Crítica: Troop Zero
Ah, 1977… três anos antes dos anos 1980, o mundo do cinema era sacudido por duas revoluções da cultura pop que fizeram o barulho das registradoras de bilheterias das salas de exibição não pararem. Uma fez o mundo dançar, literalmente. O planeta dançou ao gingado suburbano de Tony Manero, na atuação soberba de John Travolta no clássico Embalos de Sábado à Noite. No mesmo ano, uma guerra estelar à moda dos clássicos de sci-fi dos gibis dos anos 40, com princesa, império, forças do mal e espadas brilhantes criou uma nova cultura de adoração no mundo, falo do épico Guerra nas Estrelas. Sim, em 1977, Star Wars era apenas o nome em inglês do sucesso arrebatador de George Lucas.
Falando em estrelas, 1977 também ficou conhecido pelo ano em que a Nasa enviaria ao céu uma sonda espacial, a Voyager. De ideia do genial cientista Carl Sagan, em uma tentativa de comunicação interplanetária, foi criado um disco de ouro com sons da Terra. Nesse disco de ouro teríamos sons do nosso planeta, músicas que representassem a Terra (conta-se que Sagan tentou que Here Comes the Sun dos Beatles fosse incluída no Greatest Hits terráqueo para os alienígenas escutarem, inclusive tendo a aprovação da banda, mas a EMI não liberou os direitos aos marcianos…). De Beethoven a canções típicas europeias, música africana a Johnny be Good do Chucky Berry, ritmos latino-americanos a sons orientais e o principal: mensagens de paz terráquea em mais de 50 línguas entoadas por crianças do planeta todo. Até hoje não sabemos se os alienígenas ainda tem prato de long play e ouviram os discos de ouro no Greatest Hits da Terra, mas essa ideia de quem gravaria essas mensagens serve como pano de fundo a um dos melhores filmes da Amazon Prime de 2019, praticamente escondido no catálogo de streaming que estreou em 2020, direto nesse formato: falo de Troop Zero, com .direção da dupla de cineastas Bert e Bertie.
O filme conta a história de Christmas, uma atrapalhada menina órfã de mãe, que sonha com planetas e estrelas ao seu alcance, vive com seu amoroso pai, um tramposo advogado, que tem como secretária Miss Raylen que é quase uma figura materna para a garota. Isso tudo numa interiorana e caipira Georgia do ano de 1977. Quando Christmas descobre que um concurso de escoteiras pode dar como prêmio uma chance de ela gravar uma mensagem terráquea no tal disco de ouro da Voyager que irá ao espaço, resolve criar um grupo de escoteiras reunindo a nata dos deslocados, esquisitos e sofredores de bulliyng de sua cidade. Pra piorar ainda sobra apenas o número zero como alcunha ao registro do grupo. Mas nada é obstáculo a Christmas que forma a Tropa Zero, comandada por Miss Raylen, e o grupinho faz de tudo para vencer suas próprias limitações e conseguir concorrer no Jamboree regional e cravar sua mensagem às estrelas.
Com roteiro de Lucy Alibar, adaptando sua própria peça, Troop Zero tem nele seu grande trunfo. Um filme em que uma história de superação de um grupo de rejeitados, típicos perdedores tinha tudo para ser dramático e apoteótico, beirando ao piegas, a graça é na aceitação da condição do grupo e na sua crença dentro das suas limitações e talentos que todos podem ao seu jeito ter seu lugar ao sol.
O elenco infantil é um achado, Mckenna Grace como a sonhadora Christmas Flint dá um show de atuação, mostrando todas as qualidades e fragilidades da personagem sem forçar nada; o garoto menina Joseph, Charlie Shotwell, quebrando barreiras e preconceitos; Milan Ray como a mal-humorada Sem Chance, também criando um personagem espetacular como um contraponto a doce Christmas, de onde nasce uma bela amizade. Viola Davis como a tutora da Troop Zero, Miss Raylen, também rouba o filme ao mesmo tempo ajudando o grupo de escanteados da sociedade dita perfeita e acaba se inspirando para vencer seus fantasmas e mudar sua vida.
Esse equilíbrio de um roteiro suave com temas espinhosos, um elenco em perfeita sintonia, equilíbrio na direção, fazem de Troop Zero uma pérola a ser descoberta, e pra melhorar, uma trilha com muito David Bowie para deleite dos nossos ouvidos, além de quem mais além do camaleão para representar o não comum. O papel do diferente, que sempre tem que superar seus desafios, que para eles – uma menina órfã deslocada com uma perna menor que a outra, um menino andrógino se descobrindo, uma explosiva gordinha, uma menina religiosa e caolha e uma negra revoltada com o mundo – é um desafio, sempre terá o dobro de superação para vencer é retratado de uma forma divertida, sem ser caricata e sem abusar de clichês. Troop Zero é um retrato realista e duro da infância e suas dificuldades, também mostra que desafios são para ser superados, mas que na maioria das vezes, como diz a própria Christmas em uma cena do filme, como somos apenas humanos temos nossas limitações e só queremos respeito e sermos aceitos. Ah, e sobre o disco da Nasa, a única conclusão que me vem em mente é que se em 1977 os ETs ouviram nosso Golden Album acredito que não devem ter gostado muito pois ainda não mantiveram contato… é, talvez faltou Here Comes the Sun para se encantarem com a Terra….
Título original: Troop Zero
Ano: 2019
Nacionalidade: EUA
Gênero: Comédia Dramática
Duração: 1h34 min
Direção: Bert & Bartie
Elenco: Mckenna Grace, Vaiola Davis, Allison Janney, Charlie Shotwell
Distribuidora: Amazon Prime Video