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Música

Show Recomeço RS no Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre

Show Recomeço RS no Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre
  • Publishedjunho 25, 2024

Existe aquele famoso ditado: “Depois da tempestade vem a bonança!” Enfim, o que aconteceu no Rio Grande do Sul entre o fim de abril e início de maio, com chuvas em níveis históricos e inundações catastróficas jamais vistas, transformou para sempre nosso estado e a cabeça dos gaúchos. Uma onda de solidariedade pelo Brasil e pelo mundo inteiro foi criada para ajudar as vítimas das pesadas tormentas. E passados mais de 50 dias do pior momento da crise climática, a banda Fresno teve uma atitude nobre, de unir a classe artística do Rio Grande do Sul e usar o Araújo Vianna (que não tinha shows desde o dia primeiro de maio, com a Maiara e Maraisa, onde chegou a entrar água no local, tamanha chuva) para um espetáculo beneficente em prol das vítimas e, em especial, aos trabalhadores da música, seriamente afetados pelo momento. Recomeço, o nome do projeto, reuniu mais de 4 mil pessoas e o NoSet, que não fazia coberturas desde aquele show de primeiro de maio, também recomeçou e conta aqui um pouco desse momento histórico.

Costumo falar que o Fresno foi a última banda aqui do Sul a empunhar guitarras que fez um verdadeiro sucesso nacional. Lucas, Vavo e Thiago, que iriam lançar seu disco novo, armaram esse encontro de titãs da música do Sul para essa data. Como coincidência, tivemos no mesmo dia um Gre-Nal horas antes, disputado em Curitiba, e o local era tomado por pessoas com camisas do Inter ou do Grêmio, convivendo, como se deve ser, pacificamente. Por mais de 5 horas e meia um verdadeiro dream team de artistas passou por aquele palco. E em um formato acústico, com um tocando no violão do outro, minimalista e improvisado ao extremo, sem ensaios, tivemos a oportunidade de ver os artistas se doando, na simplicidade e coração, em prol do nosso estado.

 

Teve Marcito Castro, um dos grandes comediantes daqui, morador do Sarandi, um dos  bairros mais afetados pelas inundações em Porto Alegre, abrindo os trabalhos e fazendo o povo rir depois de tanta dor. A Fresno tocou suas músicas com temática de Porto Alegre com um emocionado Lucas. Aliás, Lucas se mostrou um excelente apresentador, comandando toda aquela galera que se divide no palco com muita maestria. Humberto Gessinger foi um dos primeiros a se apresentar, emocionando com Herdeiros da Pampa Pobre, um hino não oficial gaúcho, Até o Fim e voltando às origens dos Engenheiros com Toda Forma de Poder. Humberto é hour concours, ele encanta, canta e hipnotiza a galera, um dos nosso gênios, queiram ou não queiram admitir, de nossa música. Na sequência tivemos Carlinhos Carneiro, um dos caras mais onipresentes da música do Rio Grande. Duca Leindecker com suas doces e emocionantes canções. 50 Tons de Preta representando as mulheres pretas com sua força e  atitude em músicas contundentes.

Depois outro gênio da música brasileira com sua timidez característica, mas que acaba completamente quando toca sua divina gaita. Falo de Borghettinho, acompanhado pelo filho no bumbo leguero e um genial músico (falha de não lembrar o nome) no violão de sete cordas. Uma aula de música, virtuose e tradicionalismo raiz.  Viridiana, talento jovem daqui, teve seu espaço empunhando seu violão e cantando suas cortantes canções. Tivemos ainda Mano Changes, cantando sucessos da Comunidade Nin Jitsu, em um inusitado formato acústico. O reggae foi representado por Rafael Machado, ex Chimarruts e Serginho Moah, do Papas da Língua, fazendo o auditório cantar e se emocionar com Eu Sei e Um Dia de Sol. Entre um intervalo e outro, Lucas chamava pessoas que participaram como voluntários naqueles dias mais dramáticos que o estado passou, pessoas que doaram suas vidas para praticar o bem para quem perdeu tudo na tragédia. E o show também foi transmitido em formato de live, onde qualquer pessoa podia fazer doações para a nobre causa.

Tivemos Duda Calvin com seu punk rock acústico. Pepe Joe tocando sucessos da Maria do Relento, Jacques Maciel do Rosa Tattooada, fazendo o Araújo cantar com O Inferno Vai Ter Que Esperar e Alemão Ronaldo, tocando sucessos, como ele mesmo fala, do século passado, com destaque para o hino Campo Minado do Bandaliera. Destaque para o Lucas, que mostrando muito talento no instrumento, praticamente acompanhou todos os artistas com extrema competência. Tivemos mais Fresno, Tchê Gomes representando o TNT e o lorde Nei Van Soria representando os Cascavelletes e que quando cantou Sob um Céu de Blues, tivemos mais um dos momentos históricos do nosso templo que é o Araújo, quando platéia e artista se conectam através da música, um hino, mais precisamente, de maneira transcendental. Rafael Malenotti dos Acústicos e Valvulados, com uma bandeira do Rio Grande como capa e um violão em punho começa com É Preciso Saber Viver do Rei Roberto, uma espécie de mantra pro nosso povo e depois, em companhia do seu filho, embala a galera com Até a Hora de Parar e Fim de Tarde Com Você, em mais um momento mágico do evento.

Em outro momento marcante, sobem ao palco os Fagundes, representantes da nossa música tradicionalista com violão, bumbo leguero e Neto Fagundes comandando a massa com a arrepiante Origens e o Canto Alegretense, umas das mais lindas canções em homenagem a uma terra da história. Mostrando a diversidade do espetáculo temos Júlia Barth representando os Replicantes tocando uma curiosa, mas histórica, versão de Surfista Calhorda com violão como base e junto com Lucas homenageia o eterno Júpiter Maçã com Um Lugar do Caralho. Lucas apresenta que nem só de nostalgia vive a nossa música e traz ao palco a banda Dingo que anima a já diminuída galera (já se passavam mais de 4 horas de show) com seus sucessos Dinossauros e Eu Vim Passear e logo depois Andrio Maquenzi, ao lado da lenda Frank Jorge, relembram a lendária Superguidis com a ótima Malevolosidade. Frank Jorge ainda tocou Nunca Diga, outro clássico, dessa vez da Graforréia Xilarmônica, e para fechar com alto estilo, todo mundo que ainda estava ao palco subiu para cantar mais um dos tantos hinos não oficiais do Rio Grande do sul, o crossover da bagualice rural com a sarjeta urbana, nosso Amigo Punk, fechando com grande estilo essa ode à música do estado em prol de uma causa tão nobre.

Um parabéns à Fresno que teve a sensibilidade de chamar tanta gente boa e disposta a fazer história nessa noite de recomeço de um estado que ainda vai ficar muito tempo com essa dor profunda daqueles dias de muita catástrofe, tristeza e perdas humanas e materiais. Mas que, como tudo na vida, tem que ter uma solução e dia a dia reconstruímos nosso estado com muita resiliência e luta e eventos como esse, marcando e dizendo que a cultura e a música são de extrema importância para tornar mais poético e agradável esse longo e desafiador recomeço e volta da esperada bonança.

 

Crédito das fotos: Vívian Carravetta e reprodução YouTube

Written By
Lauro Roth