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MÚSICA

The Pretenders – Araújo Vianna, Porto Alegre

The Pretenders – Araújo Vianna, Porto Alegre
  • Publishedmaio 21, 2025

Domingo passado, o nosso Araújo Vianna, palco de diversas apresentações antológicas em quase um século de vida, teve o privilégio de ter mais um grande capítulo da sua história ser escrito, em um dos melhores shows de sua longeva existência. Domingo, dia 18 de maio, mais de 3 mil pessoas tiveram o privilégio de assistir uma das melhores apresentações e de artistas de fora no nosso estado. Os ingleses do Pretenders, uma das mais icônicas bandas surgidas no fim dos anos 1970 e até hoje em atividade, liderados pela estadunidense Chrissie Hynde, por quase duas horas, fincaram sua bandeira e mostraram como se faz um show de rock e pop visceral, com pegada punk, com competência  e qualidade. O NoSet esteve lá naquela chuvosa noite de domingo e conta nas linhas abaixo um pouco do que foi essa inesquecível performance.

Quando tem banda gringa no pedaço, logicamente, temos que ter atração nacional para abertura. Quem teve essa missão de fazer um aquece foi nosso lorde Nei Van Soria. Por volta das 19h15min, ele e mais dois músicos fizeram um aquece para um Araújo ainda vazio. Mas nada disso foi empecilho para o Nei, que com sua competência e elegância de sempre, tocou um punhado de músicas, como Jardim Inglês, Isso Inclui Você e o sucesso dos Cascavelletes Sob um Céu de Blues. Show com carimbo de qualidade do Nei, abertura perfeita, findada com britânicos 30 minutos de show. 

E falando em britânico, e agora com um auditório já repleto de gente de tudo que é idade, por volta das 20h15min, Chrissie Hynde, David Page no baixo, James Welbourne na guitarra e seu irmão Rob Welbourne na bateria, entraram no palco e sem muitas delongas já quebraram tudo com Hate for Sale, do penúltimo disco da banda, de 2020. Quase emendada, atacam com Turf Accountant of Saddy, do mesmo disco. Na terceira música, voltam 46 anos atrás e tocam Kid, do primeiro álbum, de 1979. Nesse momento já temos um Auditório Araújo Vianna de pé, encantado com a performance do quarteto. Timbres perfeitos de guitarra de James e Chrissie, uma bateria com uma pegada incrível de Rob, um baixo discreto mas preciso de David Page dão o tom no início do show. E o que falar de Chrissie Hynde? Com 73 anos, e uma vida digna de filme, passando por tudo que a efervescência musical já produziu, ela canta como nunca. Uma voz raivosa quando preciso, suave quando necessário. Poucas vezes ouvi uma voz tão agradável num show ao vivo em minha vida. 

O set seguiu com My City Was Gone, do album de 1984, Learning to Crawl e The Buzz, em que ela faz questão de dizer que é em homenagem a Johnny Thunders, do New York Dolls, e mais uma com aquela característica Pretenders de ser, uma miscelânea com peso do punk, rock dos anos 1950 e o pop perfeito dos anos 1980. Ou seja, não tem como errar. De volta a 1979, com Private Life a banda traz as origens de volta com mais um show de Welbourne, o guitarrista que foi nascer apenas um ano depois desse primeiro disco da banda. Do disco Break Up The Concrete, de 2008, tocam a talvez mais fraca do show, Boots of Chinese Plastic, mas com mais um show de James Welbourne. E falando em botas, Chryssie usava uma de couro até os os joelhos, combinado com seu visual rocker, com cabelos coloridos desgrenhados, tapando os olhos, sua telecasters no colo e uma camisa do Freak Out, disco Mothers of Invention, do Frank Zappa. E as botas brancas do James também eram marcantes no palco do Araújo. 

O pop de Thumbelina, do disco de 1984, coloca a plateia de volta na vibe da década dita perdida e Talk Of The Town volta ao 1980, quando a banda ainda estava no segundo disco e fazia a transição do punk pra new wave com tintas de muito pop que dominaria a década seguinte. Mas realmente a casa vem junto quando James manda o solo inicial de Back On The Chain Gang, um dos maiores sucessos da banda, aquela que tem gente que foi no show só por causa dela (e mais duas que serão tocadas depois). Passada a avalanche de celulares filmando, o povo senta de novo, mas a banda segue nas pedradas mais recentes (leia-se anos 2000), com Don’t Cut Your Hair, de 2008, a de 2023, Let The Sun Come In, do último disco, Relentless.

Quando o povo ensaiava descansar, ir ao banheiro ou buscar uma cerveja, afinal músicas novas servem, infelizmente, para muita gente fazer isso, a guitarra de Welbourne faz aquele riff abafado de Don’t Get Me Wrong, talvez o maior sucesso comercial da banda e que faz todo mundo cantar junto, para alegria de Chrissie. Time Avengers, a minha preferida, segue o baile dos Pretendentes e depois Chrissy dá uma show de interpretação cantando Forever Young, do Bob Dylan. Uma voz impecável, cheia de técnica, ela brinca com seus trêmulos e vibratos com uma facilidade que chega a humilhar. Tudo correu como som de CD, límpido, mas alto e pesado como tem que ser um show de rock, e nada sobrando, um impecável profissionalismo, que só os gringos podem nos proporcionar. Night In My Veins, dos anos 1990, para completar o compêndio de canções da banda através das décadas, apresentado no show, abre alas para a pop Middle of The Road, com solo classudo de harmônica da Chrissie e cantada por um público de pé e mais uma do disco Learning To Crawl, o mais revisitado da noite.

 

A banda então sai de cena, dá um bye bye pra galera, fica aquela expectativa de sempre. Mas a banda até que volta rápido, acho que em nem dois minutos está de volta para o bis, que começa com a belíssima Message Of Love, do Pretenders 2. Seguem com o cover do The Kinks, que fizeram no primeiro álbum, Stop Your Sobbing, e Tattooed Love Boys, do primeiro e mais pós punk new wave disco. Sem a guitarra, Chrissie apenas com o microfone na mão puxa aquele hit dos anos 1990 que ainda está na cabeça do povo, a belíssima I’ll Stand By You, é aquele momento celular na mão para filmar e que já acaba iluminando o auditório. Mais uma vez a voz poderosa de Chrissie adentra a alma num sublime momento. A banda ainda toca Precious e termina com uma novidade que não tinha sido tocada nos shows anteriores e mais uma do disco de estreia, Mystery Achievement, findando com ar de nostalgia um show que pincelou diversas fases da banda.

Fechava assim uma noite memorável, com uma aula de como fazer um show. Uma das melhores performances vocais que presenciei na vida. Chrissie Hynde só melhora com o tempo, jamais abandona a atitude rock and roll. A enérgica juventude dos novos membros, principalmente o fantástico guitarrista James Welbourne, que além de tocar muito bem, dança, mexe as pernas com uma aura Gene Vincent e alma rockabilly, mesclado com a experiência da líder da banda, fazem o Pretenders se manter atemporal. Uma banda que surgiu no punk, surfou na new wave, deslizou nos anos 1980 com um caminhão de hits, uma balada radiofônica salvou os difíceis anos 1990, e nos anos 2000 teve maturidade para sempre se manter ativo e produzindo. E no palco, com um show que mapeou todas essas fases, encantou um Auditório Araújo Vianna, em êxtase, com gente que acompanha a banda desde os anos 1980, até os que foram atrás dos grandes hits, mas todos acabaram presenciando um histórico show (o segundo da história em Porto Alegre, abriram Phil Collins em 2018), comandado por uma das mulheres mais icônicas e talentosas do estilo. Um show que aumenta a régua para cima e será lembrado por muito tempo!

Written By
Lauro Roth