SPC Acústico – O Último Encontro, no Araújo Vianna

Houve um tempo na história recente da música popular brasileira, em que o mineiro Alexandre Pires, com certeza, era o artista mais famoso do Brasil. Desde o início, quando junto com amigos fundou o Só Pra Contrariar, e que junto com o Raça Negra e o Negritude Júnior, abriram caminhos para o samba rock romântico, ou pagode dos anos 1990, passando por em 1997 ter o disco mais vendido do país, e depois seguir uma carreira romântica que atravessou fronteiras, tocando inclusive para o presidente George Bush, Alexandre acumulou sucessos, fama e uma popularidade incrível.

Os anos passaram, o cantor se reinventou, fez projetos com Seu Jorge, tem seu Baile do Nego Véio, mas é com os colegas de Uberlândia que seguidamente volta para lotar casas de espetáculo no Brasil. E com esse intuito, com uma turnê chamada SPC Acústico – O Último Encontro, o que supostamente seria a última junção da banda popular que encantou o país, sete integrantes originais se uniram para uma show antológico. Devido às enchentes de maio no Rio Grande do Sul, o show foi adiado para setembro em duas datas no Araújo Vianna, e na primeira delas, dia 20 de setembro, concisamente o dia do gaúcho, o NoSet estava lá para conferir esse tal último encontro.

Noite agradável, casa cheia, um bando de fãs e admiradores de mais de quarenta anos entupiam o Araújo ávidos pelo show. Marcado para às 20h30min, passou para as 21h, e um temporizador regressivo no telão anunciava 10 minutos antes que o show iria começar, criando uma expectativa legal e um profissionalismo exemplar. Eis que 21h em ponto, com direito a telão com ilustrações dando uma explicação da história da banda, um palco abarrotado com 28 músicos, incluindo os sete da banda, uma orquestra local e músicos de apoio, o grupo surge no fundo palco, com uma beca característica, ternos cortados e muita elegância, para um show com 34 músicas e três horas de duração. Começam o show com Quando é Amor, sucesso do disco de 1997, que quebrou recordes de venda. Com uma super produção, iluminação digna de shows de Las Vegas, um som cristalino e uma voz simplesmente sensacional, Alexandre Pires e a sua trupe já ganharam a plateia de vez.

Poucas vezes no Araújo ouvi um som tão limpo e equalizado, e a voz do Alexandre é, com certeza, uma das melhores do Brasil, sem sombras de dúvidas. Depois a banda segue com sucessos de 1994, Te Amar Sem Medo e Meu Jeito de Ser, em que Hamilton Faria esmerilha o sax com aquelas linhas românticas enraizadas na nossa cabeça. Contando com um afiado time de backing vocals, que são um show à parte, e Fernando Pires ao seu lado. Alexandre e o irmão dançam, demonstrando malemolência e talento invejável. Seguindo em 1994, mandam Você Vai Voltar Pra Mim e logo depois engatam Que Beleza, cover de Tim Maia, cantada por Fernando Pires. Samba Não Tem Fronteiras, de 1995, segue o script com mais uma sensacional interpretação. Arranjos incríveis, naipes afiados e um suingue contagiante, com cinco músicas, o SPC já tinha feito um dos melhores shows que assisti no Araújo nas quase 80 coberturas de espetáculos desde 2022. O show segue com um festival de sucessos, como: Nunca Mais te Machucar, Você de Volta, Quem Dera, Machuca Demais e Primeiro Amor, essa em que Alexandre Pires explica que fez na tenra idade de adolescência e gravou em 1994.

Chegou o momento em que tocam a inesquecível A Barata, hoje, para novas plateias, poderia ser alvo de cancelamento, mas continua um grande barato para quem nasceu em anos que começam com 19.., com toda a banda participando. Amor Verdadeiro, Tão só e Tem Tudo a Ver é mais um medley da banda relembrando antigos sucessos, com destaque a lindíssima segunda canção. Não posso deixar de lembrar que desde a primeira música ninguém mais sentou, numa celebração ao que melhor a música brasileira produziu nos anos 1990, e que se hoje é pejorativa, chamado de pagode xexelento, como alguns imbecis que não sabem o que é uma levada de tantan, o SPC é muito acima da média e seu show coloca no bolso, com talento e profissionalismo, 90 por cento dos artistas nacionais. E numa homenagem a esse pagode dos anos 1990, em que Alexandre lembra dos insanos, mas nostálgicos tempos do programa do Gugu e a sua banheira, a banda engata Marrom Bombom, dos Travessos, A Poderosa, da Banda Brasil e termina com a épica Temporal, do Art Popular, simplesmente a nata do pagode de 1990, emocionando e fazendo todo mundo cantar junto. Chegam a tocar uma nova, Mesa da Frente, que infelizmente, pro público que quer antigas, é a hora de buscar chopp ou tirar água do joelho, mas que é seguida pela sensacional Outdoor, aquelas canções que todo mundo, mesmo não querendo saber, sabe cantar.

O show dá uma resfriada com músicas como Dessa Vez eu me Rendo, uma versão fraca de Amor Puro, do Djavan, em que o multi instrumentista Fernando Pires toca baixo com muita competência, mas a música não emplaca, volta a dar uma animada com Interfone. Pode Chorar, cover do Aviões do Forró, é mais uma dispensável e pavorosa música, que uma banda como o SPC com tantas canções boas, poderia evitar. O mesmo com Doi Demais e Nosso Sonho não é Ilusão, boas músicas dos anos 1990, mas abaixo da média geral, talvez no momento mais cansativo do show.

Em Minha Fantasia, versão de uma canção de Lenny Kravitz, Fernando Pires assume com competência os vocais, enquanto o mano Alexandre vai trocar de roupa. Muda de terno preto para um estiloso look branco e anunciam um medley de Bob Marley (??). Tocam One Love, Is This Live, Three Little Birds, No Woman no Cry com a versão em português do Gil, tudo com esmero, mas me pergunto: qual o sentido de uma banda de pagode romântico tocar um medley de Bob Marley? Às vezes penso que Alexandre Pires tenta misturar seu show do Nego Véio com o SPC, o que acaba nos proporcionando momentos duvidosos como esses. Mas como diria Benito di Paula, tudo volta ao seu lugar quando voltam ao  início de tudo, com a sensacional Que se Chama Amor, que fez o Brasil cantar junto com o SPC pela primeira vez. Chega mais um momento, ao meu ver, dispensável quanto tocam versões em português de sucessoes gringos, com músicas como Minha Metade, Teu Olhar e No Céu da Paixão. E com Alexandre de branco, parecia mais um pastor cantando hinos gospel que um show animado de pagode. Enfim, depois emendam Final Feliz, sucesso de Jorge Vercillo, esse sim combinando muito com a sonoridade da banda. Banda que não posso deixar de citar. Apesar de serem quase figurantes do Alexandre Pires, e em menor proporção do Fernando, o SPC é composto por Juliano Pires na percussão, Luís Fernando e sua “animação contagiante” no pandeiro, Alexandre Popó no surdo, o excelente saxofonista Hamilton Faria e o brilhante e simpático Serginho Sales no piano e teclados. Sem eles a banda não seria nada e desde o início dos anos 1990, comandam um  instrumental incrível.   Seguem com É Bom Demais, samba rock de primeira que moldou o som da banda no início da carreira com um arranjo azeitado com metais e percussão de arrepiar, mas é na homenagem que Alexandre faz ao Rio Grande do Sul, com Querência Amada, hino não oficial do Estado, de Teixeirinha, que o auditório canta junto, chora e se emociona, ainda mais no dia 20 de setembro e com tudo o que nós gaúchos passamos nesse maluco 2024.  Alexandre comanda a massa, se emociona muito e diz que eles devem muito ao Rio Grande, num dos momentos mais tocantes do show, com a bandeira do Rio Grande do Sul no fundo. Não tem como não admitir que uma lágrima quente caiu nesse momento…

Alexandre então faz uma declaração de amor à música brasileira, de todos os estados, de todos os ritmos e vertentes e acaba quebrando o gelo tocando alguns modões sertanejos clássicos como Boate Azul, Fio de Cabelo, Estrada da Vida e Ainda Ontem Chorei de Saudade, em um divertido momento, mas que não embalou a plateia. Com todo respeito, uma banda como o SPC tem músicas pra fazer um show só deles, com sucessos próprios e não precisa de um bailão de três horas pra animar a galera, o público é de mais de 40 anos, e se uma coisa que aprendi vendo dezenas de shows, é que show com mais de duas horas é exagero, o que dirá três horas, que só chegam nesse ponto por causas dessas inserções que poderiam ser evitadas. Mas, o show é do SPC e eu não tenho nada que ver com isso. Só que o cansaço era nítido na plateia. Ainda tocam um medley em homenagem ao mestre Jorge Ben Jor, cara que influenciou demais esses pagodeiros com músicas como Mais Que Nada, Taj Mahal e País Tropical, fazendo como faz Jorge, a casa virar uma grande festa.

Chega o momento em que Alexandre pega uma cadeira, e com o violonista, faz uma versão intimista da lindíssima Depois do Prazer, um dos maiores sucessos da banda. Emocionante e singelo, um show de interpretação e um violão sensacional acompanhando. Mas a introspecção dura pouco e Alexandre coloca o chapéu, dança sorri e manda um Sai da Minha Aba seguido por um Mineirinho com direito a zabumba e triângulo. Domingo, um dos maiores representantes do pagode dos anos 1990, anima mais uma vez galera com um show do cavacanista da banda e com Essa Tal Liberdade, em seguida os corações apaixonados entoam juntos o brado de arrependimento do super sucesso do longínquo, mas inesquecível 1994. A banda ainda tem tempo de entoar o hino de superação do samba Não Deixe o Samba Morrer, imortalizado na voz de Alcione, e o show termina com Você Virou Saudades. Alexandre e companhia se levantam e seguem para o fundo do palco cientes de terem feito um show histórico, com um público cansado, mas satisfeito.

Como falei antes, Alexandre Pires é um dos últimos showmans do Brasil. Ele esbanja simpatia, sex appeal, dança, tem um sorriso marcante, é elegante e tem uma das melhores vozes do Brasil. Mas naquela noite méritos são para a super banda que é o SPC, sempre acima da média das bandas genéricas da época. Fernando sempre incansável tocando tudo que vier pela frente, Juliano Pires, Luis Fernando, Popó, o genial Serginho Salles e Hamilton Faria, com uma banda sensacional de apoio, nos proporcionaram um espetáculo único, um festival de sucessos de um dos grupos mais importantes do Brasil. Claro que a ânsia de fazer um show de três horas cansa e o excesso de covers e canções duvidosas acaba aumentando demais a duração do show. Mas SPC Acústico – O Último Encontro foi um dos maiores espetáculos que já presenciei, em que vimos a sincronia de um som perfeito, luz e uma banda recheada de sucessos esbanjando cancha e simpatia, comandados por um inspirado Alexandre Pires. Vai ficar muito difícil esquecer o 20 de setembro de 2024, onde os mineirinhos colocaram a gauchada a dançar e se emocionar no Araújo Vianna.

Crédito das fotos: Vívian Carravetta

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