Social Comics – 3000 Anos Depois: uma obra que merece sua atenção.
Colaboração: Franz Lima.
O interessante de descobrir obras do passado que falavam sobre um futuro no qual ainda não chegamos, é perceber o quão diferente (ou igual) podem ser as perspectivas da obra quando comparadas às que temos nos dias atuais, ainda mais quando se trata de uma obra lançada há mais de 30 anos em plena Guerra Fria, onde a humanidade dia após dia temia uma guerra nuclear que poderia dizimar a vida, enquanto, ao mesmo tempo, sonhava com as maravilhas que o futuro poderia trazer à humanidade.
Em 3000 Anos Depois nos é contada a história de como a humanidade consegue chegar a um futuro distante e aparentemente perfeito, mas ainda assim à beira do colapso que só poderá ser evitado caso a sociedade regresse e reviva um antigo hábito que quase extinguira a mesma: guerrear, o ato que, dentro da trama, dizimou dois terços da humanidade no passado, mas que agora é a única esperança de que os humanos possam continuar a habitar o planeta Terra.
O mais incrível da trama é a mitologia criada pelo autor Deodato Júnior, pai do quadrinista Mike Deodato Jr., que serve como pano de fundo para a trama principal (por sinal muito bem feita e fascinante). Desde o primeiro momento o roteiro dinâmico conta mais de três mil anos de história sem cair em contradição ou acabar atropelando a si mesma, o que é uma tarefa difícil para qualquer roteirista pôr em pratica, considerando a riqueza de detalhes que a mesma possui, desde o motivo e os participantes das guerras que quase dizimaram a humanidade e as cidades afetadas pela mesma até todo o percurso que a raça humana teve de seguir para conseguir se recuperar e criar a utopia na qual a trama principal se passa.
Outro fator importante do roteiro é a mensagem que o mesmo passa no final da obra, onde o leitor é posto para pensar no que realmente é equilíbrio e até onde a busca pela perfeição pode nos levar. Ao conduzir o leitor a um questionamento sobre tais assuntos, a HQ acaba por se fixar na mente de quem a lê, ao contrário de outras obras atuais que, apesar de garantir algum entretenimento, logo são esquecidas e dão a ligeira sensação de tempo perdido, isto quando não são praticamente iguais umas às outras.
A arte.
A arte da HQ é um show à parte. Cada página é rica em detalhes que comprovam o talento de Mike Deodato Jr. (aqui nomeado como Deodato B. Jr.). Com artes de página inteira e outras extremamente minuciosas, a leitura torna-se ainda mais prazerosa. E por falar em leitura, nada mais justo do que citar o conteúdo escrito que é de altíssimo nível. Mesmo em preto e branco, cada elemento que compõe os cenários é perceptível graças ao cuidado e aos traços impecáveis. O mundo e os personagens possuem um design único, onde podemos ver desde naves espaciais feitas de maneira inspirada, um mundo rico em detalhes e personagens com um design complexo responsável por diferenciá-los entre si e do cenário (já que algumas artes tendem a misturar personagens e arte).
Ainda posso citar o uso de arte gráfica antiga onde palavras são incorporadas ao cenário, onde estas dão ênfase ao clima hostil e ao medo que afeta toda uma raça. O pontilhismo é outra marca registrada da arte de Mike Deodato Jr.
Com uma trama onde o mau uso da energia nuclear gerou a quase extinção da humanidade e o posterior surgimento de uma ameaça capaz de reacender o desejo de guerra, Deodato Júnior conduz com muito talento a trama desta HQ.
Concluindo 3000 Anos Depois merece sim a sua atenção, principalmente se o seu perfil como leitor de quadrinhos é o de quem gosta de uma obra riquíssima em detalhes, com uma arte inspirada e que o colocará para refletir sobre a vida que vivemos e o que nós queremos para o futuro. Caso você tenha lido A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, certamente encontrará elementos que inspiraram a obra do pai de Mike, o que não diminui em nada sua pertinência como quadrinho nacional.
Observação: foi lançada uma reedição da histórica graphic novel de 1984, desenhada por Deodato, com roteiro de seu pai Deodato Borges, desta vez com capa dura, páginas novas inéditas, mais 3 histórias curtas do mesmo período e entrevista com o artista. A obra está disponível pela Amazon.