Sepultura – Celebrating Life Through Death – Araújo Vianna

Houve um tempo em que os grandes cantores de voz impostada dominavam os corações dos brasileiros. Um dos maiores deles, Silvio Caldas, foi um que fez sucesso por décadas, mas em meados dos anos 1960 resolveu parar. Sempre fazia um alarde antes de alguma apresentação, que aquela seria a despedida dele de vez dos palcos. Só que Silvio nunca se despedia, continuava fazendo os shows e fomentando essa ladainha. Ficou conhecido como o cantor das despedidas.
Essa onda de artistas darem um tempo na carreira explorando farsas como o último show, a última turnê, realmente não é nova. Transportando para 2025, a maior banda de som pesado do Brasil, uma das maiores da história do planeta, o Sepultura, vai seguindo a cartilha do velho Silvio, e desde o ano passado, com sua tour Celebrating Life Through Death, em que a banda, a cada show anuncia sua despedida. Mas quem aproveita essa eterna despedida são os fãs de Porto Alegre que, pelo segundo ano consecutivo, tiveram o privilégio de assistir o Sepultura. E mais uma vez, o Araújo Vianna, no sábado passado, recebeu a lenda do metal mundial e o NoSet conferiu a tal última dança da banda.
Com um ótimo público (mas não com a casa cheia), uma horda de fãs da banda estava sedenta para conferir o que poderia ser a última vez que iríamos ver o Sepultura. Com um atraso de uns 15 minutos (exemplar, comparados a alguns outros artistas que atrasam quase uma hora), Polícia, do Titãs, é ouvida nos PAs, que significa que o show está para começar. A intro de Beneath The Remains também soa pelos falantes, Paulo Jr. Derrick Green, Andreas Kisser e Greyson Nekrutman entram no palco e começam com a pedrada citada acima, do disco de 1989. Do mesmo disco e mantendo a sonzeira, mandam de Inner Self e a galera enlouquece com Desperate Cry, do disco que catapultou a banda para o estrelato mundial, Arise. Lógico que a galera estava de pé, batendo cabeça desde os primeiros acordes de Beneath e a sintonia do público com o Sepultura é algo incrível. Poucas bandas têm essa conexão com sua plateia. O show segue com Phantom Self, de 2017, Attitude, do Roots, de 1996, e Means To An End, do álbum Quadra, de 2020.




Andreas Kisser está cada vez mais leve e solto. Tocando com sua técnica e fúria característica, que o faz um dos melhores guitarristas do gênero. Derrick Green, canta demais é só sua presença numa mescla de simpatia com a feroz voz, já são uma marca registrada da banda. Até o nosso querido Paulo Jr., sempre discreto, estava mais solto, mas é o baterista Greyson Nekrutman que surpreende. O estadunidense, com 22 anos, tem uma técnica incrível com dois bumbos cortantes e é preciso como um relógio. Eloy Casagrande não faz mais falta…
A banda segue com um apanhado da quarentona carreira com clássicos como Kairos, The Treatment e a recente Guardians Of The Earth, do álbum Quadra. Do álbum Against, de 1988, temos Choke e logo depois Andreas vai ao microfone pra avisar que irão voltar para 1987 e tocar Escape To The Void, do Schizophrenia, de 1987, para delírio dos fãs, que vão ouvir um clássico dos primórdios da banda. Não tem como não notar que Andreas está cada vez mais comunicativo, comandando a massa, batendo a cabeça, chamando o público que delira a cada chamada do guitarrista. Num momentos mais legais do show, quando a banda toca Kaiowas, do Chaos A.D., quando começa a flertar com a tribal percussão dos povos originários, a banda chama pessoas da plateia (escolhidas antes e treinadas para isso) para fazer uma jam percussiva, tocando os compassos em surdos junto ao batera Greyson. Uma sonzeira que literalmente batia forte no peito da galera com o som grave ecoando pelo Araújo Vianna.




A galera vai ao delírio com Dead Embryonic Cells, do Arise, de 1991. Agony Of Death vem na sequência e mais uma vez a casa vai abaixo com o cover de Motorhead, Osgasmotrom, num mar de bateção de cabeças, camisas pretas e muita vibração. A máquina do tempo pega pesado quando toca Troops Of Doom, do primeiro EP da banda, de 1985, Bestial Devastation, e os fãs que acompanham há muito tempo a banda entram em polvorosa com esse petardo dos primórdios do metal nacional. Na sequência Territory, Refuse Resist e encerram a porrada sonora com o clássico Arise!
Para o bis, a banda toca aquela pedrada que ensinou aos gringos que o Brasil tinha biboca, favela maloca e que Zé do Caixão, Zumbi e Lampião são verdadeiros símbolos nacionais. Falo de Ratamahatta que logo é seguida com a visceral Roots Bloody Roots, onde o Sepultura mostrou pro mundo o crossover de som pesado e sons tribais made in Brazil!



Fechava assim um capítulo da história (ou ao menos é como a banda anda anunciando) de umas das maiores bandas de som pesado de todos os tempos. O Sepultura, posso afirmar com certeza, é o produto musical que fez mais sucesso fora do Brasil. Soube se reinventar com o tempo, com a saída dos irmãos Cavalera, recentemente perderam Eloy Casagrande, mas a banda nesses mais de 40 anos provou que é um gigante do som pesado mundial, e mesmo desconfiando desse tal canto dos cisnes da banda, podemos bater no peito e dizer que o Sepultura é um orgulho nacional. E nesse histórico show, com uma competência ímpar, tivemos talvez a única chance de ver esse som e fúria da banda, em mais um dos grandes capítulos da história do Araújo Vianna. Que seja um até breve, mas se não foi, quem viu pode se sentir um privilegiado!



