A O2 Play já se destaca no cenário nacional e internacional de cinema há tempos. Sua qualidade nas produções é notória e isso tem trazido ótimos frutos para a produção cinematográfica brasileira. Uma de suas mais recentes empreitadas é o documentário Sertão Velho Cerrado, cuja abordagem tem como tema central o potencial e a importância de um bioma antiquíssimo e valioso para nosso país e o mundo: o Cerrado.
Produzido com extremo zelo, o documentário traz comentários de residentes do cerrado, ambientalistas e cientistas que, em uníssono, frisam a importância deste bioma, inclusive do ponto de vista farmacológico.
E por que esse documentário foi feito? Essa é uma iniciativa voltada a alertar tantas pessoas quanto for possível sobre a destruição do mais antigo bioma brasileiro. Toda a riqueza e o potencial a ser estudado por lá estão sendo depredados pela ganância do homem. A agropecuária está dando lugar a uma das mais belas paisagens do planeta, o que põe de lado o aproveitamento do ecoturismo, da produção de medicamentos com base nas plantas da região, a preservação de animais e, sobretudo, a preservação de uma área que deveria ser prioritária para os governos federal e estadual.
Depoimentos.
Dona Flôr, uma benzedeira local, o antropólogo e geólogo especializado no cerrado Altair Sales Barbosa, Reuber Albuquerque Brandão que atua como professor doutor em Biologia da Conservação da UnB, a ex-chefe do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, Carla Guaitanele, Fernando Rebelo – técnico fiscal da ICMBio, Fernando Tatagiba, atual chefe do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros… são apenas alguns dos nomes de pessoas que fazem questão de lutar e depôr a favor do Cerrado, a favor de sua preservação.
Todos os acima citados, independentemente do grau de instrução, declaram em uníssono a importância do cerrado, seu potencial farmacológico, o papel dele na manutenção do equilíbrio de vários micro ecossistemas e, ainda, o tempo que a natureza levou para chegar ao que hoje chamamos de Cerrado.
Da mesma forma, os depoentes mostram a preocupação com a depredação desse ecossistema em detrimento do lucro, seja através de fazendas de gados de corte, agronegócios ou algo similar. Explicam, ainda, que o bioma já se desenvolveu em sua plenitude, fato que impede a recuperação daquilo que for destruído pelo homem. Infelizmente, 50% da cobertura original já foi devastada.
Conscientização.
Claro que as autoridades sabem da importância do Cerrado brasileiro e também conhecem as necessidades da ocupação de áreas por seres humanos. Em função disso, foram criadas as APA (Áreas de Proteção Ambiental) que têm como meta maior a organização das áreas de preservação e a conservação das mesmas.
Pouso Alto (MS) tem uma enorme área a ser controlada, local onde fica o maior Quilombo do Brasil, o Kalunga. Alguns depoimentos dos quilombolas confirmam que a saúde e as tradições são mantidas das formas antigas. Uma citação é bem emblemática e leva ao pensamento reflexivo: “algumas pessoas confundem tradição com pobreza”, o que significa que não há porque as pessoas não terem acesso à tecnologia e aos avanços da ciência para se declararem quilombolas.
Um grande problema dessa áreas do Cerrado está na exploração de minerais. Áreas enormes sofrem com a exploração predatória de minérios, exclusivamente para obtenção de lucro. Cabe lembrar que há pouco tempo a cidade de Mariana foi removida do mapa por conta do rompimento de uma barragem de mineradora. A tragédia era anunciada, assim como a destruição do cerrado acontece aos olhos de todos.
Queimadas, correntões, uso indevido da terra, lucro, lucro e lucro. As plantações de soja ocupam áreas que vão até onde seu olhar alcançar. São quilômetros de áreas de cerrado desmatadas para plantar ou servir de pasto para o gado. Homens enriquecem, empresas enriquecem, mas o povo permanece atado à pobreza.
O Cerrado foi e ainda é uma das mais importantes fontes de água do país. Os veios aquíferos subterrâneos são uma reserva natural que, infelizmente, perde espaço para as plantações.
Mineradoras enriquecem, empresários enriquecem e, novamente, o pobre permanece na mais absoluta pobreza, isento de perspectivas de um futuro melhor e ao lado da natureza que ele aprendeu a conservar.
Outro alerta que assusta é o da revitalização da área desmatada. Na verdade, após um longo período de adubos, colocação de calcário e outros produtos industrializados para a lavoura, o solo adquire novas propriedades, incompatíveis com as plantas originais. Por isso se afirmar categoricamente que o Cerrado está em vias de extinção, algo que cobrará um preço enorme por parte de nós, brasileiros.
Pesticidas e agrotóxicos são fontes de envenenamento do solo e dos animais da região. Insetos, incluindo os polinizadores, são vítimas frequentes dessa prática já banida em boa parte do mundo.
Com muita qualidade e eloquência, os relatos nos trazem à memória o fato de que o solo nordestino sofre com a seca não à toa. A degradação da mata atlântica, cerrado e da caatinga transformaram áreas antes férteis em desertos… de forma irreversível.
No tocante à produção de alimentos, um fato vem à tona: a produção anterior à década de 60 era totalmente isenta de agrotóxicos. Entretanto, a ganância em produzir mais alimentos faz com que o uso indiscriminado de pesticidas seja uma realidade. Isso sem falar na criação dos transgênicos, capazes de suportar uma carga ainda maior de agrotóxicos. Mas nem só de alimentos vive a produção agrícola do Cerrado. O pior está na infinidade de áreas de plantio de soja, cuja destinação, quase sempre, é para o mercado estrangeiro.
Há ainda mais problemas, como a criação de pequenas hidrelétricas por toda a extensão do bioma. Assim como vimos em Belo Monte, os estragos não ficarão restritos à natureza. Os habitantes locais terão suas vidas radicalmente alteradas e o caos pode se instalar entre eles.
Tudo isso e muito mais está exposto – tal qual uma ferida – para que nós, cidadãos de bem, possamos despertar e ingressar também nas fileiras das pessoas que não permitirão o fim de um presente da natureza, um presente de Deus. Mais do que um simples documentário, André D´Elia passou anos criando um manifesto pela preservação de um bem que está acima do dinheiro, da política e do regionalismo. O Cerrado é um bem de todos os brasileiros… por isso devemos lutar para mantê-lo vivo.
Nota: daqui a pouco lançaremos o podcast com a entrevista com o diretor. Um dos pontos mais interessantes está no fato de que ele e a O2 Play querem dar acesso ao documentário para todos. Então, não deixem de ouvir o SetCast para descobrirem como é possível ter essa obra em sua escola, universidade ou comunidade. Ajudem a divulgar essa iniciativa importantíssima.