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Um dia de chuva em Nova York. A vida comum ainda é encantadora e mágica.

Contar uma história é algo que requer talento, principalmente se estamos falando da Sétima Arte. Um desses talentos (e, por favor, deixem as polêmicas de lado) é Woody Allen. Allen é responsável por obras memoráveis como Manhattan, Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, Roda Gigante, Hanna e suas Irmãs, entre muitos outros. Resumidamente, ele escreve e dirige sempre com maestria.

 

Sendo assim, claro que as expectativas sobre seu mais novo filme são altas. Com o título de Um dia de Chuva em Nova York, novamente o diretor nos entrega um trabalho excelente, ainda que não esteja à altura de suas obras mais complexas, o que não significa que este novo filme seja mediano. na verdade, Um dia de Chuva é um filme muito bom e que levará o espectador a fazer muitas reflexões. Como todo bom filme deveria ser, este fará com que o público receba o entretenimento que espera, porém também passe por ótimos momentos onde os pensamentos fluirão, haverá o questionamento e, além disso, uma análise sobre a própria vida conforme as vidas das personagens desenrolam na trama.

O mais interessante disso tudo é que este é um filme leve e que se passa em um único dia. Um dia no qual destinos serão alterados e, certamente, muitos sairão dos cinemas com ideias novas e conceitos reformulados. Afinal, só temos uma vida para viver…

Vidas comuns. Situações incomuns.

Um dos principais destaques nas obras de Woody Allen é a simplicidade da vida cotidiana. Ao invés de abordar temas fantasiosos, o diretor e roteirista quase sempre opta por transformar a ficção com altas doses de realidade. E o que pode ser mais real que a vida de uma pessoa comum? Aliás, o que pode ser mais real que as situações incomuns que surgem nas vidas das pessoas normais? Pois a vida é assim, plena de incertezas, reviravoltas e lições. Viver é um constante aprendizado, fato destacado nos principais filmes dirigidos por ele.


A trama.

Um casal decide visitar Nova York a passeio para conciliar a diversão com um trabalho que ela deverá fazer para o jornal da faculdade. Ele é Gatsby (Timothée Chalamet), um jovem inteligente e excêntrico, um viciado em jogos que, provavelmente, tem a habilidade de contar cartas. Ela é Ashleigh (Elle Fanning), uma garota desinibida, falante e muito, muito linda.

Os dois chegam a Nova York e pretendem manter o anonimato para evitar a obrigação de ter que ir a uma festa da família dele. ela, por sua vez, precisa entrevistar o famoso diretor Rolland Pollard (interpretado por Liev Schreiber).

Tudo está bem até que ela, a pedido do diretor, estica a entrevista e começa a viver um dia atípico, único. Enquanto isso, Gatsby reencontra amigos, o irmão e uma jovem e linda mulher que é a irmã de um antiga namorada dele.

Desconectados pelos desencontros, ambos estão em um carrossel de emoções que, sem dúvida, mudará completamente suas vidas.


Elenco.

A grande surpresa do filme está na atuação de Elle Faning. Ela traz um pouco da inocência de uma mulher em formação, que contrasta com o poder de sedução e o desejo comuns à pouca idade e à beleza que ela tem.

Gatsby é outro grande ponto do filme. O ator mostra durante toda a obra uma atuação concisa, equilibrada e coerente com aquilo que o papel pede. Elle e ele conseguem se destacar em um elenco repleto de talentos.

Outras atuações que merecem destaque são as personagens interpretadas por Jude Law (que faz o roteirista Ted Davidoff), o já citado Liev Schreiber, Selena Gomez (cujo papel não merece tanta pompa, mas é importante para a trama), Diego Luna (o galanteador ator Francisco Vega), Rebecca Hall que faz Connie, a esposa de Ted, entre outros. Cada pequeno elemento da trama recebe um intérprete que nos faz acreditar no todo.

Retratos da realidade.

Ainda que a trama seja em sua essência simples, as subtramas mantêm o espectador atento e interessado.

Quando Woody Allen criou o roteiro, ele o fez para que o público adquirisse empatia com cada uma das personagens, fato propiciado pela construção das mesmas. Cada personagem é perfeitamente crível, plausível de encontrarmos no mundo real.

O uso de ironias e diálogos ágeis, por vezes carregados de sarcasmo, são o alicerce para o estabelecimento de um laço entre aquele que vê o filme e os acontecimentos nele mostrados.

Um bom exemplo é uma passagem onde há o seguinte comentário: “Ele chora em casamentos e funerais. Pelo mesmo motivo.”, o que implica em dizer que a pessoa morre ao casar (perda da individualidade) tanto quanto na morte propriamente dita.

Reviravoltas.

Algumas situações apresentadas são bastante complexas e, novamente, fazem de Um dia de Chuva em Nova York um longa-metragem que reflete com brilhantismo a vida real.

Essas situações são o alicerce para compreendermos algumas ações praticadas pelas personagens e mostram que pequenas “coincidências” podem ter resultados – no mínimo – interessantes. Na verdade, alguns podem ser catastróficos, porém tudo isso faz parte do ato de viver e todas as dificuldades e mudanças que isto traz.

São as reviravoltas da história que indicam o quanto Allen ainda está afiado em seus roteiros. O que poderia ser um simples filme, uma comédia romântica, ganha em lições apresentadas, coerência e um visível estudo do cotidiano e da vida nas cidades. Em algumas passagens percebi traços de elementos da obra de Will Eisner (um gênio dos quadrinhos) que sempre retratou a vida comum de forma incomum… e brilhante. Claro, essa foi a minha impressão.

Cores, chuva e emoção.

Desde os enquadramentos mais intimistas, passando pela paleta de cores e, finalmente, as atuações e diálogos, tudo está perfeitamente elaborado para que o espectador receba o produto final (o filme em si) e compreenda que há algo pertinente na obra, algo que a distancia do “lugar comum” de outras produções similares.

O simples fato de termos a chuva como um dos elementos principais da obra (o filme se passa em grande parte nos ambientes chuvosos) é de uma “ousadia” que mostra a possibilidade de ainda termos filmes capazes de impressionar pela simplicidade e, ao mesmo tempo, também pela observação de obras anteriores que usaram recursos similares.

A carga emocional é leve, o que não significa que seja fraca. A obra foi feita para emocionar, refletir e nos agradar. Às vezes poético, outras vezes cru e agressivo, o fato é que este é mais uma obra de Woody Allen feita com o intuito de ser um exercício ao pensamento. Afinal, exercitar a mente é vital para que esta se mantenha ativa, produtiva e saudável.

Um dia de Chuva em Nova York é um longa-metragem que eu recomendo muito. Poderia ampliar ainda mais este review, porém jamais vou estragar a totalidade da experiência possível a você, espectador. Divirta-se, pense e se emocione com esta obra poética e realista.

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