Show de Paulinho da Viola no Araújo Vianna, em Porto Alegre
Em novembro de 2022, um dos grandes nomes da nossa MPB entrou no grupo dos 80. Paulo César Batista de Faria, ou melhor, o genial Paulinho da Viola, uma das entidades do samba, completou 80 anos de serviços à boa música brasileira. E quem agradece somos nós, que somos privilegiados com uma série de shows do sambista pelo Brasil. Sábado passado Porto Alegre teve o prazer de receber sua elegância e talento num show memorável no Araújo Vianna, e é claro, o NoSet estava lá pra contar como foi esse imperdível espetáculo.
Com a casa recebendo um bom público, mas longe de lotar, quase que pontualmente, parecendo um ser divino, surge Paulinho da Viola. Ele chega ao microfone e traz à tiracolo uma caixinha de fósforos, talvez o instrumento mais democrático do samba e responsável por grandes batucadas de rodas de samba da história. Com a caixinha em punho, batuca com os dedos e canta um samba inédito, Ele, deixando o público encantado com sua sutil interpretação. Paulinho explica que a pretensão é gravá-lo em breve, e espero mesmo que o faça, de tão boa que é a letra. Já com cavaquinho em punho e a banda entrando com tudo, segue com Samba Original, de 1966, que gravou com o amigo Elton Medeiros. Canção do Elton e do Zé Keti, lembrando a primeira incursão de Paulinho nos discos. E logo depois embala Eu Canto Samba, canção de 1989, um dos maiores clássicos de seu repertório e conquista de vez o auditório com o ritmo contagiante e letra de ode à alegria ao ritmo outrora mais popular do país. Nas Ondas da Noite segue o baile, onde Paulinho revisita canção de 1971, ano que de tamanha popularidade, gravou dois discos. Onde a Dor Não Tem Razão, mais uma parceria dele com o saudoso Elton Medeiros, dá um pulo de 10 anos da carreira, chegando a 1981, essa com uma letra de uma poesia encantadora. Segue o divertido samba Vela no Breu, dos anos 1970, e a lindíssima Coisas do Mundo, Minha Nega, do primeiro disco exclusivo do artista, de 1968.
Então chega aquele momento que Paulinho senta e começa a falar de sua paixão. Divaga com carinho sobre a escola de samba da águia mais famosa em uma declaração de amor a sua Portela. Também se queixa que os novos tempos não estão agradáveis para veteranos sambistas nesse esquema de puro business que virou o carnaval nas ultimas décadas. Mas suas histórias, de como conheceu a azul e branco nos anos 1960, e como se encantava com os sambas de terreiro e aquela turma de Oswaldo Cruz, são histórias para ouvir e jamais esquecer. Então, nos presenteia com duas canções que pra ele representam aquela escola do passado, um local de afeto, confraternização e, é claro, bom samba. Primeiro canta um dos hinos da Portela, Portela Passado de Glória, do Monarco, aquela que conta de um tal de Paulo Benjamin de Oliveira (que sou suspeito de falar) e emenda com Esta Melodia, de Bubu da Portela. Momento mágico do show, mostrando que o bastão do Paulo da Portela foi passado com louvor para Paulinho da Viola na hierarquia histórica da escola, mas que hoje anda carente de alguém do peso dos dois Paulos. Enfim…
Segue o show e novamente, com sua suave voz, jeitinho tímido e hipnotizante, conta como foi a concepção de Sei Lá, Mangueira, umas das mais lindas homenagens a estação primeira, e como um portelense conseguiu isso. Coisas que só Paulinho poderia fazer e com sua banda toca essa pérola do samba que inicia com aquele verso de uma beleza única: “Visto assim do alto/ mais parece um céu no chão”. Literalmente, sem palavras. Mantendo a homenagem, mas dessa vez ao maior nome da escola coirmã, canta Acontece, um dos sambas mais lindos de Cartola, gravado em 1972. Aqui numa interpretação voz e piano, esse tocado por Adriano Souza magistralmente. A banda do Paulinho merece destaque, além do já citado Adriano, temos João Rabello (seu filho) no violão, Mario Sevé nos sopros, Dininho Silva e Ricardo Costa, baixo e bateria e colaboradores de outros carnavais do cantor, além de Celsinho Silva e Esgueleba na percussão. Time de primeira pra acompanhar o mestre.
Na terra de Lupicínio não podia faltar Nervos de Aço, e ele manda ver essa joia presente no disco histórico do cantor, de mesmo nome, que completa 50 anos neste ano. Mais dois clássicos, a incrível Sinal Fechado, com sua poesia em forma de diálogo e ótimas nuances sonoras e depois, Dança da Solidão, de 1972, um dos seus maiores sucessos, cantada com vigor pela encantada platéia. Coração Imprudente, do mesmo disco, parceria sua com Capinam, mantém a toada sonora e Pecado Capital, talvez uma das suas composições mais populares, imortalizado pela novela homônima de 1975, foi uma das mais cantadas pela platéia. Coração Leviano, uma das mais lindas canções do Paulinho, é brilhantemente entoada pela galera e, rapidamente, quase que num pot-pourri, ele emenda Argumento, um dos seus melhores sambas, com arranjo perfeito e enérgico da super banda. Esse bloco mostrou a força dos anos 1970 na carreira do sambista, resgatando obras inesquecíveis daquela época em que o samba de qualidade vendia discos, tocava nas rádios, era popular e Paulinho era rei.
Mas como rei jamais perde a majestade, ele deixa pro final dois sucessos de quando, em 1996, teve uma espécie de renascimento para o público, principalmente os mais novos, quando lançou o disco Bebadosamba, um dos melhores de sua carreira. Na canção de mesmo nome do disco, evoca em brinde os grandes nomes da história do samba, citando lendas que construíram a trajetória do ritmo em um dos momentos mais emocionantes do show, agora com a plateia de pé, em sincronia perfeita com o artista. Timoneiro faz o Araújo, nas ondas da canção, delirar, dançar e consagrar a obra do genial Paulinho, porque naquele momento, ninguém mais se navegava e sim navegávamos ao som do adorável samba. Depois de uma breve despedida, aplaudido de pé, retorna com a banda para o bis resgatando um animado samba de 1983, meio esquecido, mais uma parceria com Capinam, Prisma Luminoso, de raro quilate, agora com todo mundo de pé, até aqueles sisudos espectadores que às vezes parecem grudar nas cadeiras para não levantar, mas que acabaram se rendendo à elegância suprema do Paulinho. Para findar uma maravilhosa noite Foi um Rio que Passou em Minha Vida, hino da Portela e música que catapultou o cantor ao sucesso em 1970. Nessa hora éramos inundados por aquele rio de emoção que só a voz suave e genuína do sambista e sua banda, com aquele ritmo contagiante, poderiam proporcionar. Poucas vezes vi uma atração sendo aplaudida de pé como foi Paulinho da Viola, ovacionado por muito tempo e emocionadíssimo, ainda teve tempo de homenagear à capela Clementina de Jesus, a nossa Quelé, e umas das maiores cantoras de nossa história.
O que presenciamos na noite de sábado foi muito mais que uma aula de samba, presenciamos um artista com seus 80 anos, e mais de 50 de carreira, com uma voz impecável, desfilando sucessos e poesias musicadas por quase duas horas, e mesmo assim faltaram muitas canções, feito que só um cara com a bagagem de Paulinho da Viola pode ter de privilégio ao escolher a dedo o que tocar, tamanho o leque de qualidade de seu rico cancioneiro musical. Como disse antes, uma entidade hipnótica com uma sutil elegância e simpatia, tudo isso em prol da música, e quem agradece somos nós, que podemos desfrutar de tudo isso. Muito obrigado, Paulinho!
Crédito das fotos: Vívian Carravetta