Thor Ragnarok. O excesso de humor é o bálsamo antes do caos?
Vamos aos fatos. Thor Ragnarok é um filme bom, divertido e à altura do MCU. Porém…
Lembro perfeitamente do impacto do trailer quando Hela (Cate Blanchett) destrói Mjolnir. Hipóteses, furor e a sensação de que teríamos um dos melhores filmes do anos no gênero “heróis”. Mas, infelizmente, isso não aconteceu. E não estou dizendo que se trata de um filme ruim, pelo contrário. O que incomoda é a sensação de que não foi aproveitado o potencial de histórias como Planeta Hulk e Thor: A Queda e Thor: o Renascer dos Deuses por causa de um público formado após Deadpool e Guardiões das Galáxias.
Eu explico (com SPOILERS!!!!):
Histórias misturadas.
As principais tramas visíveis são A Queda e Planeta Hulk, mas há outras tramas das HQ entremeadas. Todas estão em vários trechos de Ragnarok de forma resumida. É fácil enxergar cada uma delas, sem que isso signifique tê-las de forma condizente. Óbvio que estamos falando sobre cinema, uma mídia muito diferente dos quadrinhos, porém fica uma lacuna durante toda a projeção do filme. Fãs das duas sagas não verão 10% do que foi publicado. E eu creio que a Disney e a Marvel devem se lembrar que se os filmes hoje são um sucesso é porque os quadrinhos (e seus fãs) impulsionaram o cinema de super heróis.
Outro fator que gerou desconforto foi o excesso de piada, algo decorrente, como já dito, de Deadpool e Guardiões.
Não sei qual a lógica em transformar o fim de uma cidade e a morte de centenas de asgardianos em algo engraçado, desprovido de drama, mas isso acontece do início ao fim do filme.
Vilões.
Hela, Surtor e Skurge são os responsáveis pela maldade no longa-metragem.
Surtur é uma entidade demoníaca de visual similar ao de Balrog, uma das mais temidas criaturas de O Senhor dos Anéis. Seu visual é impressionante e as criaturas que vêm em seu auxílio também lembram a cena em Minas Tirith de LoTR. Seja como for, essa cena entre Surtur e Thor são algumas da mais empolgantes no longa. O uso de Mjolnir é impressionante e dá ao espectador a esperança de que terá um filme sensacional.
Hela está linda na interpretação de Kate Blanchett, quase idêntica aos quadrinhos. Suas aparições são sombrias e carregadas de raiva e rancor. Ela é a principal figura maligna da trama e sustenta muitas cenas de ação.
Skurge está muito parecido com os quadrinhos e é possível ver a homenagem ao mestre que o consagrou com seus desenhos, Jack Kirby. Ao contrário dos quadrinhos (e isso não ficou ruim), o vilão é um assecla de Hela ao invés de Encantor. Essa adaptação ficou legal principalmente por mostrarem desde o início que ele era um cara de poucos escrúpulos. Seu fim é muito parecido ao das HQ, mas não ficou convincente. Parece que sua redenção foi encaixada de forma abrupta, talvez para evitar um buraco na trama. A mudança de um traidor covarde para o cara que se sacrifica, repito, não convenceu.
Visualmente, os fãs têm pouco a reclamar. Hela, Skurge, Hulk gladiador, Thor, Loki são quase idênticos ao que temos nos quadrinhos. Isso não significa que estão parecidos em comportamento ou índoles. As mudanças feitas para atingir um público mais jovem que gosta do humor de Guardiões da Galáxia foram excessivas e desvirtuaram muitos deles.
Uma prova disso – anunciada nos trailers – é a transformação de Loki em aliado (o inimigo do meu inimigo é meu amigo). Ficou até interessante, o que não significa que ele seria também bem aproveitado como vilão. Claro que os eventos direcionam os personagens para Guerra Infinita e isso talvez justifique essa transição. É preciso ter paciência e aguardar os resultados futuros.
Aliás, essa mudança de atitudes de Loki (ao menos nesse longa) pode ser resultado da ascensão de Tom Hiddleston como ator. Esse alívio dá a ele mais carisma. De uns tempos para cá ele se transformou no querido da Marvel e tem tanto prestígio quanto o Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), Capitão América (Chris Evans) ou até mesmo o próprio Thor (Chris Hemsworth).
Sakaar.
O planeta que trouxe os piores e melhores momentos da vida do Hulk está presente em Ragnarok. Essa foi uma inclusão arriscada por parte da Marvel pois exclui definitivamente a possibilidade de termos um longa do Planeta Hulk com os desdobramentos para Hulk contra o Mundo. Também perdemos a possibilidade de ver os aliados do Hulk em combate (no filme alguns deles foram mostrados de forma muito rasa) e não são elementos essenciais a Ragnarok. O que me intriga é a inclusão de parte dessa trama no roteiro sem que o potencial da história original fosse aproveitado. Em resumo, tive a impressão de ver duas tramas que foram minimizadas por um único objetivo: divertir. Só há um porém: Planeta Hulk e A Queda são tramas intensas e cheias de drama, sem lugar para o humor banal.
As cenas entre os gladiadores de Sakaar, submissos ao Grão-Mestre (Jeff Goldblum) são meros flashes. O foco todo está no combate entre o Hulk e Thor. Verdade seja dita, essa parte ficou bem interessante e intensa, porém o impacto do combate cai por terra quando os dois se encontram nos aposentos do Hulk, agora um astro das arenas. Esse é, inclusive, um dos pontos mais controversos do filme, uma vez que o roteirista Eric Pearson e o diretor Taika Waititi conduziram o Gigante Esmeralda como se fosse um menino mimado. Ele age quase como um popstar que exige água mineral coletada por virgens… ou seja, cheio de vontades. Essa desvirtuação é ruim e deixa o personagem longe daquilo que poderíamos ver em um filme sério sobre o sombrio planeta Sakaar e a vida brutal dos gladiadores.
O artista digital George Evangelista dá uma amostra de como os personagens poderiam ficar mais brutos (algo condizente com o ambiente inóspito do planeta):
Grão-Mestre e Valkyria.
O Grão-Mestre faz o papel similar ao de Dana White no UFC. Ele promove combates sangrentos e é um escravizador. Seus prisioneiros, desde que fortes o suficiente, são preparados para a Arena e, assim como em Gladiador, morrem pela honra de lutar. O Hulk é o mais poderoso dos guerreiros e isso está de acordo com Planeta Hulk. entretanto, são poucos os combates onde podemos ver a arena do Grão-Mestre em seu auge, além de não vermos as mortes (estas são citadas apenas).
A personagem de Jeff Goldblum age como um ser superior aos demais, fruto de sua riqueza e poder. Ele tem uma guarda-costas que o acompanha a todo instante e ele também mata. Sua malignidade não está representada à altura do personagem e, novamente, o diretor e o roteirista deram a ele a pompa de uma socialite.
A Valquíria (Tessa Thompson) faz um papel próximo ao de Caiera em Planeta Hulk. Nesse caso, ela é tão poderosa quanto Thor e vive dando demonstrações de quem manda. A atriz deu força à personagem e não há quaisquer restrições quanto à etnia da personagem. Dessa vez, pelo menos, não houve discussões sobre a cor da pele. Tessa foi uma ótima Valquíria e trouxe bons momentos ao longa-metragem.
Coadjuvantes.
Korg (voz de Takia Waititi) e Heimdall (Idris Elba) são coadjuvantes. Korg é o alívio cômico em uma comédia. Essa participação garantiu algumas risadas ao público… nada além. Heimdall, por sua vez, surge em alguns momentos como a ligação entre Thor e Asgard. Heimdall é uma espécie de testemunha do caos e da morte impostos por Hela. Sua falta é sentida logo no início da trama quando vimos que Skurge o substituiu.
Odin é mais um coadjuvante de luxo. Sua presença está em um divertido momento no qual Thor retorna a Asgard (com as presenças de Matt Damon e o irmão de Chris Hemsworth, Luke Hemsworth, além de Sam Neill). A presença de Odin é a responsável por despertar em Thor um poder que ele próprio desconhecia.
Os três guerreiros têm participação relâmpago (ao menos para dois deles). Volstagg, Fandral e Hogun não têm a presença que queríamos, ainda que Hogun mostre uma parcela de sua determinação como guerreiro e asgardiano.
Efeitos especiais.
Esse é um quesito que a Marvel raramente deixa a desejar. Os efeitos são impressionantes e garantem o impacto visual que Thor Ragnarok precisava. A transformação de Hela, o combate entre o Hulk e Thor, Asgard, Surtur… são muitos os efeitos que dão ao filme a força que precisava. Isso, contudo, não impede que o fraco roteiro e o excesso de comédia tirem um pouco da atmosfera e das personagens criadas pelos efeitos.
Curiosidades.
Jeff Goldblum e Sam Neill se reencontram após Jurassic Park.
Sif (Jaimie Alexander) recebeu tardiamente o convite para participar de Ragnarok. Desta forma, as agendas do filme e da série Blindspot entraram em conflito. Jaimie teve que priorizar a série que já está em andamento.
Hela se revela como filha de Odin e irmã de Thor. Na mitologia nórdica original, ela é uma criatura filha de uma gigante com Loki e tem metade do corpo em decomposição.
A nave que transportava o Hulk chegou a Sakaar (dois anos antes de Ragnarok) por um buraco de minhoca. A nave saiu da Terra após os eventos de Vingadores: A era de Ultron.
Sam Neill está no filme como Odin, assim como Luke Hemsworth e Matt Damon.
Thor ficará com um visual muito parecido com o de seu pai, Odin, assim como na saga Velho rei Thor.
Bill Raio Beta e o Homem-Coisa são homenageados na torre do Grão-Mestre.
A mais estranha fase de Thor (a que ele é transformado no sapo Throg) é citada por Loki que pede desculpas por tê-lo mudado para um sapo.
Notas finais.
Thor Ragnarok é um dos melhores filmes do asgardiano (não do MCU). A inclusão de um guarda-chuva no lugar da bengala do doutor Donald Blake foi uma boa ideia e há muitas cenas e contextos interessantes.
Thor aparece quase como na mitologia: bronco, brincalhão e um beberrão de marca maior.
O Hulk foi reduzido demais por conta de sua inclusão como um astro mimado.
Hela e Valquíria vão orgulhar as mulheres.
Sakaar não está nem de perto daquilo que existe nos quadrinhos.
O pior problema do filme está na vontade de atingir um público mais teenager. Mesmo o excesso de cores (homenagem a Jack Kirby) e o uso de uma trilha sonora antiga (Immigrant Song, do Led Zeppelin) não conseguiram manter a atenção do público, fruto de um roteiro bem abaixo do esperado. Isso ganha evidência por causa das expectativas geradas pelos trailers (que tiveram algumas cenas alteradas na versão final do filme).
Eu quero acreditar que esse terceiro longa do asgardiano seja apenas um prenúncio para as tragédias que virão, a calmaria antes da tempestade. Não é possível imaginar Guerra Infinita com essa dose de piadas e personagens fracos. Espero que a Marvel e a Disney deixem de lado o humor e se foquem na trama mais madura e crua, à altura de sagas como Guerra Infinita, Planeta Hulk e Vingadores: A Queda.
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[…] gosto de apontar um acerto através do erro de outro, porém é impossível não citar Thor: Ragnarok para comparar o uso certo e o errado do humor em uma produção sobre super […]