possíveis. Conseguiram pegar o Trem Cego, mas a sensação de paz ainda estava longe de ser atingida, aquele era um ambiente que Malorie não tinha nenhum controle, não sabia quem estava no trem, quem trabalhava no trem, se as janelas estavam cobertas, se as pessoas estavam mesmo sãs.

A cautela de Malorie conquistou até Dean Watts, responsável pelo Trem Cego, um bom homem, tão sofrido quanto ela, mas que tinha a missão de ajudar os outros. Mesmo confiando em Dean, Malorie sentia que algo estranho poderia acontecer naquele trem, a qualquer momento eles poderiam estar em perigo.

O que ela não sabia é que Gary, o homem que fez com que seus amigos, incluindo a mãe biológica de Olympia, enlouquecerem ao convencer que as criaturas não enlouqueciam, estava à bordo. Ele havia passado todos aqueles anos observando Malorie e os filhos de longe, agora estava naquele trem, para saltar em Indian River, onde vivia, e com a missão de atrair Tom para longe de Malorie.

Gary, na verdade, era mau por natureza, sua loucura não surgiu por causa de contato visual com nenhuma criatura, ele era imune a isso e achava que os outros eram histéricos quanto aos efeitos dessas criaturas. Seu rancor por Malorie durou esse tempo todo e agora ele poderia fazer algo para a afastar da família que construiu.

Em Indian River as coisas foram, paradoxalmente, piores e melhores do que Malorie imaginava. Realmente havia quem era imune e uma grande força tarefa com o objetivo de criar mecanismos para que todos pudessem olhar para as criaturas sem medo, algo que Tom poderia ajudar, com suas invenções. Esse era o pior pesadelo de Malorie, porque o filho poderia enlouquecer dessa forma.

Contudo, foi naquela cidade onde ela encontrou seu pai, lembrando-se da moça aventureira e rebelde que fora um dia.

A narrativa dessa estória demora um pouco a se tornar atraente, pelo menos para alguém que, como eu, não leu o primeiro livro, mas vai melhorando ao longo do tempo. É interessante como o autor descreve os personagens e os lugares, sempre fazendo boas referências de fatos marcantes para a protagonistas, ajudando o leitor a se encontrar na estória.

Embora seja uma obra fictícia, tem uma reflexões boas sobre planos de vida, rebeldia, relação mãe e filho e a própria loucura. A todo momento me perguntei: será que ela não enlouqueceu só pelo medo de tudo aquilo?

Malorie doou sua vida pela segurança de seus filhos, mas agora eles precisavam ter as próprias opiniões e experiências de vida, mesmo que o mundo estivesse louco agora. Mas será que essa proteção toda num é pior do que encarar uma dessas criaturas de frente?

Bird Box na Netflix: Muito Burburinho por Nada.

Outra reflexão, um pouco mais filosófica, é sobre uma das teorias criadas em relação às criaturas, citadas até por Gary (apesar dos pesares). Diziam que as pessoas só enlouqueciam ao ver uma criatura porque não as entendia, era uma informação muito nova e confusa para a maioria das pessoas. O que faz sentido.

Quantas e quantas vezes já ouvimos que alguém é louco porque pensa diferente? Quantas pessoas brilhantes foram julgadas por suas invenções? Quantas mulheres são chamadas de loucas porque querem quebrar o senso comum?

E uma dúvida pessoal também surgiu: essa trama não parece com a de “Um Lugar Silencioso?”.

Eu não assisti “Um Lugar Silencioso”, nenhum dos dois (mas quero assistir), nem “Bird Box”(nem li o respectivo livro), mas ao ler “Malorie” e as sinopses dessas outras obras me fez ter essa sensação.

Em ambos vemos mães tentando proteger os filhos em um mundo pós-Apocalíptico, mudando a forma de ameaça e o sentido retirado. De um lado se tem Evelyn tentando evitar todo e qualquer barulho, dela e dois filhos, porque as criaturas se atraem pelo som, do outro lado tem Malorie, vendando os próprios olhos e dos filhos, sobrevivendo em uma escuridão, mas aguçando a audição.

Por fim, também consigo comparar com nossa vida real, vivendo uma pandemia. Não sou louca e vou explicar.

Por causa de um vírus invisível, o COVID-19, estamos trancados dentro de nossas casas há quase dois anos. Quantas mães estão se desdobrando para proteger seus filhos, insistindo no uso de máscaras e proibindo de explorar o mundo lá fora?

“Malorie” é uma obra fictícia, mas a arte imita a vida e vice-versa, nem sempre para o lado mais agradável.

 

Até Mais!

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