Quando James Gunn introduziu Guardiões da Galáxia ao Universo Cinematográfico da Marvel nós respiramos. Respiramos porque a Marvel já estava começando a se acomodar numa formúla de filmes que vinha sendo construída desde O Primeiro Vingador, em 2012. Guardiões da Galáxia trouxe um ar de novidade ao MCU e aos filmes de heróis em geral (vide Esquadrão Suicida que imitou e falhou), as piadas rápidas e constantes, o cinismo, a ironia e as trilhas sonoras com músicas que remetem a cultura pop.
Falar de Thor: Ragnarok sem falar de Guardiões da Galáxia seria meio incoerente porque o que vemos aqui é simplesmente mais uma fórmula da Marvel que está se esgotando. Há quem diga que com Taika Waititi na direção temos um respiro de novidade no MCU, o que não é tão verdade porque esse é claramente um Guardiões da Galáxia com o Thor.
Beber da fonte de um filme anterior não seria problema se isso não ajudasse a evidenciar que a Marvel ainda não sabe bem o que está fazendo com Thor. Após dois filmes no mínimo questionáveis, o Deus do Trovão parece o personagem mais perdido do MCU – e olha que eles deram um jeito de encaixar o Homem-Formiga e o Homem-Aranha dando apenas um filme para cada um.
Apesar da grande ameaça que Hela (muito bem incorporada por Cate Blanchett, por sinal) apresenta a Asgard, boa parte do filme é focado em outro planeta onde Thor se vê preso e obrigado a lidar com um governante excêntrico. A partir desse ponto, o filme assume uma alcunha oitentista e decide simular várias características visuais e narrativas de Guardiões da Galáxia sem explicar muito o porquê disso, justificações que estão presentes na narrativa de Peter Quill/Star-Lord.
Entre as incongruências que podem ser citadas no filme, as mais nítidas estão em alguns pontos do roteiro, sejam situações que personagens não parecem ter muito lugar na história (como acontece com Hulk que é praticamente jogado na trama) ou com decisões que não fazem o menor sentido (como quando Thor resolve reviver um monstro que ele matou facilmente para que esse mesmo monstro possa matar alguém que ele não consegue derrotar).
Além desses, outro ponto negativo nítido é o número de voltas que o roteiro dá, uma vez que poderia ser facilmente mais conciso. Isso fica mais claro nas idas e vindas de um planeta para outro durante o filme e no número de flashbacks que são usados para justificar porque isso e aquilo está acontecendo. É clara também a tentativa de criar um “Vingadores de Asgard” formado por Thor, Loki, Hulk e Valkyrie que simplesmente não funciona porque os personagens simplesmente não são bem trabalhados juntos.
A grande novidade que Thor inagura oficialmente no MCU é a liberdade que a Marvel parece começar a dar aos diretores mais autorais, algo que não aconteceu, por exemplo, com Edgar Wright — outro diretor famoso por sua estética e direção autoral. Wright desistiu de dirigir Homem-Formiga depois de quase 8 anos de planejamento porque, segundo o próprio, ele “queria fazer um filme da Marvel, mas a Marvel não queria fazer um filme do Edgar Wright”.
A Marvel parece ter finalmente resolvido essa questão com os diretores porque, apesar de emular vários dos visuais de Guardiões da Galáxia, Taika Waititi definitamente tentou imprimir sua esquisitice visual em Thor: Ragnarok, algo que em meio a tantas cores, chega até a encontrar espaço para funcionar e criar uma atmosfera agradável em alguns momentos.
Thor: Ragnarok é um filme bem descontraído e auto-depreciativo. É mais fácil contar as cenas que não tiveram piadas do que fazer o contrário, isso porque o filme é recheado de deadpans, aquele tipo de humor sarcástico em que situações dramáticas sempre acabam num desfecho irônico — tipo de humor que é característico de Waititi, por sinal.
Porém, apesar de funcionar em boa parte do filme, chega a ser exaustivo o número de vezes que o roteiro usa deadpans ao longo da exibição. O filme não tem tempo de estabelecer sua grande ameaça porque está a todo momento rindo de si mesmo, algo que impede que seja criado qualquer senso de urgência na história e faça toda a virada épica que está prestes a acontecer na vida de Thor parecer apenas um fim de semana problemoso.
Posto dessa forma, Thor: Ragnarok acaba como uma divertida, porém preguiçosa aventura do Senh… Digo, Deus do Trovão. O trabalho característico de Taika Waititi chega até a funcionar no plano individual do filme, mas não chega a ser qualquer novidade no MCU em geral que ainda se sustenta sobre fórmulas já estabelecidas em filmes anteriores.
Mas afinal, esse é pelo menos o melhor filme do Thor? De fato, é sim. Mas vamos combinar que não precisa de muito para concorrer com os dois filmes anteriores.